Subir uma montanha, dormir em barracas, lidar com desconfortos e desafios físicos com direito apenas a um bastão de caminhada e o apoio de outros homens. Tudo isso em meio a momentos de oração e pregações sobre a identidade masculina à luz da Bíblia. Assim é a rotina dos retiros organizados pelo movimento evangélico chamado Legendários.
Apesar do convite explícito a deixar a zona de conforto, quase 50 mil brasileiros já completaram o desafio. Muitos desses homens relatam que o retiro foi um divisor de águas em suas vidas pessoais e espirituais, ajudando-os a lidar com feridas do passado, recuperar o senso de propósito e se tornarem mais presentes e amorosos com suas famílias.
Mas um evento exclusivo para homens, que foca em resgatar valores tradicionais, mira em temas como masculinidade, paternidade e família e, de quebra, inclui estética e símbolos que remetem ao militarismo (como gritos de guerra, uniformes e insígnias) naturalmente passou a desagradar setores ditos “progressistas” da igreja evangélica.
O Legendários não é algo novo: foi fundado em 2015 por um pastor da Guatemala e chegou ao Brasil em 2018. O Brasil, aliás, registra o maior número de legendários – alcunha dada a homens que completam o desafio. Mas foi a participação de brasileiros famosos em uma edição recente, realizada nos Estados Unidos em janeiro deste ano, que direcionou de vez os holofotes para o movimento, já que vários desses participantes compartilharam suas experiências nas redes sociais.
Nomes como Pablo Marçal, Joel Jota, Caio Carneiro, Tiago Brunet, Thiago Fonseca, Ronaldo Jacaré e outros que, juntos somam perto de 170 milhões de seguidores, tornaram-se “legendários” na edição norte-americana. Antes deles, outros empresários, influenciadores e atletas, como Thiago Nigro, Lyoto Machida e Mauricio Shogun também completaram o desafio.
Pode-se dizer que a recente repercussão fez com que 2025 se tornasse o ano em que o evento finalmente “furou a bolha” no Brasil – o que tem atraído um número de interessados sem precedentes, mas também despertado uma onda de críticas de opositores.
Teólogos de esquerda rotulam Legendários de “masculinidade tóxica”
Relatos favoráveis de homens que subiram a montanha são comuns e esperados, mas algo que acabou também se tornando rotineiro foram manifestações positivas das famílias desses homens, em especial suas esposas. Mesmo assim, uma corrente minoritária dentro da igreja evangélica, alinhada à esquerda política, passou a combater o Legendários com ironias ácidas ou mesmo críticas contundentes aos organizadores e participantes.
Em menor grau, esses comentários chegam aos púlpitos, mas é nas redes sociais que pastores e influenciadores ligados à teologia progressista e/ou inclusiva têm direcionado esforços.
Um dos opositores mais radicais é Fillipe Gibran, de 35 anos, que se denomina um “pastor evangélico simples e revolucionário”. Em um vídeo sobre o Legendários publicado no final de março, ele sugere que homens estariam vindo ao Evangelho “a partir da lógica da masculinidade tóxica”. Misturando fake news e acusações sem provas de crimes, ele diz que o movimento está preparando homens para serem “soldados de um cristianismo violento e autoritário”.
Mas as ideias de Gibran costumam ser vistas com muitas ressalvas entre os evangélicos: o teólogo faz uso de uma linguagem radicalizada, abertamente política e questionadora de princípios bíblicos básicos. Entre as polêmicas que criou nos últimos meses estão a classificação dos chamados “intervalos bíblicos”, que costumam ocorrer em escolas e faculdades para compartilhar a fé cristã, de “lavagem cerebral”, e uma defesa da tese de que a Bíblia apoiaria a maconha.
Gibran pertence à “Comuna do Reino”, em Belo Horizonte, que se intitula como “a primeira igreja antifundamentalista do Brasil”. Muitas das outras vozes críticas ao Legendários dentro da igreja, como Ed René Kivitz, Evandro Moretti e Ranieri Costa, são teólogos ligados à esquerda. A postagem de Fillipe Gibran, aliás, foi publicada em coautoria com perfis dedicados à militância política, como “Evangélicos com Lula” e “Movimento Brasil Laico” – entidade que afirma defender segmentos prejudicados pelo “projeto de poder cristão conservador que ameaça a democracia no Brasil”.
Lyoto Machida, Joel Jota e Pablo Marçal compartilharam nas redes sociais a experiência do Legendários. Os três juntos somam 20 milhões de seguidores (Foto: Reprodução)
“Devolver o herói para cada família”
“O Legendários surgiu porque nós reconhecemos que, como homens, estávamos em dívida com a sociedade, com nossas famílias, com nossas igrejas. Então, o propósito é restaurar a configuração original do homem, seu posicionamento. É devolver o herói para cada família”, diz Ricardo Bernardes, diretor do Legendários Brasil e o primeiro brasileiro a completar o desafio, em um evento na Guatemala em 2017.
Em novembro do ano seguinte, Bernardes e mais dez homens realizaram a primeira edição brasileira do Legendários, em Santa Catarina. “Hoje o Brasil é o país onde o movimento mais cresce. Mas no mundo já são mais de 100 mil legendários. No último final de semana começamos na Europa, em Portugal. Agora teremos no Japão, entrando na Ásia também.