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Política

Batom antidemocrático: quando a intervenção alienígena é pauta central

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Suponhamos, por um momento, que eu acredite que tudo está perdido. A sociedade brasileira, a meu ver, está falida, sem meios de salvação, ancorada no desastre inevitável. Esquerda, direita, Lula, , Tarcísio, Zema, Caiado, Boulos, Haddad, liberais, conservadores, socialistas, militares, nada nem ninguém pode contribuir para resolver o nosso problema.

As instituições não fornecem alternativas para correção de suas próprias distorções. É necessária, concluiria eu nessa hipotética situação, uma ação de força externa para nos “salvar” do abismo. Todos os meus esforços são e serão sempre inúteis. Preciso pedir socorro.

A quem apelar? Em minha fértil imaginação, tomo a decisão de que a única ajuda efetiva viria do espaço. Precisamos evocar os alienígenas! Em suas reluzentes e portentosas naves espaciais, eles sobrevoarão Brasília e farão uma “intervenção extraterrestre” para depor e abduzir todos aqueles que atraiçoam o país e nos submetem ao autoritarismo.

Absurdo? Claro que sim. Não tenho o número de telefone de nenhum ET, não tenho espaçonaves, não tenho raios lasers superpoderosos, não tenho recursos reais para dar seguimento a esse desejo mirabolante. Dentro dessa narrativa, isso, para mim, é irrelevante. Eu acredito, eu quero, é o que importa.

Ponho, então, mãos à obra. Visto-me com camisetas com as cores do Brasil e o desenho dos alienígenas. Convoco para manifestações de rua por alguns meses — nesse caso, podemos esquecer os quartéis. Façamos em Varginha ou em torno de círculos de plantação atribuídos a extraterrestres, quem sabe.

“SOS marcianos”, “ETS, salvem o Brasil”, “Intervenção extraterrestre já!”, dizem as placas, as faixas, as palavras de ordem que levaremos para nossas gloriosas manifestações. Muita gente comprou a ideia, muito mais do que eu esperava. Nosso grupo de evocação de ETs decide, então, reunir-se na , em Brasília. “Eles vão nos ouvir e pousarão bem aqui para nos ajudar”, pensamos, convictos.

Uma parte do grupo passa do limite, perde a paciência pela espera inútil e invade os prédios públicos, começando a quebrar coisas. Eu, no auge da minha sandice, pego um batom e faço uma pichação em uma estátua. Escrevo uma frase dita por alguns dos algozes do , ironizando suas incongruências. O que acontece? Obviamente, nada. Somos presos. Seremos condenados. Não há naves, não há ETs vindo, não há intervenção alienígena, não há salvação. Nunca houve. 

A Constituição brasileira, obviamente, não prevê uma intervenção extraterrestre tanto quanto não prevê uma intervenção militar. O que queríamos era uma rebelião, uma insurreição, um golpe de Estado, chamem como quiserem. Havia, porém, a menor possibilidade de implementarmos nosso desejo? Tínhamos recursos? Tínhamos armas? Nossos salvadores estavam conosco? Nosso arsenal estava a postos? Nada, mil vezes nada. Nosso crime foi querer o impossível. Nada mais. 

É basicamente o caso da cabeleireira Débora Rodrigues, mãe de dois filhos menores de idade, que foi a Brasília, se vestiu com as cores do Brasil e se posicionou na Praça dos Três Poderes, de onde parte dos demais que fizeram a mesma coisa partiriam para entrar nos prédios públicos e quebrar coisas. Provavelmente, gritou algumas palavras de ordem. Então, ela pichou a estátua com seu batom, escrevendo uma frase do ministro do STF Luís Roberto Barroso. Repito: pichou uma estátua. Esse foi o único crime dela.

Ministro Alexandre de Moraes desativou conta no X em fevereiro | Foto: Fellipe Sampaio/STF
Ministro Alexandre de Moraes votou para condenar Débora Rodrigues a 14 anos de prisão | Foto: Fellipe Sampaio/STF

Segundo Alexandre de Moraes (e, pelo menos, também Flávio Dino), porém, ela cometeu “abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado, deterioração de patrimônio tombado e associação criminosa armada”. .

Todas essas atrocidades antidemocráticas seriam perpetradas, naturalmente, com seu poderoso batom, porque ela não dispunha de mais nada. Que o Moraes esteja delirante a esse ponto, não surpreende. O que indigna é ver a quantidade de autoritários ou idiotas que gastam teclado ou saliva para apoiá-lo. Felizmente, são minoria. O peso da realidade evidente ainda parece prevalecer, de modo que mesmo esquerdistas se obrigam a admitir o que chamam de “exagero” — só que não é um exagero; é uma monstruosidade.

Fonte: revistaoeste

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