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Física Quântica na Medicina: Uso Autêntico e Eficaz sem Picaretagem

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mecânica quântica nasceu como uma descrição matemática da natureza na escala microscópica – dos átomos e das partículas ainda menores que os compõem. Os preceitos newtonianos que aprendemos na escola funcionam muito bem, obrigado, para fazer contas sobre nosso dia a dia no mundo macroscópico – pessoas, carros e planetas percorrem trajetórias previsíveis. Quando falamos em prótons e fótons, porém, entram em cena fenômenos que desafiam o senso comum.

Partículas atravessam paredes e se conectam “por telepatia” por distâncias imensas. Elas têm posição e velocidade, mas, se você mede um desses dados, elas escondem o outro de você. Um elétron se comporta como uma probabilidade de estar em algum lugar até que você o detecte – momento em que o dito-cujo decide por um ponto só do espaço-tempo e sai do estado de superposição.

É difícil colocar em palavras conceitos tão alienígenas. Embora os físicos façam previsões precisas sobre esses fenômenos, é impossível observá-los e descrevê-los em termos palpáveis.

Celulares, lasers e máquinas de ressonância magnética funcionam com base em equações que sabemos estar corretas, mas que descrevem um domínio da natureza inacessível à cognição humana.

2025 foi escolhido como o ano internacional da mecânica quântica pela ONU porque é considerado o centenário do início da teoria. Em 1925, os alemães Werner Heisenberg e Erwin Schrödinger publicaram, em paralelo, duas formulações diferentes para descrever a evolução das propriedades de uma partícula no tempo: uma baseada em ondas, que é a mais famosa entre o público não especialista, e outra baseada em matrizes (pois é: aqueles quadradinhos de números que você estudou no colégio são muito importantes).

Suas sementes, porém, já estavam plantadas por volta de 1900, quando Max Planck e Albert Einstein se deram conta de que a luz se comporta ora como uma onda, ora como uma partícula.

Justamente por seu caráter probabilístico e contraintuitivo, essa área da física é um prato cheio para charlatães de redes sociais. Faça o teste: escreva a palavra “quântico” no buscador do Instagram e veja quantos posts misturam o tema com misticismo, religião, esoterismo, telepatia etc. As picaretagens superam com folga os conteúdos sérios. Não é incomum, claro, que essas páginas também ofereçam produtos e serviços duvidosos.

“Por que a quântica parece ser uma coisa misteriosa, usam essa palavra como se fosse solução para qualquer coisa”, diz Luiz Davidovich, professor do Instituto de Física da UFRJ, membro titular da Academia Brasileira de Ciências e uma das maiores referências no tema no Brasil. “O termo ‘quântico’, usado nesse contexto, leva a produtos e práticas que não são sérias, com interesse mercadológico. A física quântica não é para essas coisas; ela é para coisas muito mais importantes.”

A medicina e a área da saúde são as mais afetadas. Não faltam vigaristas prometendo “curas quânticas”, que supostamente funcionariam com base nos mecanismos mais bizarros do mundo microscópico. Tudo balela, claro, mas que viraliza. “Quando dou uma palestra e o vídeo vai parar no YouTube, 90% das pessoas que entram em contato comigo estão buscando uma pseudociência, uma mentira”, diz Marcelo Sousa, CEO da Bright Photomedicine e pesquisador do IDOR Ciência Pioneira na área de biologia quântica.

Como a quântica é usada na medicina

Na verdade, já existem várias ferramentas na medicina que realmente dependem de efeitos quânticos para funcionar. Um exemplo é a ressonância magnética, um exame que gera imagens muito detalhadas dos nossos tecidos, e pode ser usada para diagnosticar doenças e encontrar tumores.

Para entendê-la, precisamos primeiro entender o que é o spin de uma partícula. O spin (“giro”, em inglês) é uma propriedade que dita como aquela partícula interage com campos magnéticos – assim como a carga elétrica rege as interações com campos elétricos.

Não há um análogo óbvio para essa propriedade no nosso mundo newtoniano. Costuma-se representar o spin como uma bolinha girando, com dois valores possíveis (para um lado ou para o outro). Mas, apesar de útil, essa não é a melhor metáfora: não há, de fato, algo girando. O jeito mais correto, talvez, seria pensar que há pequenos ímãs colados na partícula, e que a própria partícula é um ímã.

Nosso corpo é lotado de átomos de hidrogênio, principalmente na água e na gordura. E o aparelho de ressonância magnética é, basicamente, um ímã gigante e muito forte. Quando uma pessoa é colocada lá dentro, o campo magnético gerado faz com que o spin dos prótons que estão dentro dos átomos de hidrogênio passe a se alinhar com aquele campo. Todos começam a “girar” para o mesmo lado.

Aí vem a próxima etapa: o aparelho emite ondas de rádio. Nos manuais médicos, costuma-se dizer que essa energia faz com que o spin dos prótons gire para o lado oposto ao que estava. Mas é mais preciso dizer que os pulsos de rádio fazem os prótons entrarem no já comentado estado de superposição. É como se eles girassem contra e a favor do campo ao mesmo tempo.

Quando esse processo acaba, o spin volta para o estado em que estava antes do bombardeio de ondas de rádio. Nossos prótons deixam de estar em superposição quântica. Isso faz com que eles liberem energia – e é ela que é captada pela máquina para fazer as imagens do nosso interior. Diferentes tipos de tecidos (como músculos, gordura, ossos e líquidos) liberam a energia em velocidades e intensidades diferentes, e essa distinção gera uma imagem detalhada dos órgãos e tecidos.

Esse, é claro, é só um dos truques quânticos usados na medicina. Há outros, alguns na fronteira do conhecimento. O físico Marcelo Sousa, por exemplo, estuda a fotobiomodulação – processos em que são empregados lasers em várias partes do corpo para gerar efeitos terapêuticos, como analgesia, efeitos anti-inflamatórios ou recuperação de cicatrização de tecidos.

Isso é feito porque o tratamento aumenta a probabilidade de produção do ATP (adenosina trifosfato), a molécula que armazena a energia da célula. “O nosso corpo produz milhares de substâncias que são benéficas, como analgésicos endógenos”, explica Sousa. “Mas, às vezes, falta energia para produzir o quanto precisa. Com a fotobiomodulação, é possível aumentar a quantidade de ATP, e, assim, produzir mais desses analgésicos para combater a dor.”

Esse processo também é fundamentalmente quântico (já que envolve interações de fótons com moléculas do nosso corpo).

Partículas são estranhas – tão estranhas que é fácil esquecer que somos feitos delas. E para os charlatões, fica a dica do professor Davidovich: “Eu recomendo que as pessoas leiam e estudem sobre o tema. Assim, vão descobrir que a quântica é muito mais formidável do que estão inventando”.

Fonte: abril

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