Há aproximadamente um ano, um homem diagnosticado com morte cerebral China se tornou a primeira pessoa a receber um transplante de fígado de porco. Por 10 dias, o órgão vindo de um porco geneticamente modificado permaneceu realizando as funções necessárias do organismo.
Transplantes são a maneira mais eficaz de tratar fígados em fase terminal. Aqui no Brasil, de acordo com dados do Ministério da Saúde de 2024, quase 2.300 pessoas estão na fila esperando por um doador de fígado. É aí que entra uma alternativa experimental, que ainda não é permitida no país: o xenotransplante.
“Xeno”, em grego, quer dizer “estrangeiro”. Quando unido a “transplante”, dá nome para os procedimentos em que tecidos ou órgãos de diferentes espécies são transplantados de uma para a outra. Os porcos são considerados uma boa alternativa devido às suas funções fisiológicas e tamanho compatíveis com tecidos humanos.
Porém, não é qualquer porquinho que pode ser transplantado. O procedimento só é possível por conta de edições genéticas que possibilitam modificar órgãos desses animais para reduzir o risco de rejeição e de possíveis doenças e infecções.
Corações e rins, por exemplo, são casos mais conhecidos: já foram transplantados de porcos para humanos algumas vezes (a Super já contou mais sobre esse processo nesta matéria de capa). Mas, quando o assunto é fígado, a complexidade dificulta o trabalho dos médicos.
“As funções desse órgão são muito diversas e complicadas”, disse Lin Wang, um dos cirurgiões que, em março de 2024, realizou o primeiro transplante de fígado de porco para um homem de 50 anos com morte cerebral. “Corações e rins têm funções básicas, como bombear o sangue, mas o fígado é complexo”, explica Wang em conferência.
Isso porque esse órgão tem mais de 500 funções vitais para o corpo humano, que variam da metabolização de nutrientes até a desintoxicação do organismo.
De acordo com Wang, a cirurgia que ocorreu há um ano superou um grande obstáculo. Na época, o fígado do paciente se manteve presente no corpo e funcionava com a ajuda do órgão estrangeiro. Os autores monitoraram a função do fluxo sanguíneo, respostas imunes e do próprio enxerto.
Em um estudo publicado hoje na Nature, Wang e os demais cirurgiões que participaram do processo descrevem como o fígado suíno produziu bile e albumina suína, manteve o fluxo sanguíneo estável e não mostrou sinais de rejeição. As respostas imunes foram controladas com imunossupressores.
Porém, a pesquisa é restrita apenas aos 10 dias de observação e às respostas de funções básicas do fígado. Para o autor, os resultados ainda não podem ser comparados aos produzidos pelos órgãos humanos. Além disso, não se sabe o limite de tempo que o fígado de porco poderia se manter no organismo do paciente.
As descobertas sugerem que os fígados de porco xenotransplantados podem sobreviver e funcionar em corpos humanos, e que um dia podem servir como solução para pacientes com insuficiência hepática aguardando doadores humanos. ““Pode ser um jeito de solucionar essa doença”.
Em um futuro próximo, os médicos pretendem repetir o processo por mais tempo – e em uma outra vez, querem tirar o fígado existente por completo. “Todos esses casos aconteceriam com pacientes clinicamente mortos, mas quem sabe no final deste ano não realizamos a cirurgia com pacientes vivos?”, disse Wang.
Fonte: abril