Em 1497, o navegador português Vasco da Gama comandou a primeira viagem oceânica da Europa até a Índia, depois de contornar o cabo da Boa Esperança, na região onde hoje fica a África do Sul. Cinco séculos antes do feito dos portugueses, porém, o comércio oceânico já acontecia no Oceano Índico, com o transporte de produtos do Golfo Pérsico até o interior da África do Sul.
É essa a conclusão de um novo estudo, que analisou fragmentos de cerâmica perto da fronteira entre a África do Sul e o Moçambique. Os pedaços de vasos tinham uma coloração azul-esverdeada forte por dentro e por fora, com aparência brilhante e requintada. Além das cerâmicas, os pesquisadores também encontraram contas de vidro da Ásia na área.
As descobertas na região do rio Letaba, a cerca de 400 km da costa do Índico, foram divulgadas num estudo publicado no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS). Os pesquisadores, coordenados por Alexander Antonites, da Universidade de Pretória, mostraram que as peças de cerâmica foram produzidas onde hoje fica o sul do Iraque, entre os séculos 9 d.C e 10 d.C.
Intercâmbio antigo
A área próxima ao rio Letaba – onde hoje fica o Parque Nacional Kruger – era ocupada por um grande assentamento humano, denominado pelos arqueólogos de Le6. A região foi descoberta nos anos 1970 e 1980, quando os pesquisadores fizeram datações de carbono-14 com ossos de animais e materiais orgânicos encontrados na área e estimaram que a região foi ocupada entre 887 d.C. e 966 d.C.
Para um pouco de contexto histórico, na mesma época a dinastia carolíngia passou por uma renascença cultural e intelectual, os vikings dominavam o norte da Europa e a álgebra foi inventada pelo polímata árabe al-Khwarizmi.
Foi no berço da álgebra, onde hoje está o Iraque, que as cerâmicas que chegaram à África foram fabricadas. Elas provavelmente foram transportadas pelo oceano Índico. Outros estudos já comprovaram que, muito antes das Grandes Navegações, a costa da África Oriental durante a Idade Média já tinha relações comerciais de longa distância com o Oriente Médio, a Índia, o Sudeste Asiático e até a China.
O truque dos navios que saíam da Ásia para chegar até a África era contar com a regularidade dos regimes de ventos, que ajudavam os navegadores a seguir seu rumo com tranquilidade e velocidade. Tudo isso mais de 500 anos antes dos portugueses e espanhóis levarem a fama pelo comércio intercontinental.
Foi por meio do comércio marítimo que as cidades da África Oriental se fortaleceram. Muitos dos moradores locais se converteram ao Islã, que era a religião dos comerciantes árabes e persas que transportavam materiais como os vasos.
Os vasos foram descobertos em escavações entre 2021 e 2024 no assentamento Le6. Eles são anteriores à maioria das consequências desse boom comercial no leste da África. O rio Letaba ficava longe da costa, e os produtos árabes e asiáticos provavelmente chegaram pela cidade de Xai-Xai, no Moçambique, onde deságua o rio Limpopo. Quem subia o rio podia levar seus produtos até o Letaba, no interior do país, que é seu afluente.
O estudo sugere que a região de Xai-Xai, no sul do Moçambique, foi uma das primeiras entradas de mercadorias das redes de comércio do Oceano Índico na África. Mais estudos sobre a origem das relações comerciais entre África, Oriente Médio e Ásia podem ajudar a entender o desenvolvimento subsequente do sudeste africano.
Fonte: abril