Em 15 de janeiro de 1919, o subúrbio residencial de North End — um antiquíssimo bairro italiano da cidade de Boston, nos EUA, habitado desde 1630 — foi inundado por 12 mil toneladas de melaço de cana.
Após um tanque de armazenamento com 15 m de altura e 27 m de diâmetro estourar, 8,7 mil metros cúbicos de viscosidade açucarada, suficientes para encher pouco mais de quatro piscinas olímpicas, correram pelas ruas a 56 km/h, deixando 21 mortos e 150 feridos. A onda chegou a 8 m de altura em algumas ruas.
O tanque pertencia à Purity Distilling Company, uma destilaria que usava o melaço como matéria-prima para obter álcool. Era o auge do inverno no hemisfério norte, e fazia 4ºC. Trata-se de um frio absurdo para os padrões da maior parte do Brasil, mas era um calorzinho razoável em relação aos -17 ºC dos dias anteriores — e isso foi parte do problema.
Com esse calorzinho mequetrefe, o melaço descongelou e se expandiu em volume, como acontece com a maior parte das substâncias ao serem aquecidas (a água é uma exceção: uma de suas várias anomalias é o fato de que ela se expande no estado sólido, por causa da configuração geométrica peculiar das moléculas de H2O cristalizadas).
Para piorar, um navio havia acabado de completar o tanque com uma carga de melaço fresquinho. Para bombeá-lo, foi necessário aquecê-lo, e essa dose extra de calor expandiu ainda mais o conteúdo do tanque — que pressionou suas paredes metálicas até rompê-las. Assim começou o tsunami.
Outros fatores contribuíram para essa trapalhada açucarada. Um deles é que o melaço, naturalmente, fermenta. Além de gerar álcool, esse processo libera gás carbônico, que aumenta a pressão lá dentro.
Outro problema é que o tanque havia sido construído fora das especificações de segurança para cortar custos. Não havia manganês suficiente no aço, e as paredes eram finas demais. Havia tantas rachaduras que a população local costumava levar garrafinhas até o local e enchê-las de melaço só com o excedente dos vazamentos.
Alguns historiadores que se debruçaram sobre a tragédia acreditam que o tanque foi construído às pressas e preenchido além da capacidade porque a destilaria estava tentando fabricar a maior quantidade possível de bebida alcoólica antes da Lei Seca entrar em vigor, em 1920.
O resultado foi catastrófico. Cavalos e cães que tentavam se desvencilhar do grude, desesperados, acabavam se enterrando mais fundo. Conforme o melaço esfriava, exposto à temperatura ambiente, ele também se tornava mais viscoso, o que dificultava o trabalho dos socorristas.
Os pilares metálicos de um viaduto ferroviário acabaram retorcidos; edifícios inteiros desabaram ou foram arrastados. Vítimas imobilizadas sob os escombros ou presas no xarope não conseguiam gritar por socorro porque suas bocas estavam cheias de doce. Os esforços de busca pelos desaparecidos levaram quatro dias.
Nos dias seguintes, conforme os transeuntes circulavam pelas ruas, bondes e vagões de trem, o grude se espalhou pela cidade. As calçadas de Boston se tornaram um enorme piso de buffet infantil, como se uma criança tivesse acabado de despejar refrigerante por todas as superfícies.
O cheiro de melaço perdurou por décadas, e se tornou uma característica icônica do bairro. Até hoje existe uma placa no local — o pátio em que ficava um tanque se tornou um campo de baseball. Abaixo, uma foto de como era o tanque antes do desastre:
Fonte: abril