Em 1831, um vulcĂŁo entrou em erupção. Teria sido mais um fenĂŽmeno natural comum, nĂŁo fosse o resfriamento terrestre que ocorreu logo depois da explosĂŁo. Por anos cientistas tentaram descobrir quem foi o culpado pelo evento â e, quase 200 anos depois, temos finalmente uma resposta.
O sĂ©culo 19 foi marcado por muitas erupçÔes vulcĂąnicas. O vulcĂŁo Tambora, na IndonĂ©sia, foi responsĂĄvel pela maior erupção em milhares de anos, em 1815. No ano de 1883, o Krakatoa, localizado no estreito de Sunda, destruiu a pequena ilha que chamava de casa e anunciou sua erupção com um som tĂŁo alto que foi possĂvel escutĂĄ-lo a cinco mil km de distĂąncia, nas ilhas MaurĂcio. TrĂȘs anos depois, em 1886, a Nova ZelĂąndia acordou no meio da noite com o Monte Tarawera cuspindo lava.
PorĂ©m, foi com uma explosĂŁo vulcĂąnica em 1831 que a estratosfera terrestre recebeu tanto diĂłxido de enxofre que o HemisfĂ©rio Norte ficou 1°C mais gelado. Esse tipo de ocorrĂȘncia Ă© caracterĂstica de erupçÔes vulcĂąnicas plinianas, eventos extremamente violentos, caracterizados pela emissĂŁo de grandes quantidades de cinzas e gases na atmosfera. O nome vem de PlĂnio, o Jovem, que descreveu a erupção do Monte VesĂșvio em 79 d.C.
ApĂłs a erupção de 1831, o norte experimentou condiçÔes mais frias e secas, o que levou a fomes e dificuldades generalizadas, afetando a Ăndia, JapĂŁo e Europa. A falha nas colheitas e a fome foram possivelmente causadas pelo resfriamento climĂĄtico vulcĂąnico â pesquisadores tambĂ©m investigam a possibilidade de fatores sociopolĂticos estarem envolvidos.
A condenação do caso jĂĄ foi atribuĂda a diferentes estruturas geolĂłgicas: o Babuyan Claro, nas Filipinas, escapou da pena em 2018, com um estudo que provava sua inocĂȘncia. As Ilhas Graham tambĂ©m jĂĄ foram indiciadas graças a uma massa vulcĂąnica que desaparece e reaparece e que talvez fosse responsĂĄvel pelos eventos de 1831.
Mas um estudo publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences provou o contrĂĄrio e, finalmente, encontrou o verdadeiro culpado misterioso: o vulcĂŁo Zavaritskii, na Ilha Simushir, parte do arquipĂ©lago das Ilhas Kuril, ĂĄrea disputada por JapĂŁo e RĂșssia.

A pesquisa analisou nĂșcleos de gelo na GroenlĂąndia, avaliando os isĂłtopos de enxofre, fragmentos minĂșsculos de vidro depositados apĂłs a erupção e grĂŁos de cinza, e mostrou que a precipitação de enxofre era 6,5 vezes maior na regiĂŁo do que nos gelos do HemisfĂ©rio Sul â caso tivesse sido um vulcĂŁo como o Babuyan, localizado em uma zona tropical, seus vestĂgios estariam concentrados na AntĂĄrtida.
AlĂ©m disso, os pesquisadores usaram a geoquĂmica, a modelagem computacional e a datação radioativa para mapear o trajeto que as partĂculas realizaram com a explosĂŁo.
O match perfeito veio com a comparação quĂmica dos fragmentos de cinzas com amostras da caldeira Zavaritskii. âO momento no laboratĂłrio em que analisamos as duas cinzas juntas, uma do vulcĂŁo e outra do nĂșcleo de gelo, foi um verdadeiro momento eureka. NĂŁo pude acreditar que os nĂșmeros eram idĂȘnticosâ, disse William Hutchison, autor principal da Escola de CiĂȘncias da Terra e Ambientais da Universidade de St. Andrews, no Reino Unido.
âEncontrar a correspondĂȘncia demorou muito e exigiu uma extensa colaboração com colegas do JapĂŁo e da RĂșssia, que nos enviaram amostras recolhidas destes vulcĂ”es remotos hĂĄ dĂ©cadasâ, completa.
A dificuldade existe pois, de acordo com o autor, muitos vulcĂ”es terrestres (especialmente os localizados em locais remotos) sofrem com lacunas de informação sobre sua histĂłria evolutiva. Zavaritskii, por exemplo, teria entrado em erupção pela Ășltima vez em 800 a.C., atĂ© onde cientistas sabiam.
Para a CNN, Hutchison comenta que ainda estĂĄ surpreso por essa explosĂŁo ter se mantido um mistĂ©rio por tanto tempo. Para o futuro da pesquisa, ele diz que a base Ă© muita leitura: âtalvez existam relatos de queda de cinzas ou fenĂŽmenos atmosfĂ©ricos ocorridos em 1831 que residam em um canto empoeirado de uma biblioteca na RĂșssia ou no JapĂŁo. O trabalho de seguimento para mergulhar nesses registros realmente me empolga.â
Mesmo com tantos avanços tecnolĂłgicos e cientĂficos, ainda existem muitos vulcĂ”es ao redor do globo pouco monitorados. O autor alerta sobre a necessidade da criação de uma comunidade internacional âcoordenada para entrar em ação quando a prĂłxima grande erupção acontecerâ. Ele conclui dizendo que âisso Ă© algo que precisamos pensar tanto como cientistas quanto como sociedade.â
Fonte: abril