Há duas cenas, logo no início de (Say Nothing), que são bastante reveladoras mesmo sem saber totalmente do que se trata a minissérie do Disney+ (e FX). Na primeira, uma mãe de dez filhos (Judith Roddy) é sequestrada na frente de sua família; na segunda, uma mulher ruiva () se posiciona diante de um microfone como a anônima “participante H” para contar sua vida e atos. O silêncio reina.
Embora a identidade da sequestrada não seja revelada neste início, a da confidente é revelada como Dolours Price, que foi durante anos membro do IRA Provisório junto com sua irmã Marian e que decide contar a verdade sobre o envolvimento de ambas… e de outros, nos atos da organização paramilitar irlandesa.
Dessa forma, e dão vida a essas duas irmãs, nascidas e criadas no seio de uma família republicana membro do IRA. Embora no início, como relata a série, se mostrem como pacifistas, logo começam a se envolver… e se tornar membros plenos da organização terrorista durante o período que durou The Troubles, o conflito norte-irlandês que abrangeu três décadas no final do século XX.
Procurando problemas
Baseada no livro de Patrick Radden Keefe, a minissérie coloca no centro essas duas irmãs, que seguimos ao longo dos anos enquanto fazem contrabando de armas, fazem desaparecer supostos traidores (alguns simplesmente por falar demais), planejam e executam o atentado de Old Bailey em 1973, a refundação do Sinn Féin e, também, o envolvimento de Dolours no Projeto Belfast. É esta participação que estrutura a narrativa.
Uma narrativa, além disso, que resulta muito interessante na evolução emocional de suas protagonistas. Do entusiasmo por se entregar à causa pela qual tantos bravos guerreiros se sacrificaram, aos momentos de fé cega no “código” da organização até certo momento de desilusão, de ver como aqueles em quem você deposita sua fé seguem por outros caminhos.
Embora se concentrem nessas garotas, Não Diga Nada não ignora a complexidade da realidade de Belfast nesses anos. Evidentemente, ao dramatizá-lo, o criador tem que simplificar um pouco para a fluidez, mas é capaz, com poucas palavras, de expor a situação em que viviam lealistas e republicanos, e como ia além de rivalidades entre protestantes e católicos. Tensões que, embora já não sejam “de guerra”, duram ainda até os dias de hoje.
Não é, nem pretende ser, uma lição de história. Na verdade, o estilo da ficção vai mudando conforme a narrativa evolui: de uma série criminal quase de policiais e ladrões (esses assaltos, perseguições, interrogatórios) para um suspense político de intensidade moderada; de segredos abertos, mas de olhar duas vezes antes de sequer soltar uma palavra.
Dessa forma, Não Diga Nada se move com figuras reais proeminentes como o membro do IRA Brendan “Moreno” Hughes (/) e Gerry Adams (/), que protagoniza o aviso legal no final de cada episódio, garantindo que o líder político sempre negou pertencer à organização. E também o desaparecimento de Jean McConville (Roddy), outro dos eixos centrais da minissérie.
Tudo isso é tão abrangente que, às vezes, é obrigado a fazer alguns saltos na trama que deixam com um pouco de vontade de mais. Pessoalmente, eu gostaria de ter passado mais tempo com a trama de Frank Kitson () como o flagelo britânico, aprofundar mais na relação de Dolours com Stephen Rea ()… ou conhecer um pouco mais as crianças McConville e sua agonia ao longo dos anos, por exemplo.
Em resumo, embora esteja longe de ser perfeita, Não Diga Nada resulta em um apaixonante thriller criminal. Um olhar atento e emocional ao conflito norte-irlandês exposto com bastante bom senso, consolidando-se como uma das minisséries imperdíveis deste 2024.
*Conteúdo Global do AdoroCinema
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Fonte: adorocinema