📝RESUMO DA MATÉRIA

  • As práticas agrícolas modernas e a hibridação de sementes reduziram de forma significativa o conteúdo nutricional de frutas e verduras nos últimos 60 anos, com quedas médias de 16% para o cálcio, 27% para a vitamina C e 50% para o ferro.
  • O foco em maiores rendimentos, maior vida útil e apelo visual no desenvolvimento de culturas levou a uma compensação na densidade de nutrientes. Em particular, evidente em tomates híbridos em comparação com as variedades tradicionais.
  • Quatro empresas multinacionais controlam dois terços do mercado global de sementes, levando à perda de biodiversidade, à dependência dos agricultores em relação às sementes híbridas e a práticas laborais exploratórias na produção de sementes.
  • O declínio de nutrientes nos produtos contribui para o aumento do risco de deficiências, redução da ingestão de antioxidantes e aumento de doenças crônicas, levando a uma maior dependência de suplementos alimentares.
  • As soluções incluem apoiar bancos de sementes, praticar agricultura regenerativa, aumentar a conscientização do consumidor e implementar políticas que priorizem a saúde do solo, protejam os direitos dos agricultores e imponham práticas trabalhistas justas na produção de sementes.

🩺Por Dr. Mercola

O documentário “Industry Scandal: The Loss of Nutrients” expõe como as práticas agrícolas modernas e a hibridização de sementes reduziram de forma drástica o conteúdo nutricional de nossas frutas e verduras nos últimos 60 anos.

A evidência é clara: a comida em nossos pratos hoje é uma sombra do que nossos avós comiam. Não só o sabor foi sacrificado em prol da produtividade e da vida útil, mas a quantidade de vitaminas e minerais essenciais também despencaram. Esse colapso de nutrientes tem implicações profundas para a saúde pública que estamos apenas começando a entender.

O fantasma dos vegetais do passado

Os documentaristas começam sua investigação em um local improvável: a Academia Francesa de Agricultura. Escondida nesta venerável instituição, eles descobrem uma tabela de composição de alimentos de 60 anos atrás detalhando o conteúdo exato de nutrientes de frutas e verduras naquela época. Munidos desses dados históricos, eles decidiram compará-los aos níveis atuais de nutrientes. Os resultados são impressionantes:

“Descobrimos um fato pouco conhecido: frutas e verduras perderam parte de suas vitaminas e minerais. Tomemos como exemplo a vagem: em 1960, ela continha 65 milligramas (mg) de cálcio para cada 100 gramas. Em 2017, ela não continha mais do que 48,5 mg. Isso é um quarto a menos de cálcio. O mesmo ocorreu com a vitamina C, de 19 mg na época para 13,6 mg”.

Este não foi um caso isolado. A análise de dados das 70 frutas e verduras mais consumidas revelou uma tendência alarmante. De acordo com o filme, também conhecido como “Seeds of Profit”:

“Os resultados mostram uma deterioração dramática ao longo de 60 anos. Todas as 70 frutas e verduras perderam em média 16% do cálcio, 27% da vitamina C e quase metade dos níveis de ferro”.

Estas descobertas estão alinhadas com pesquisas conduzidas nos EUA e no Reino Unido. O bioquímico americano Donald Davis analisou as mudanças nutricionais em 43 vegetais entre 1950 e 1999, chegando a conclusões semelhantes. O estudo de Davis encontrou declínios com estatísticas significativas em 6 nutrientes: proteína, cálcio, fósforo, ferro, riboflavina e vitamina C.

Os declínios médios variaram de 6% para proteínas a 38% para riboflavina (vitamina B2). Os pesquisadores sugerem que esses declínios são provavelmente explicados por mudanças nas variedades cultivadas entre 1950 e 1999. Em específico, eles afirmaram que pode haver “compensações entre o rendimento da colheita e o conteúdo de nutrientes” nas variedades mais recentes.

A culpa é do “progresso” agrícola

O que está por trás desse colapso de nutrientes? O documentário aponta vários fatores, todos decorrentes da industrialização da agricultura:

• Hibridização para maiores rendimentos: Nos últimos 50 anos, as empresas de sementes se concentraram no desenvolvimento de variedades híbridas que maximizam o rendimento e o apelo visual. Como Davis explica: “Acredito que a maioria desses declínios seja causada por aumentos no rendimento. Quando o rendimento aumenta, há menos nutrientes por peso do alimento. Muitos cientistas agrícolas podem não saber o quão grandes são esses efeitos. Isso é meio embaraçoso. Eles estão sempre querendo aumentar o rendimento”.

Esse foco na quantidade em detrimento da qualidade tem um alto custo nutricional. O tomate, por exemplo, sofreu uma das maiores perdas nutricionais, perdendo um quarto do cálcio e mais da metade das vitaminas.

• A busca pela vida útil eterna: Talvez o exemplo mais absurdo de sacrifício nutricional em prol de ganhos comerciais seja o desenvolvimento do tomate de “longa vida útil”. Nas décadas de 1970 e 1980, pesquisadores israelenses criaram um tomate híbrido que se decompõe muito mais devagar após ser colhido.

Embora essa inovação tenha reduzido o desperdício e revolucionado o mercado global de tomate, ela teve sérias desvantagens. Como admite Haim Rabinowitch, professor emérito da Universidade Hebraica de Jerusalém, um dos desenvolvedores:

“Os genes para inibição do amadurecimento carregam consigo algumas características negativas. Por exemplo, o sabor se deteriora e [temos] menos nutrientes. Mas eu não sabia porque nunca medimos isso. Somente no final dos anos 90 e no início dos anos 2000 é que começamos a analisar as características de qualidade. Eu propus um projeto como esse para muitas empresas de sementes. Até lhe dei um nome. Eu o chamei de tomate ‘ACE’.

Por que ACE? Por causa das vitaminas A, C e E, e eu disse que o tomate seria muito mais saudável. Não temos essa variedade em supermercados. Mas as indústrias não se importam”.

A lacuna nutricional: variedades tradicionais vs híbridas

Em um experimento revelador, os documentaristas compararam um tomate híbrido moderno a uma variedade tradicional. Os resultados foram surpreendentes:

  • Depois de uma semana, o tomate tradicional apresentou sinais de deterioração e não estava mais adequado para venda. O híbrido parecia inalterado.
  • Depois de duas semanas, o tomate da variedade tradicional estava mofado. O híbrido ainda parecia fresco.
  • Foram necessários 25 dias para que o híbrido se tornasse impróprio para venda, aumentando sua vida útil de 3 dias para mais de 3 semanas.

Mas essa longevidade tem um preço alto. Quando provado, o híbrido foi descrito como “sem gosto” em comparação com a saborosa versão tradicional. Para quantificar as diferenças nutricionais, a equipe do documentário analisou os dois tomates em um laboratório credenciado. Os resultados foram reveladores:

“O tomate híbrido contém um nível bem menor dos cinco nutrientes analisados. Ele contém 63% menos cálcio, 29% menos magnésio e 72% menos vitamina C. Os níveis de licopeno e polifenóis, dois antioxidantes que ajudam a combater doenças cardiovasculares, são duas vezes menores no tomate híbrido do que na variedade agrícola”.

Esses dados fornecem evidências claras de que a busca por uma vida útil mais longa e maiores rendimentos reduziu de forma drástica o valor nutricional dos nossos alimentos.

O oligopólio global de sementes

Como o documentário revela, a busca por sementes híbridas está sendo impulsionada por um punhado de corporações multinacionais que dominam o mercado global de sementes. Apenas quatro empresas — Bayer (antiga Monsanto), Corteva (antiga DuPont), Syngenta e Limagrain — controlam dois terços de todas as sementes vendidas no mundo. Esta concentração de poder tem sérias implicações:

1. Perda de biodiversidade: À medida que variedades híbridas uniformes substituem sementes tradicionais, estamos perdendo diversidade genética a um ritmo alarmante. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) relata que 75% da agrobiodiversidade global foi perdida devido à adoção de variedades “melhoradas”.

2. Dependência do agricultor: As sementes híbridas não se reproduzem fielmente à variedade original, forçando os agricultores a comprar novas sementes a cada ano. Isso cria um ciclo de dependência das empresas de sementes.

3. Preços exorbitantes de sementes: O documentário revela que algumas variedades de sementes de tomate agora são vendidas por até US$ 450.000 o quilo, mais que o dobro do preço do ouro.

4. Práticas laborais exploratórias: Para manter os custos baixos, a produção de sementes é terceirizada com frequência para países em desenvolvimento, onde o trabalho infantil e os salários abaixo do mínimo são comuns.

O lado sombrio da produção de sementes

O uso generalizado de trabalho infantil na produção de sementes híbridas é destaque no documentário. No estado de Karnataka, na Índia, um importante centro de produção de sementes de vegetais, pesquisadores descobriram que 10% dos trabalhadores nos campos de sementes são crianças menores de 14 anos, apesar das leis que proíbem o trabalho infantil. Por que as crianças são empregadas? Como explica Davuluri Venkateswarlu, autor de “Soiled Seeds”, um relatório sobre o tema:

“A atividade de hibridização é muito, muito delicada. Requer muitas habilidades. As crianças são preferidas porque conseguem fazer essas atividades repetitivas muito mais rápido do que os adultos e também são mais obedientes. Duas crianças podem fazer o trabalho de três adultos. Esse é o tipo de cálculo que os agricultores fazem”.

Até mesmo trabalhadores adultos enfrentam exploração. As mulheres que trabalham em campos de sementes de tomate ganham apenas US$ 2,80 por dia. 40% abaixo do salário mínimo legal da Índia. No entanto, essas sementes serão vendidas por dezenas de milhares de dólares o quilo na Europa e na América do Norte.

Essa exploração persiste porque as empresas multinacionais de sementes ignoram as práticas de seus subcontratados locais. Quando confrontados, eles se escondem atrás de declarações vagas sobre “promover condições de trabalho decentes”, sem tomar medidas concretas.

As implicações para a saúde

As implicações para a saúde desse colapso nutricional em nosso suprimento alimentar são imensas. Embora o impacto total ainda esteja sendo estudado, podemos tirar algumas conclusões alarmantes:

1. Aumento do risco de deficiências nutricionais: Como frutas e verduras contêm menos vitaminas e minerais, fica mais difícil atender às suas necessidades nutricionais apenas por meio da alimentação. Isso pode contribuir para o aumento das deficiências que estamos observando, em particular em minerais como magnésio e oligoelementos.

2. Redução da ingestão de antioxidantes: A queda drástica nos níveis de vitamina C, licopeno e polifenóis significa que estamos obtendo muito menos antioxidantes protetores de nossos alimentos. Isso pode aumentar a vulnerabilidade ao estresse oxidativo e a doenças crônicas relacionadas.

3. Ligação com o aumento de doenças crônicas: Embora muitos fatores contribuam para o aumento de doenças crônicas, como doenças cardíacas e diabetes, a escassez de nutrientes protetores em nosso suprimento alimentar desempenha um papel.

4. Fome oculta: Mesmo pessoas que têm uma dieta que parece ser saudável, rica em frutas e verduras, estão consumindo muito menos nutrientes do que imaginam. Essa “fome oculta” tem efeitos abrangentes na saúde.

5. Maior dependência de suplementos: À medida que os alimentos se tornam menos nutritivos, mais pessoas recorrerão a suplementos alimentares para atender às suas necessidades nutricionais. Embora os suplementos tenham seu lugar, eles não são um substituto perfeito para os nutrientes obtidos de alimentos integrais.

O caminho adiante: recuperando nosso alimento

A situação parece sombria, mas há raios de esperança. Em todo o mundo, agricultores, pesquisadores e cidadãos estão trabalhando para preservar a biodiversidade agrícola e promover uma produção de alimentos mais nutritivos. Aqui estão algumas iniciativas importantes:

• Bancos de sementes e trocas — Organizações como a Kokopelli, na França, estão trabalhando para preservar variedades de sementes tradicionais. O programa “Seeds Without Borders” distribui essas sementes para agricultores e jardineiros no mundo todo, ajudando a manter a diversidade genética.

Conforme observado no documentário: “Ao conservar essas sementes ameaçadas, estamos retomando a escolha de plantar ou comer frutas e verduras não padronizadas, que são os melhores produtos para o nosso planeta e para a nossa saúde”. Apoiar esses esforços de preservação de sementes é crucial para manter a biodiversidade e dar aos agricultores alternativas às sementes híbridas.

Agricultura regenerativa Práticas agrícolas que se concentram na construção de solos saudáveis aumentam o conteúdo de nutrientes das culturas. Ao abandonar métodos com uso intensivo de produtos químicos e adotar técnicas como cultivo de cobertura, compostagem e rotações diversificadas de culturas, podemos produzir alimentos mais nutritivos e, ao mesmo tempo, melhorar a saúde ambiental.

• Conscientização e demanda do consumidor — À medida que os consumidores se tornam mais conscientes do problema dos nutrientes, eles podem promover mudanças por meio de suas decisões de compra. Escolher variedades tradicionais, apoiar agricultores locais que usam estoques de sementes diversificados e exigir uma rotulagem mais transparente fazem toda a diferença.

• Mudanças de política — Em um nível mais amplo, precisamos de políticas que incentivem práticas agrícolas que melhorem a saúde do solo e a absorção de nutrientes, protejam os direitos dos agricultores de guardar e trocar sementes, e imponham práticas trabalhistas justas na produção de sementes em todo o mundo.

Como proteger sua ingestão de nutrientes e apoiar um sistema alimentar mais nutritivo

A perda de nutrientes em nosso suprimento alimentar é uma crise silenciosa que exige atenção urgente. Ao compreender o problema e agir, tanto em nossas escolhas pessoais quanto defendendo mudanças sistêmicas, podemos trabalhar em direção a um futuro em que nossa comida nos nutra como a natureza pretende.

O caminho para uma alimentação saudável não passa pela industrialização ou modificação genética. Em vez disso, devemos recorrer à sabedoria dos métodos agrícolas tradicionais, abraçar a biodiversidade e priorizar a densidade nutricional. Nossa saúde e a saúde das gerações futuras dependem disso. Para proteger sua saúde e apoiar um sistema alimentar mais nutritivo, considere:

Escolher variedades tradicionais e de polinização aberta sempre que possível: Elas costumam ter níveis mais altos de nutrientes e melhor sabor do que as variedades híbridas.

Apoiar agricultores locais e mercados de agricultores: Pequenos produtores têm mais probabilidade de cultivar safras diversificadas e ricas em nutrientes.

Cultive você mesmo: Até mesmo um pequeno jardim ou alguns vasos fornecem produtos incrivelmente nutritivos.

Opte por orgânicos: Embora não seja garantia de mais nutrientes, os produtos orgânicos têm menos probabilidade de conter resíduos de pesticidas nocivos.

Tenha uma alimentação diversificada: Não dependa apenas de algumas frutas e verduras, mas incorpore uma grande variedade para garantir que você esteja obtendo um amplo espectro de nutrientes.

Considere a suplementação direcionada — Embora os alimentos integrais devam ser a base da sua dieta, suplementos de alta qualidade podem ajudar a preencher lacunas de nutrientes.

Apoie organizações que trabalham para preservar a diversidade de sementes e promover a agricultura sustentável.

Mantenha-se informado e espalhe a conscientização: Compartilhe essas informações com amigos e familiares para ajudar a promover mudanças.