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Protocolo contra o racismo exige que juízes questionem versões de policiais em casos de morte

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Via @folhadespaulo | Em meio à onda de violência policial em São Paulo, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) aprovou um protocolo que, entre outras orientações, cobra que juízes de todo o país levem em consideração o racismo em casos de pessoas mortas por policiais durante ocorrências.

O Protocolo para Julgamento com Perspectiva Racial, aprovado em 19 de novembro, ressalta que “a violência policial representa um grave problema de direitos humanos no Brasil”. Uma das cobranças do documento, que deve ser obrigatoriamente adotado por todo o Poder Judiciário, é que não sejam permitidos registros de ocorrência como “resistência seguida de morte”, ou “auto de resistência”.

Segundo o relatório, esse tipo de registro não possui fundamento legal e pode encobrir execuções. “O juiz vai precisar ficar muito atento à perícia, assegurar que as armas dos policiais sejam apreendidas, ficar atento à perícia nas mãos da pessoa que foi morta para verificar se há pólvora, por exemplo [o que indicaria um confronto]”, explica ao UOL o professor Hédio Silva Jr, fundador do JusRacial, plataforma que discute o acesso democrático à Justiça.

A Polícia Militar, dedicada à atividade ostensiva nas ruas, está à frente da Civil no número de mortos em ocorrências. São 2.686 mortos por policiais militares em 2023, enquanto 165 foram vítimas de policiais civis, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em julho. Os estados da Bahia, líder em número total de mortos pelas polícias, Sergipe, Acre, Goiás, Rio de Janeiro, Rondônia e Roraima não enviaram dados detalhados sobre cada corporação.

O CNJ, presidido pelo ministro Luís Roberto Barroso, também presidente do STF, orienta os juízes a fiscalizarem a independência da Polícia Civil. “Um elemento a ser considerado, por exemplo, é se a autoridade policial designada para conduzir as investigações pertence à mesma equipe do agente alvo da investigação”, diz um trecho do documento.

“O protocolo pauta o problema da seletividade penal no Brasil”, ressalta Hédio, também fundador do Idafro (Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-Brasileiras). “Há uma tendência frequente de associar o negro à criminalidade. Principalmente quando o juiz não dispuser de imagem, ele terá que confrontar a versão dos policiais com tudo o que puder”, acrescenta.

O Protocolo para Julgamento com Perspectiva Racial também cobra que o magistrado leve em consideração o perfil da pessoa envolvida no julgamento. Em relação às mulheres negras, por exemplo, o CNJ diz que é crucial reconhecer as camadas de desigualdade que ela pode enfrentar.

Um dos questionamentos citados pelo órgão é sobre o possível histórico de violência sofrido por ela. “Existe um histórico de violência ou discriminação interseccional que possa ter moldado suas experiências e que deve ser levado em consideração no julgamento?”, indaga o protocolo.

Para o historiador Dudu Ribeiro, co-fundador da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, o protocolo é uma sinalização importante de um Judiciário tradicionalmente racista. “A Justiça é um espaço de casta branca que define parte significativa do destino do país. […] É necessário transformar o sistema Judiciário em um sistema de Justiça, porque só é possível promover Justiça quando ela está orientada a partir da demanda da sociedade brasileira como um todo, não só de uma elite branca e restrita”, avalia.

Aplicação do protocolo

O CNJ elenca uma série de medidas para implantação do protocolo no Judiciário. Um deles é a realização de treinamentos obrigatórios para todos os funcionários da Justiça, inclusive nas cortes superiores.

Segundo o documento, os órgãos correcionais, como as corregedorias regionais e nacional, devem fiscalizar os juízes para evitar a reprodução do racismo. O CNJ também se compromete a fortalecer o Fonaer (Fórum Nacional do Poder Judiciário para a Equidade Racial), instalado em 2023 com o objetivo de elaborar estudos e propor medidas de aperfeiçoamento da Justiça em relação à pauta racial.

O professor Hédio Silva Jr explica que o protocolo pode ser apresentado por advogados, por exemplo, para garantir que o juiz leve o documento em consideração. “Em qualquer que seja a ação —civil, indenizatória, penal—, o advogado pode pedir, entre outros recursos, a aplicação do protocolo”, afirma.

Dudu Ribeiro ressalta que é necessário que haja fiscalização do cumprimento do protocolo. “Além da avaliação e aprimoramento desses mecanismos, visando um sistema de Justiça cada vez menos desigual”, diz.

Letalidade policial

O Brasil registrou 6.393 mortes decorrentes de intervenções policiais em 2023, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Em números absolutos, o estado que registrou o maior número de vítimas foi a Bahia, com 1.699 mortos. Na segunda posição aparece o Rio, com 871 vítimas, seguido pelo Pará, com 525 mortes.

Em relação à taxa de mortalidade, que leva em consideração a população de cada estado, o Amapá lidera a lista com 23,6 mortos por 100 mil habitantes. Isso representa uma taxa a 661% superior à média nacional, que foi de 3,1 mortes por 100 mil.

Desde o mês passado, a Polícia Militar de São Paulo ocupou o noticiário por uma série de episódios de violência policial. O caso mais recente a ganhar repercussão nacional ocorreu em São Vicente, no litoral de São Paulo, no domingo (8).

Vinícius Fidelis Santos de Brito, 24, foi morto a tiros em uma casa de uma comunidade. Vídeo gravado por moradores e divulgado nas redes sociais mostra a mãe do jovem, Rosemeire Aparecida Fidelis dos Santos, do lado de fora da residência pedindo para que os agentes a deixem entrar.

Imagens mostram quando um PM sai da casa armado com um fuzil. O militar faz gesto para que Rosemeire entre na casa de um vizinho e, instantes depois, tiros são disparados.

A Secretaria de Segurança Pública de SP disse que o caso é investigado. Segundo a pasta, o jovem teria morrido durante “um patrulhamento seguido de troca de tiros com homens que abandonaram uma sacola com drogas durante a perseguição”. A mãe de Vinícius contesta a versão policial.

Por Pedro Vilas Boas
Fonte: @folhadespaulo

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