Via @consultor_juridico | O uso de câmeras corporais pela polícia contribuiu para efetivar o Estado democrático de Direito, proteger os direitos fundamentais e cumprir o dever estatal de garantir a segurança pública, beneficiando cidadãos e policiais.
O entendimento é do ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal, que determinou nesta segunda-feira (9/12) o uso obrigatório de câmeras corporais por policiais militares em São Paulo, com gravação ininterrupta.
Na decisão, Barroso afirma que, em 2020, com o programa Olho Vivo, que implantou o uso de câmeras, houve redução de 76% na letalidade dos batalhões equipados com o dispositivo.
Por outro lado, em 2023, com a substituição pelo programa Muralha Paulista, que dá à PM o poder de acionar ou desligar a câmera, houve um aumento de 46% na letalidade policial; ausência de dados sobre a nova política; e limitações técnicas das novas câmeras.
Além de determinar o uso de câmeras, Barroso ordenou o envio de informações a respeito de processos disciplinares abertos em São Paulo por descumprimento de uso de câmeras e a apresentação mensal de relatórios sobre o andamento das medidas.
Não cumprimento
A decisão do presidente do STF foi tomada na Suspensão de Liminar 1.696, em que o governo paulista firmou com a corte o compromisso de implementar o uso de câmeras durante operações. Barroso atendeu a um pedido da Defensoria Pública de São Paulo para retomar o modelo de gravação ininterrupta.
Para o ministro, os novos dados envolvendo letalidade e a falta de informações apontam para o não cumprimento satisfatório dos compromissos assumidos pelo estado de São Paulo quanto à efetivação da política pública de uso de câmeras corporais pelas polícias.
“O Estado firmou compromisso de que todos os policiais e unidades que dispunham de câmeras continuariam a usá-las e de que as novas seriam distribuídas conforme critério da quantidade de ocorrências, com prioridade para grandes operações. Porém, verifica-se o não uso das câmeras em casos obrigatórios previstos pela Portaria Estadual nº PM1-04/02/24 e pela Portaria nº 648/2024 do MJSP, que traça diretrizes nacionais”, disse.
Segundo o ministro, também houve o descumprimento de deveres de transparência relacionados à quantidade de batalhões que têm câmeras, além da diminuição do número total de câmeras contratadas.
São Paulo se comprometeu, entre outras coisas, a usar em operações câmeras com sistema de acionamento automático, que iniciam a gravação ao detectar som de tiros ou movimentos bruscos ou durante o andamento de ocorrências.
No entanto, pontuou Barroso, os testes dos dispositivos sem gravação ininterrupta não apontaram o funcionamento adequado das câmeras. Com isso, disse, é preciso voltar ao sistema anterior, até que São Paulo comprove a viabilidade das câmeras de acionamento automático.
“Não há, até o momento, comprovação de que as câmeras atendem aos requisitos definidos pelo Estado. Diante da ausência de demonstração da viabilidade técnica e operacional dos novos dispositivos e do significativo aumento da letalidade policial em 2024, é indispensável manter o modelo atual de gravação ininterrupta, sob pena de violação à vedação constitucional ao retrocesso e o descumprimento do dever estatal de proteção de direitos fundamentais, em especial o direito à vida.”
Violência policial
O uso de câmeras corporais voltou ao noticiário nas últimas semanas após casos de violência policial protagonizados pela PM de São Paulo. Em um deles, um policial foi filmado jogando um homem de uma ponte durante uma abordagem — as imagens foram captadas por um terceiro.
O caso se somou a uma escalada de violência protagonizada pela Polícia Militar paulista. Na quarta-feira passada (4/12), uma mulher de 63 anos e familiares dela foram agredidos por policiais na garagem da própria casa, em Barueri, também na Grande São Paulo. Na última segunda, um homem de 26 anos foi morto com oito tiros nas costas pelo policial militar Vinícius de Lima Britto, que estava fora de serviço, após tentar furtar produtos de limpeza de um minimercado.
No início de novembro, o menino Ryan da Silva Andrade Santos, de apenas quatro anos, foi morto pela PM com um tiro de espingarda em uma operação em Santos (SP). No enterro da criança, policiais da Força Tática chegaram a protagonizar um bate-boca com o ouvidor da Polícia Militar ao fazerem uma abordagem em frente ao cemitério.
Gestão Derrite e Tarcísio
Desde o ano passado, a PM-SP responde aos comandos do secretário Guilherme Derrite, capitão reformado da corporação. Ele chegou a atuar na Rota, grupo de elite da Polícia Militar paulista, mas foi retirado do grupo, segundo ele próprio, por ter incomodado superiores. “Matei muito ladrão”, disse em entrevista a um podcast em 2021. Um levantamento da revista piauí mostrou que ele foi investigado por 16 homicídios.
Derrite foi reeleito deputado federal pelo PP de São Paulo em 2022, mas, logo após a posse, licenciou-se do cargo para assumir a Secretaria de Segurança Pública na gestão de Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Ao longo de 2024, a PM-SP matou 713 pessoas, segundo identificou o Ministério Público estadual, responsável por exercer o controle externo da atividade policial. Em comparação com 2022, que teve 396 mortes, o número de vítimas subiu 80%. No primeiro ano da gestão de Tarcísio, já havia subido 16%, para 460 homicídios.
Voltou atrás
Apenas no início deste ano, ao longo da “operação verão”, na Baixada Santista, a Polícia Militar paulista matou 56 pessoas. Em março, o portal G1 revelou que a PM levava pessoas já mortas para atendimento hospitalar, como se estivessem ainda vivas, com a intenção de prejudicar o trabalho de perícia.
À época, o governador Tarcísio ironizou manifestações de repúdio de organizações de defesa dos direitos humanos. “Sinceramente, nós temos muita tranquilidade com o que está sendo feito. E aí o pessoal pode ir na ONU, pode ir na Liga da Justiça, no raio que o parta, que eu não tô nem aí”, disse o político bolsonarista na ocasião.
Já Derrite, também à época, defendeu a atuação policial frente ao saldo de mortes da ação no litoral. “Olha, eu nem sabia que eram 56, eu não faço essa conta. Infelizmente, são 56. Para mim, o ideal é que não fosse nenhuma, mas no mundo real em que a gente vive, a negligência do combate ao crime organizado no Brasil e no estado de São Paulo chegou a um ponto que qualquer viatura policial vai sofrer disparo de arma de fogo.”
Agora, em reação ao caso do homem jogado da ponte, Tarcísio afirmou que a conduta policial foi inaceitável. Ele ainda passou a apoiar o uso de câmeras corporais pela PM. Em ocasiões anteriores, havia dito que o equipamento não tem efetividade alguma, embora especialistas entendam que ajuda a prevenir e coibir violações praticadas por policiais, além de reduzir a letalidade dos agentes.
“Eu admito, estava errado. Eu me enganei, e não tem nenhum problema eu chegar aqui e dizer para vocês que eu me enganei, que eu estava errado, que tinha uma visão equivocada sobre a importância das câmeras. Eu era uma pessoa que estava completamente errada nessa questão. Eu tinha uma visão equivocada”, disse ele, na semana passada.
Derrite, por sua vez, reprimiu a conduta do policial que arremessou o homem da ponte. “Não vamos tolerar nenhum tipo de desvio de conduta de nenhum policial no estado de São Paulo”, afirmou o secretário, em vídeo divulgado na terça (3/12).
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- SL 1.696
Tiago Angelo
Fonte: @consultor_juridico