Via @portalmigalhas | No plenário virtual, a maioria dos ministros do STF votou, em três ações, para validar a figura do contrato intermitente de trabalho, modalidade introduzida ao ordenamento jurídico pela reforma trabalhista (lei 13.467/17).
Nesse tipo de contrato, o trabalho não é contínuo, com períodos alternados de prestação de serviços e de inatividade. Ou seja, o trabalhador é chamado quando houver demanda por parte do empregador.
O julgamento foi iniciado em 2020, quando o relator, ministro Edson Fachin, votou contra o trabalho intermitente. S. Exa. foi acompanhada pela ministra Rosa Weber (atualmente aposentada).
Ministro Nunes Marques inaugurou divergência, entendendo pela validade do contrato. S. Exa. foi acompanhada, até o momento, pelos ministros Alexandre de Moraes, André Mendonça, Cristiano Zanin, Luiz Fux e Gilmar Mendes.
Os ministros poderão alterar os votos, pedir destaque ou vista até a próxima sexta-feira, 13, quando, então, o julgamento deve ser encerrado.
Veja o placar:
Trabalho intermitente
Segundo o § 3º do art. 443 da CLT, considera-se intermitente o contrato de trabalho em que a prestação de serviços não é contínua. Ela pode ocorrer com alternância de períodos (horas, dias ou meses) de prestação de serviços e de inatividade, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador.
O art. 452-A, do mesmo diploma, determina que o contrato intermitente deve ser celebrado por escrito e conter especificamente o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor horário do salário mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função.
Casos
Três ADIns questionam dispositivos da reforma trabalhista que introduziram o contrato de trabalho intermitente, apontando precarização das relações de emprego e violação de princípios constitucionais.
Na ADIn 5.826, a Fenepospetro – Federação Nacional dos Empregados em Postos de Serviços de Combustíveis e Derivados de Petróleo argumenta que o contrato intermitente foi inserido sob o pretexto de ampliar contratações durante a crise, mas, na prática, precariza o vínculo empregatício.
Já a ADIn 5.829, a Fenattel – Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Telecomunicações e Operadores de Mesas Telefônicas critica o modelo por permitir salários abaixo do mínimo constitucional e ausência de renda previsível, afirmando que a lei 13.467/17, embora apresentada como solução econômica, resultou em condições degradantes para os trabalhadores.
Por sua vez, a ADIn 6.154, proposta pela CNTI – Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria, afirma que o contrato viola os princípios da dignidade humana e valorização do trabalho, ao gerar remuneração instável e longos períodos de inatividade, contribuindo para a vulnerabilidade social e descumprindo o direito ao salário mínimo.
Modelo inválido
O relator das ações, ministro Edson Fachin manifestou-se pela parcial procedência dos casos, declarando a invalidade da norma que institui o contrato de trabalho intermitente. Para o ministro, esse modelo impede que o trabalhador planeje sua vida financeira, mantendo-o em um estado constante de precariedade e fragilidade social.
Fachin destacou que a flexibilização dos direitos trabalhistas essenciais promovida pelo contrato intermitente viola o princípio da dignidade da pessoa humana, criando um cenário de insegurança jurídica para os trabalhadores.
Em sua visão, essa modalidade de contrato transforma a força de trabalho em um instrumento, colocando os empregados em situação de extrema vulnerabilidade, sem assegurar direitos fundamentais previstos na CF como o salário mínimo e a limitação da jornada de trabalho.
O ministro enfatizou, ainda, que a regulamentação não protege adequadamente o trabalhador, especialmente no que tange à fixação de horas mínimas de trabalho e à previsibilidade de renda.
“A dignidade humana exige o respeito ao outro como sujeito de direitos”, apontou Fachin, entendendo que o contrato intermitente trata o trabalhador como um objeto à disposição do empregador.
O relator também alertou para a insegurança gerada pela indefinição quanto ao tempo de trabalho e à expectativa de remuneração, mencionando que o contrato intermitente do tipo “zero hora” pode levar a situações de remuneração nula.
“Isso impõe reflexões sobre as disparidades remuneratórias entre aqueles contratados pela modalidade padrão e aqueles contratados na modalidade intermitente, especialmente quando ambos executam as mesmas tarefas e funções laborais”, concluiu o ministro.
- Veja o voto do relator.
Transferência de riscos
Antes de se aposentar, ministra Rosa Weber proferiu voto no mesmo sentido do relator, destacando que o contrato intermitente transfere os riscos econômicos da empresa para o trabalhador, colocando-o em situação de vulnerabilidade.
Para a ministra, o contrato intermitente viola o princípio da dignidade humana ao instrumentalizar o trabalhador como mero recurso à disposição do empregador, sem qualquer segurança quanto à sua subsistência. “A ausência de jornada prefixada contraria o direito fundamental do trabalhador de garantir o mínimo para sua sobrevivência e de sua família”, afirmou.
- Veja o voto da ministra.
Modelo válido
Ao votar, ministro Nunes Marques abriu divergência. S. Exa. entendeu pela validade do modelo de contrato intermitente.
Para o ministro, esse tipo de contrato “assegura formalmente todos os direitos do art. 7º da Carta Magna, tais como férias proporcionais com acréscimo de um terço, décimo terceiro salário proporcional, repouso semanal remunerado e adicionais legais”.
Destacou que o modelo “promove jornadas mais flexíveis, reduz custos empresariais e contribui para a redução do desemprego”.
O ministro também rechaçou a tese de que o contrato precariza as relações de trabalho, observando que a modalidade oferece maior segurança jurídica para trabalhadores informais. “A regulamentação desse tipo de trabalho vem para estabelecer o mínimo de proteção para esse trabalhador”, frisou.
Para S. Exa., a iniciativa beneficia tanto empregadores quanto empregados ao criar oportunidades de formalização.
Concluiu que, embora haja espaço para aperfeiçoamentos na legislação, não há inconstitucionalidade nos dispositivos. “O trabalho intermitente se apresenta como um instrumento jurídico válido a fim de abrir novas possibilidades ao trabalhador e possui o escopo de proteção social a uma parcela de trabalhadores informais”, entendeu.
- Veja o voto divergente.
Novo cenário
Ministro André Mendonça, ao acompanhar a divergência, destacou o contexto pragmático e as consequências sociais do contrato intermitente.
Em seu voto, enfatizou que a modalidade é uma resposta às transformações contemporâneas do mercado de trabalho, marcado por alta informalidade.
Observou que a legislação busca atender a novas dinâmicas econômicas e sociais. “O contrato intermitente é um arranjo jurídico concebido para estender prestações sociais hoje já garantidas àqueles que possuem vínculos de emprego tradicionais a profissionais que, até então, exerciam suas atividades em condições precárias de informalidade”, afirmou.
Mendonça também reforçou a necessidade de considerar os benefícios desse modelo para a inclusão social, ao passo que minimizou os potenciais impactos negativos na proteção trabalhista tradicional.
Ainda, sublinhou que a flexibilidade da relação contratual atende tanto empregadores quanto trabalhadores, permitindo que os últimos conciliem diferentes fontes de renda.
- Veja o voto do ministro.
Prazo de um ano
Ao proferir voto-vista, ministro Cristiano Zanin divergiu parcialmente da corrente majoritária. Enquanto os outros ministros defenderam que a legislação vigente é suficiente para proteger os direitos dos trabalhadores, Zanin argumentou que ajustes são necessários para garantir a efetividade desses direitos.
O ministro propôs uma interpretação conforme à Constituição, determinando que o contrato intermitente seja automaticamente rescindido caso o trabalhador não seja convocado pelo empregador por um período superior a um ano.
Destacou que a ausência de convocações coloca o trabalhador em uma situação de incerteza e vulnerabilidade. “É necessário assegurar que os contratos não permaneçam indefinidamente abertos, sem dar ensejo ao pagamento de verbas rescisórias aos trabalhadores”, afirmou.
Zanin também enfatizou que o empregador tem a obrigação de informar ao empregado sobre as perspectivas de futuras convocações durante o período de inatividade, sob pena de responsabilização civil. Segundo o ministro, “a boa-fé e a confiança legítima do trabalhador devem ser protegidas, evitando-se situações em que a falta de convocação frustre as expectativas do empregado e comprometa sua subsistência”.
- Veja o voto-vista.
Falta de garantias
Já ministro Luiz Fux, apesar de acompanhar a divergência, criticou a falta de garantias essenciais para o trabalhador. Apontou que, como está, o modelo não assegura um número mínimo de horas trabalhadas, o que pode resultar em salários inferiores ao necessário para a subsistência e até mesmo à contribuição mínima exigida pelo INSS.
“A ausência de definição de jornada mínima e máxima inviabiliza a previsão de rendimentos mínimos e periódicos, além de comprometer a garantia de contribuição previdenciária adequada”, afirmou.
Além disso, o ministro questionou a ausência de um prazo máximo de inatividade que pudesse levar à rescisão automática do contrato. Para S. Exa., isso permite que empregadores mantenham contratos abertos sem convocar os trabalhadores, privando-os de direitos trabalhistas básicos, como férias e verbas rescisórias. Fux afirmou que “o regramento atual facilita ao empregador se furtar dos deveres inerentes a uma eventual rescisão contratual”.
Embora tenha mantido a constitucionalidade dos dispositivos principais, o voto de Fux introduziu uma nova interpretação, reconhecendo a omissão legislativa e estabelecendo que cabe ao Congresso Nacional criar mecanismos para garantir previsibilidade e segurança ao trabalhador.
Sugeriu, ainda, a fixação de parâmetros para limitar o uso do contrato intermitente a atividades de natureza sazonal ou descontínua, com uma regulamentação mais robusta para evitar precarizações.
Fux também destacou experiências internacionais, como os modelos de Portugal e França, que preveem compensação pelo tempo de inatividade e um mínimo de horas trabalhadas.
- Confira o voto.
TST
Em 2019, o TST proferiu decisão unânime validando contrato de trabalho intermitente, em um caso no qual um assistente da loja Magazine Luiza pedia reconhecimento do contrato por tempo indeterminado, com pagamento do salário integral correspondente a todo o período laborado em regime intermitente.
O TRT da 3ª região havia entendido que, após a reforma trabalhista, o regime intermitente seria lícito, mas em caráter excepcional, sob pena de precarização dos direitos do trabalhador.
No TST, o acórdão, de relatoria do ministro Ives Gandra Filho, reformou a decisão, considerando que os argumentos da Corte Regional contrariam a atual legislação. O ministro assinalou que, segundo os parâmetros da lei, o trabalho descontínuo pode ser firmado para qualquer atividade, exceto para aeronautas, desde que observado o valor do salário hora dos demais trabalhadores não intermitentes da empresa.
No seu entendimento, o TRT criou parâmetros e limitações não contidos na CLT. “Contrastando a decisão regional com os comandos legais supracitados, não poderia ser mais patente o desrespeito ao princípio da legalidade”, afirmou.
- Processos: ADIn 5.826, ADIn 5.829, ADIn 6.154