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Ciência & Saúde

A incrível dança da vida na Terra: conexão fascinante

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Este é o 34º texto do blog Deriva Continental, escrito por Fabrício Caxito, divulgador científico, coordenador do Projeto MOBILE, filósofo e professor de Geologia na UFMG.

Estamos acostumados a pensar no nosso planeta como uma bola de gude azul manchada por nuvens brancas flutuando no espaço, como nas imagens fantásticas dos primórdios da exploração espacial, em meados do século 20. Mas a Terra nem sempre teve esse aspecto que reconhecemos como tão amigável. Ao longo de seus 4,5 bilhões de anos de idade, nosso planeta já mudou de cara várias vezes.

Vale a pena colocarmos esse número em perspectiva. Uma das ferramentas visuais mais utilizadas neste sentido é o chamado calendário cósmico (Figura 1), popularizado pelo cientista nova-iorquino Carl Sagan, que comprime toda a história do Universo no espaço de um ano, com o Big Bang acontecendo à meia noite do dia 1º de janeiro.

Sabemos aproximadamente quando cada evento ocorreu no calendário cósmico através de modelos físicos e matemáticos e por meio do registro direto preservado nas rochas e fósseis na superfície da Terra, além da datação direta utilizando sistemas de decaimento radioativo, que medem a quantidade de elementos (como o urânio) que se transformaram em outros elementos (como o chumbo) com a passagem do tempo geológico. Neste calendário hipotético, a Terra, junto com o Sistema Solar, só surge no dia 09 de setembro.

O Calendário Cósmico.
Figura 1 – O Calendário Cósmico. (Wikimedia Commons (usuário: Efbrazil)/Fama Clamosa, Twilight Zone Expedition Team 2007, NOAA-O, Luca Galuzzi – https://www.galuzzi.it, Strebe; Didier Descouens; Verisimilus; NASA/Apollo 17 crew; quapan; Picturepest; Morosaurus millenii; H. Zell; Museu Nacional Tcheco (Cooksonia) e JPL/NASA Goddard Space Center/Francis Reddy/Divulgação)

Um extraterrestre que avistasse o planeta até meados de outubro no ano cósmico encontraria uma visão bem diferente do que estamos acostumados. Ele provavelmente veria um mundo coberto por nuvens alaranjadas de metano, um gás gerado pela atividade vulcânica intensa em um planeta muito mais quente (Figura 2), cobrindo oceanos esverdeados devido à grande concentração de ferro e outros metais dissolvidos. 

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Figura 2 – Uma provável imagem da Terra “bola de fogo” em seus primórdios: um mundo muito mais quente, dominado por vulcões e bombardeado por meteoritos. (im Bertelink/Wikimedia Commons/Divulgação)

Um dos melhores exemplos de interação entre a vida e o planeta foi o surgimento e a proliferação de um tipo específico de microrganismo, as cianobactérias (Figura 3), e, com  elas, o produto colateral de sua fotossíntese, o oxigênio. O  elemento limpou os oceanos ao reagir com os metais solúveis, resultando em compostos insolúveis que precipitaram no fundo do mar e formam os depósitos de ferro e manganês explorados atualmente, além de reagir com o metano e outros elementos – mudando assim para sempre a composição química e a cara da nossa atmosfera.

As cianobactérias são as grandes responsáveis por hoje vivermos em um mundo azul – mas a Terra ainda teria que passar por diversas mudanças até chegar a este estado. 

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Figura 3 – Cylindrospermum sp, uma espécie de cianobactéria capaz de realizar fotossíntese, vista ao microscópio. (Willem van Aken, CSIRO/Wikimedia Commons/Divulgação)

O Sol, nossa fonte de calor e energia, também evoluiu com o tempo: estima-se que ele só tinha cerca de 70% da sua força atual no início. Com uma estrela tão fraca, todos os cálculos indicam que a Terra deveria ter sido completamente congelada durante grande parte da sua história. Porém, o registro geológico sugere que, provavelmente, quase desde o seu começo houve água líquida livre na superfície do planeta. Como isto é possível? 

A resposta está novamente no metano, um excelente gás de efeito estufa que manteve a Terra aquecida em seus primórdios. O Grande Evento de Oxigenação, que ocorre a cerca de 2,4 bilhões a 2,1 bilhões de anos atrás, foi o momento em que o oxigênio produzido pelas cianobactérias gerou um excedente capaz de enriquecer a atmosfera e reagir com o metano e outros gases de efeito estufa, acabando por mergulhar a Terra em seu primeiro episódio de glaciação global. Este é outro belíssimo exemplo de como organismos tão pequenos como cianobactérias podem regular o clima de um planeta inteiro – e mudar sua cara novamente, dessa vez para uma “bola de neve” global, uma Terra completamente branca (Figura 4)

A Terra “branca” como vista durante um dos episódios de glaciação global, as chamadas “Terras Bola de Neve”.
Figura 4 – A Terra “branca” como vista durante um dos episódios de glaciação global, as chamadas “Terras Bola de Neve”. (Oleg Kuznetsov (3depix.com)/Wikimedia Commons/Divulgação)

Felizmente, todo o delicado sistema natural acaba por se autorregular: a glaciação global não impediu os vulcões de continuarem a expelir gás carbônico, metano e outros gases causadores de efeito estufa. Foi só uma questão de tempo até que esses gases acumulassem novamente na atmosfera a ponto de aumentar a temperatura global, derretendo as capas de gelo e reiniciando o ciclo. 

A fotossíntese permitiu que as cianobactérias reinassem absolutas por cerca de três bilhões de anos sobre outros tipos de microrganismos que não possuíam proteção contra o venenoso oxigênio, um elemento extremamente reativo. Sabemos deste domínio das cianobactérias pelo registro fóssil que elas deixaram para trás, ao se organizarem em colônias que constroem colunas de rocha utilizando sedimentos dissolvidos na água do mar, os chamados estromatólitos (Figura 5).

Os estromatólitos mais antigos possuem cerca de 3,5 bilhões de anos. Porém, a vida no nosso planeta continuou dominada por organismos simples, em sua maioria unicelulares, há até cerca de 600 milhões de anos atrás, que de acordo com o calendário cósmico, seria por volta do dia 14 de dezembro.

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Figura 5 – Provável imagem da Terra após o surgimento e proliferação das cianobactérias, que se agrupavam em colônias que construíam colunas de rocha ao aprisionar sedimentos em suspensão da água marinha, os chamados estromatólitos. O oxigênio gerado pelas cianobactérias reagiu com os metais dissolvidos, limpando a água do mar destes elementos. (Tim Bertelink/Wikimedia Commons/Divulgação)

Por que a demora na aparição dos nossos próprios ramos da árvore da vida?

A atmosfera e os oceanos não atingiram sua concentração atual de oxigênio após o Grande Evento de Oxigenação, há cerca de 2,4 bilhões a 2,1 bilhões de anos. As estimativas mostram que, durante toda a meia idade da Terra, o Éon Proterozoico (entre 2,5 bilhão e 538 milhões de anos), a concentração de oxigênio era cerca de 1% da sua concentração dos dias de hoje na atmosfera. Nestas condições, os oceanos foram dominados por outra composição química, rica em enxofre, gerando uma cor púrpura escura, devido aos pigmentos presentes nas bactérias que utilizam este elemento para sobreviver.

Como saímos de um mundo púrpura com odor de ovo podre gerado pelo ácido sulfídrico do metabolismo das bactérias amantes do enxofre para o mundo que conhecemos? 

A resposta está no resfriamento contínuo do planeta, que como vimos, era bem mais quente em seus primórdios. A tectônica de placas esteve ativa possivelmente desde o Arqueano (entre 4 bilhões e 2,5 bilhões de anos atrás), mas o manto terrestre, a camada que se localiza abaixo da camada superficial do planeta chamada de crosta, era ainda muito quente para permitir que grandes placas afundassem nas zonas de subducção sem que elas perdessem a coerência e se derretessem nas primeiras dezenas de quilômetros de profundidade (Figura 6).

Ao final do Éon Proterozoico (em meados de dezembro do calendário cósmico), porém, o manto já havia resfriado o suficiente para que as placas conseguissem afundar até mais de cem quilômetros sem perder a coerência em zonas de colisão de placas. Uma das consequências é que o reajuste isostático – o mesmo efeito que faz com que a maior parte de um iceberg fique por baixo da água – criou cadeias de montanhas muito mais altas e longas do que aquelas que as precederam no tempo geológico.

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Figura 6 – Uma zona de subducção, onde as cadeias de montanhas são formadas. Quanto mais fundo no manto a placa tectônica inferior atinge, maior será a altura da cadeia de montanhas formada, em um efeito de isostasia semelhante ao dos icebergs. (Subduction-es.svg/Wikimedia Commons/K. D. Schroeder/Divulgação)

Quanto mais alta uma cadeia de montanhas, mais rapidamente suas rochas são consumidas pelos efeitos do intemperismo, que é o conjunto de reações físicas e químicas que causam a desagregação das rochas e minerais na superfície da Terra. A grande quantidade de detritos gerada pelo desmonte de uma cadeia de montanhas causa o soterramento do carbono aprisionado pela biomassa marinha, não permitindo que este carbono reaja com o oxigênio para formar novo gás carbônico. O resultado é um novo aumento nos níveis de oxigênio, que, além de reagir com o enxofre dos oceanos produzindo sulfatos (bem menos tóxicos para a vida em geral) engatilhou também a proliferação de formas de vida com alto gasto energético, que precisam deste gás em abundância para seu metabolismo.

São do Período Ediacarano, há cerca de 550 milhões de anos, os primeiros fósseis que indicam o surgimento de inovações biológicas como conchas produzidas a partir do carbonato de cálcio dissolvido na água do mar, um processo conhecido como biomineralização, e organismos capazes de se mover intensamente no fundo do mar, a chamada Fauna de Ediacara (Figura 7), assim nomeada pela localidade onde foi primeiro descrita, na Austrália. 

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Figura 7 – Ilustração da Fauna de Ediacara, os primeiros animais conhecidos no registro fóssil, há aproximadamente 550 milhões de anos. (Ryan Schwark/Wikimedia Commons/Divulgação)

Algumas destas conchas, como as de organismos conhecidos como Cloudina (Figura 8), apresentam pequenos furos que deixam claro a sua função evolutiva: a proteção contra predadores. Estava iniciada a corrida de desenvolvimento pontuado que, nos próximos quinze dias do calendário cósmico, levaria a proliferação das formas mais complexas e diferentes de metazoários, os animais, dos quais fazemos parte. Somos descendentes diretos das montanhas e dos mares.

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Figura 8 – Uma reconstrução digital de Cloudina hartmannae, um dos primeiros organismos a construir uma concha calcárea para se proteger de predadores, há cerca de 550 milhões de anos. (Nobu Tamura/Wikimedia Commons/Divulgação)

O ser humano no calendário cósmico 

A Terra já foi uma bola de fogo incandescente no berço, um mundo de oceanos esverdeados e nuvens tóxicas alaranjadas, um mundo com oceanos púrpuras “com cheiro de ovo podre”, e uma “bola de neve” por diversas vezes, até chegar “à bola de gude azul” que conhecemos hoje. Quem pintou todas estas cores e cenários foi a vida que habita em sua superfície. 

E, enquanto fazemos a contagem regressiva para os dez segundos antes do réveillon cósmico, uma outra espécie vem causando efeitos em todas as esferas terrestres em velocidades muito mais rápidas e assustadoras do que todas as discutidas anteriormente. Desde a revolução industrial, o ser humano vem adicionando carbono que estava guardado na biomassa soterrada pelos processos naturais à atmosfera, em taxas 31 mil por cento mais rápidas do que na última extinção em massa.

Os efeitos catastróficos que mudanças bruscas no ciclo do carbono e outros elementos causaram na vida são visíveis no registro das rochas, mesmo em taxas dezenas de milhares de vezes mais lentas que as atuais. Cabe a nós enxergar os avisos e compreender que a vida – inclusive a vida humana – é intimamente ligada às rochas, à água e ao ar do nosso planeta e que mudanças em uma esfera causam invariavelmente mudanças em todas as outras esferas interligadas.

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Fonte: abril

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