Em 1970, fósseis de hominídeos foram encontrados no sítio arqueológico de Xujiayao, no norte da China. A datação mostra que esses parentes distantes dos humanos viveram 300 mil anos atrás e foram extintos há 50 mil anos. Eles eram caçadores organizados, dominavam armas e ferramentas primitivas e faziam emboscadas para matar cavalos selvagens.
Além de comer a carne, o tutano e a cartilagem dos animais, esses hominídeos também usavam a pele para fabricar roupas e abrigos. Afinal, na região em que eles viviam, o inverno é seco e as temperaturas oscilam entre -3º e -16ºC.
Esses indivíduos também tinham uma característica morfológica marcante: crânios enormes, baixos e largos, com uma mandíbula capaz de acomodar dentes grandes.
Imagine só: a capacidade craniana média de um Homo sapiens (como eu e você) é de 1.350 centímetros cúbicos. Os Neandertais, que viveram até um pouco mais tarde, tinham crânios de 1.450 centímetros cúbicos. Já nos hominídeos do sítio de Xujiayao tinham crânios de até 1.800 centímetros cúbicos. Mas não se engane: o tamanho do cérebro não tem necessariamente relação direta com a inteligência ou capacidade cognitiva.
Até hoje, a classificação desses fósseis é controversa. A maioria dos pesquisadores se refere a eles apenas como “hominídeos de Xujiayao”, sem bater o martelo sobre qual é a espécie exata. Alguns sugerem que eles podem ser indivíduos denisovanos, um grupo enigmático de hominídeos conhecido principalmente por meio de evidências de DNA de alguns alguns restos físicos encontrados na Sibéria em 2008 e outros poucos fósseis encontrados no Tibete e no Laos. Explicamos em detalhes sobre o mistério dos denisovanos aqui.
Mas, agora, dois pesquisadores chineses defendem que os achados do norte da China são parte de uma nova espécie, a Homo juluensis, que incluiria também os denisovanos dentro de si – e não o contrário. Eles argumentam que os indivíduos de Denisova correspondem a uma população geral que habitava a região, e não uma espécie. No caso, os denisovanos também poderiam ser classificados como uma subdivisão do Homo juluensis, a espécie inédita proposta por eles, mas ainda seriam necessários testes de DNA para comprovar essa hipótese.
Segundo Christopher Bae, pesquisador da Universidade do Havaí e um dos autores do estudo, essa nova maneira de classificar os fósseis ajudaria a explicar vários registros de hominídeos que não se encaixam nem na espécie Homo erectus, nem neandertal e nem humanos (Homo sapiens).
“Iniciativas recentes de pesquisa na China e no leste da Ásia em geral estão mostrando claramente que várias linhagens de hominídeos estavam presentes durante o Quaternário tardio [entre 300 mil e 50 mil anos atrás]”, disseram os pesquisadores em seu artigo, que foi publicado na revista Nature Communications.
“O registro do leste asiático está nos levando a reconhecer o quão complexa é a evolução humana de forma mais geral e realmente nos forçando a revisar e repensar nossas interpretações de vários modelos evolutivos para melhor corresponder ao crescente registro fóssil”, escreveram.
Com base na anatomia dos ossos do ouvido interno, os cientistas apontam que outros fósseis encontrados em outras regiões da China, como em Xuchang, também seriam parte dessa nova classificação.
A ideia de reorganizar toda a classificação de registros fósseis de hominídeos causou uma certa polêmica no campo da paleo-antropologia, especialmente entre pesquisadores do Ocidente, e ainda precisará de mais estudos para se estabelecer entre cientistas – algo natural.
Bae disse em entrevista ao jornal South China Morning Post que é importante “descolonizar nosso campo para que a paleoantropologia asiática se sustente por si só”, para que “eventualmente para que o nome juluensis seja aceito”.
“Se isso inclui os fósseis de Denisova ou não, provavelmente será uma história à parte, mas acho que na China haverá muito apoio para isso”, conclui.
Fonte: abril