Em 2020, o mundo parou. Não se podia aglomerar na esquina de casa, o comércio local foi fechado, os voos de avião foram suspensos e os portos marítimos, a porta de entrada e saída das negociações internacionais, foram interditados. A emergência da covid-19 obrigou o mundo a interromper os contatos.
E também fez saltar aos olhos dos governos no ocidente outra a situação pouco falada. O PhD em economia e ex-ministro da Fazenda Paulo Guedes diz que os governos perceberam a dependência dos países asiáticos, produtores de equipamentos usados no sistema de alta tecnologia no mundo todo.
“Eles viram que, porque os portos estavam fechados, os países não recebiam nada dos equipamentos produzidos lá, então ficou tudo parado aqui durante a pandemia. E se a China, a Índia ou qualquer outro desse países resolverem fechar as portas politicamente para a gente? Nós estamos perdidos, vamos ter que mudar isso”, comenta.
A história dessa dependência da produção asiática retrocede ao início da globalização forte, depois da 2ª Guerra Mundial, e se confunde com o próprio processo. Para trazer os países de todos cantos para dentro da “piscina de bolinhas” – ilustração feita por Paulo Guedes – do mercado liberal, foi criada uma agenda de forte investimento na Ásia e outros lugares fora da Europa.
O efeito das décadas de investimento só foi percebido pela interrupção causada pela pandemia do coronavírus. A manobra repensada pelos líderes ocidentais foi investir em “fronteiras próximas” e “fronteiras amigas”. Isso evitaria, segundo Guedes, qualquer retaliação política.
Neste ponto é preciso passar para o aspecto propriamente político da história. As estratégias de expansão do mercado do capital foram pensadas para, ao mesmo tempo, atrair concorrentes econômicos e pressionar adversários políticos.
O formato promissor de mercados e democracia trouxe vários países para dentro da piscina de bolinhas, por causa do desenvolvimento material e as ideias liberais na política. Os participantes do modelo viram a situação interna de seus países melhorar, com aumento de empregos, melhores salários e a liberdade de expressão para contestar qualquer suspeita, mesmo que ela exista só na cabeça de alguns.
A 2ª Guerra Mundial também pode ser a referência histórica. O ritmo forte da globalização aconteceu num contexto em que os Estados Unidos, líder ocidental, estava na Guerra Fria com a extinta União Soviética, o ícone político do socialismo e do comunismo, quase o oposto do liberalismo.
“A China é o principal mercado hoje e é capitalista, esqueça essa história de socialismo. Eles sabem disso. Um amigo meu que mora China diz que para os chineses serem socialistas, eles precisam de muito dinheiro para distribuir dentre eles. Então, essa coisa de socialismo é conversa, eles são capitalistas”, disse Paulo Guedes.
Quem ficou de fora, viu a sua situação ser deteriorada pela defasagem e isolamento. Os povos viram a alternativa mais viável na imigração, que sempre foi um problema social, mas se tornou alarmante nas últimas décadas. Ela gera inflação de pessoas, disputa intensa pelo mercado de trabalho e problemas mais ofensivos, segundo Guedes, como a invasão de casas por imigrantes e o medo.
Esse cenário econômico e político foi regido por ideias liberais no ocidente, de igualdade da humanidade e um planeta terra sem fronteiras. Guedes diz que, no entanto, a situação está saturada, e o desgaste explica a onda conversadora que se espalha pelo mundo e está em crescimento.
“Na Califórnia, se o imigrante entrasse numa loja e roubasse até US$ 800 estava tudo bem, porque ele está passando fome e precisa se alimentar. Não está tudo bem. Nós temos valores, nós temos princípios, e como liberais não lidam com essas ideias, estão surgindo os conservadores, que prometem acabar com a imigração, controlar os crimes”, comenta.
Na França, Emmanuel Macron, visto como político mais esquerda, venceu a eleição para presidente, mas como uma votação apertada; em contraposição, os conservadores tiveram vitória esmagadora no Parlamento Europeu. O republicano Donald Trump voltará ao governo dos EUA em 2025 após um intervalo de 4 anos e a vitória sobre Kamala Harris, atual vice-presidente e socialista.
“A onda conservadora está crescendo e vai continuar a crescer. Eles estão ouvindo o que o povo está reclamando, enquanto os liberais e os do lado de lá [da esquerda] estão perdidos nas ideias, no abstrato”, disse Guedes.
Paulo Guedes fez um seminário para empresários em Cuiabá, na sexta-feira (22). A eleição municipal neste ano refletiu a polarização política do país, que apareceu oficialmente em 2018, e se mantém viva – apesar de ser uma política ao modo tupiniquim.
Fonte: olivre.com.br