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Origem do português: Língua ancestral sem gêneros masculino e feminino

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Este é o quinto e último texto da série “A vida secreta das palavras”, que está na edição de outubro de 2024 da Super. Leia aqui a quarta parte, e veja o menu da edição 468 para as partes anteriores.

Há cerca de 6 mil anos, nas estepes áridas ao redor dos mares Cáspio e Negro, uma etnia de pastores nômades começou a expandir seus territórios usando cavalos e carroças, que eram o ápice da logística na época.

Alguns artefatos arqueológicos encontrados nos Bálcãs e em ex-repúblicas soviéticas podem ser resquícios da existência desse povo, mas não há consenso.

A única evidência sólida da existência deles é que, hoje, 46% da população mundial fala algum idioma derivado da língua que eles falavam v batizada pelos estudiosos de protoindo-europeu (PIE).

Não há evidências escritas do proto-indo-europeu – sequer existia escrita, naquela época. Mas é possível reconstruí-lo artificialmente por meio da comparação entre suas línguas-filhas, que incluem o português, o inglês, o russo, o persa e até o hindu (bem como o latim, o grego antigo e o sânscrito, lá na Antiguidade).

É um trabalho de engenharia reversa; algo como inferir o DNA de um ancestral perdido com base no material genético de seus filhos, netos e bisnetos.

A teoria mais aceita é a de que o proto-indo-europeu, originalmente, tinha dois gêneros gramaticais, e eles não tinham nada a ver com o masculino e o feminino que conhecemos hoje. Um se referia a coisas vivas, como nós. O outro dizia respeito a coisas inanimadas, como pedras ou madeira.

Especula-se que esses gêneros tenham surgido por causa de terminações que eram usadas para indicar a função sintática das palavras (ou seja, se elas serão sujeitos ou objetos).

No proto-indoeuropeu, só os nomes do gênero animado podiam desempenhar a função de agente de uma ação. Eles podiam atuar como o sujeito de um verbo transitivo, enquanto as coisas inanimadas atuavam como sujeitos de verbos intransitivos e como objetos diretos.

Embora o PIE não fizesse a distinção masculino vs. feminino, muitas línguas protoindo-europeias atuais têm três gêneros: feminino, masculino e neutro, enquanto (o português e outras línguas do oeste da Europa, têm só masculino e feminino). O que aconteceu?

Em linhas gerais, sabemos que o gênero de coisas vivas deu origem ao masculino, e que o gênero de coisas inanimadas se tornou neutro. O feminino surgiu mais tarde, por meio da adição de sufixos, ou terminações.

Do mesmo jeito que “pastor” vira “pastora” em português, os falantes do protoindo-europeu PIE passaram a colocar os sufixos *-ā ou *-ia no final das palavras para marcar o gênero feminino.

Os sufixos do feminino – por razões específicas da cultura do povo que falava o PIE, que se perderam no tempo –, veio dos sufixos que
originalmente eram usados para montar plurais e aumentativos das outras palavras.

Isso deixou resquícios: até hoje, em português, “lenha” (com o “a” feminino no final) se refere a vários pedaços de madeira, enquanto “lenho” com “o” se refere a um pedaço só. Do mesmo jeito, uma “barca” e uma “sapata” são jeitos de se referir a barcos e sapatos grandes.

Até hoje, os gêneros gramaticais de muitas línguas não tem a ver com sexo biológico. Nas línguas bantas – como o kimbundu, falado em Angola e de onde provém a maioria das palavras de origem africana do português brasileiro – existem categorias gramaticais para pessoas, objetos longos e cilíndricos (em geral, árvores), animais, objetos líquidos, objetos pequenos, infinitivos e mais uma porção de outras subdivisões do mundo.

Fonte: Márcio Renato Guimarães, professor de Linguística da Universidade Federal do Paraná (UFPR). 

Fonte: abril

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Fábio Neves

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