Essa é uma história sobre como uma escola dos EUA ofereceu US$ 500 para os alunos que solucionassem uma questão bônus de matemática, e não avisou a eles que a questão era considerada impossível por matemáticos há dois mil anos. E aí, duas estudantes seguiram exatamente o clichê do poeta francês Jean Cocteau: não sabendo que era impossível, foram lá e fizeram.
O problema em questão é a o teorema de Pitágoras, que talvez você conheça (mesmo que por meio de uma música dos Mamonas Assassinas). Ele que afirma que, em um triângulo retângulo, a soma dos quadrados dos lados mais curtos, os catetos, é igual ao quadrado do lado mais longo, a hipotenusa.
O teorema de Pitágoras é um dos pilares da trigonometria, a parte da matemática que estuda as relações entre os lados e os ângulos dos triângulos.
Por muito tempo, acreditou-se que seria impossível provar esse teorema utilizando a própria trigonometria, já que as fórmulas fundamentais dessa área do conhecimento se baseiam na suposição de que o teorema é verdadeiro. Assim, provar o teorema com trigonometria constituiria uma falha de lógica conhecida como raciocínio circular.
Isso deixou de ser verdade em 2009, quando o matemático experiente Jason Zimba publicou a primeira prova trigonométrica do teorema de Pitágoras. Entretanto, algumas das provas publicadas agora são completamente inéditas.
Você se lembra daquele momento do 7 x 1, em 2014, quando não era claro se o locutor estava anunciando um gol novo ou era replay de um anterior? É assim que os matemáticos do mundo devem estar se sentindo: já era chocante que, em 2022, duas estudantes do ensino médio tenham conseguido uma “prova impossível” para um problema de dois mil anos. Mas, não satisfeita, a dupla acaba de anunciar a criação de mais nove.
A primeira solução proposta por Ne’Kiya Jackson e Calcea Johnson, que estavam no último ano do ensino médio, utilizava a Lei dos Senos.
“Motivadas por um prêmio de US$ 500, decidimos assumir a questão de forma independente. Ela se mostrou muito mais difícil do que imaginávamos, e nós passamos longas noites tentando e falhando em criar uma prova”, contam as autoras em um novo artigo, publicado na revista The American Mathematical Monthly.
Um mês depois, com uma primeira versão em mãos, elas tiveram a ajuda de um professor voluntário de matemática da escola, Mr. Rich. Ele as ajudou a melhorar a proposta e, no começo de 2023, elas a apresentaram em um congresso da Sociedade Americana de Matemática.
Ninguém tinha certeza se a teoria das duas se sustentaria ao ser testada em outros contextos. No novo artigo, publicado na última segunda-feira (28), as duas provaram que a solução foi aprovada após revisão de matemáticos experientes.
Mas elas não pararam por aí: as duas também delinearam mais quatro novas maneiras de provar o teorema de Pitágoras usando trigonometria, bem como um novo método que revelou mais cinco provas, totalizando 10 provas.
No artigo, Jackson e Johnson afirmam que há duas maneiras de apresentar a trigonometria e suas funções seno e cosseno, mas essas versões são frequentemente confundidas em uma só. Isso porque o seno e o cosseno podem ser apresentados de acordo com o método trigonométrico ou com um método que usa polinômios de números complexos.
Essa confusão significa que “tentar entender a trigonometria pode ser como tentar entender um quadro em que duas imagens diferentes foram impressas uma sobre a outra”, escreveram Jackson e Johnson. Ao separar os dois métodos, elas afirmam que podem descobrir “uma grande coleção de novas provas do teorema de Pitágoras”.
Em comunicado, as duas manifestaram surpresa com terem conseguido chegar tão longe. “Fiquei bastante surpreso por ter sido publicado.”, disse Jackson.
“Ter um artigo publicado em uma idade tão jovem é realmente alucinante”, disse Johnson. “Estou muito orgulhosa por nós duas podermos ser uma influência tão positiva ao mostrar que mulheres jovens e mulheres negras podem fazer essas coisas.”
Um detalhe muito fofo da história é a seção da mini biografia das autoras ao fim do artigo, onde os acadêmicos geralmente descrevem seus feitos de destaque.
A seção sobre Calcea Johnson é mais completa: ela cursa engenharia ambiental na Louisiana State University e lista alguns destaques como o de ter sido oradora da sua turma do ensino médio e eleita “acadêmica negra do ano” pela grupo de professores e funcionários negros de sua universidade. Ao fim, acrescenta: “em seu tempo livre, seus hobbies incluem jogar videogame, ouvir K-Pop e assistir a musicais.”
Já a parte sobre Ne’Kiya é sucinta: apenas diz que ela “atualmente estuda farmacologia na Xavier University of Louisiana. Ela gosta muito de gatos e coelhos. Em seu tempo livre, adora jogar bilhar, assistir a animes e ler mangás.”
As duas viraram manchete pelo mundo e receberam as chaves da cidade de Nova Orleans. A história de Jackson e Johnson parece ter inspirado por todos os lugares: até a editora-chefe da revista acadêmica, Della Dumbaugh, fez uma consideração pessoal no final do artigo.
Ele conta que torceu muito para que as meninas escolhessem a revista para a submissão e que, quando isso ocorreu, o conselho editorial da revista preparou diversos materiais de orientação sobre o processo de publicação. Depois, quando o artigo voltou, comentado pelos revisores, os editores produziram um guia de como interpretar os comentários e sugestões.
“Esses jovens autores responderam aos relatórios dos revisores com a delicadeza de profissionais de longa data da área.” escreveu Dumbaugh. “Tudo isso para dizer que não apenas me sinto honrada pelo fato de as autoras terem confiado seus importantes resultados à Monthly, mas também profundamente grata pelo trabalho de bastidores do Conselho Editorial da revista.”
Fonte: abril