Via @folhadespaulo | As ações que questionam partes da reforma da Previdência no STF (Supremo Tribunal Federal) podem ter um impacto fiscal de R$ 389 bilhões, segundo cálculos da AGU (Advocacia-Geral da União). Isso caso a corte revogue os trechos em discussão e determine a devolução dos valores arrecadados desde 2019, quando a mudança foi implementada.
Um pedido de vista feito em junho deste ano havia interrompido a análise da matéria. Na última quarta-feira (23), o ministro Gilmar Mendes liberou o caso para julgamento. Isso significa que agora cabe ao presidente da corte, Luís Roberto Barroso, definir a inclusão, na pauta da corte, dos questionamentos a regras incluídas pela Emenda Constitucional 103 de 2019.
O STF julga as 13 ações contra trechos da reforma de forma conjunta. A corte já começou a análise dos temas, mas o julgamento foi interrompido em junho deste ano depois de pedido de vista de Mendes. Dez ministros votaram em diferentes pontos, sendo que houve divergências. Até a conclusão do julgamento, os ministros podem fazer ajustes nos votos, e mesmo alterar a direção deles.
Sozinho, um dos temas representa um risco de R$ 300 bilhões. Trata-se do trecho sobre a adoção da progressividade, em função dos salários, de alíquotas de contribuição previdenciária para custeio dos RPPS (Regime Próprio de Previdência Social), cobradas de servidores ativos, aposentados e pensionistas.
Antes, a alíquota de contribuição era de 11%. Depois da reforma, o índice passou a ser progressivo e incidir de acordo com a faixa salarial do servidor, variando entre 7,5% e 22%.
Caso esse trecho seja derrubado pelo STF, o governo federal perde arrecadação e é possível que volte a vigorar a alíquota anterior. Há, ainda, a preocupação de que a decisão acarrete na devolução dos valores pagos até aqui.
Esta mudança é considerada pelo diretor-presidente do IMDS (Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social), Paulo Tafner, como explosiva para a União. Na visão dele, o efeito é o de anular quase metade das expectativas de ganhos com a reforma da Previdência. A reforma inteira tinha uma previsão de render R$ 900 bilhões de economia em cerca de dez anos.
“É uma bomba se isso ocorrer dessa forma. Ao revogar esses itens da reforma, além do impacto fiscal há dois problemas graves. O primeiro é que ele reinstitui privilégios. O segundo aspecto é que passa por cima de uma decisão soberana do Congresso em matéria previdenciária que nada tem a ver com direitos fundamentais. No mundo inteiro, as questões previdenciárias não são matérias constitucionais”, diz Tafner.
Além disso, para ele, as eventuais derrubadas feitas pelo Supremo não serviriam às camadas mais pobres. “O STF atenderia quem é privilegiado, ampliaria a desigualdade social e colocaria uma pressão fiscal sobre o país bastante considerável, em um momento que isso pode nos levar a um regime de dominância fiscal”, afirma.
Na dominância fiscal, a política monetária depende do controle das contas públicas e da dívida para conter a inflação. Nesse cenário, quando o Banco Central eleva a taxa básica de juros, a dívida aumenta a ponto de gerar mais inflação.
Para Tafner, na prática há o risco é o de uma espiral inflacionária de difícil controle pela política monetária.
Outro tema sensível é a cobrança de aposentados e pensionistas acima de um salário mínimo. Antes, a cobrança se dava apenas na parte que excedesse o teto do INSS (Instituto Nacional de Seguro Social), hoje em R$ 7.786,02. Com a reforma, só o salário mínimo fica isento. Nesse caso, o impacto se dá para todos os entes: União, estados e municípios.
De acordo com estimativas da União, essa modificação da base de cálculo de aposentados e pensionistas, mantidas as alíquotas progressivas de 2019, poderia aumentar o valor presente atuarial das contribuições em 16,41%, e, assim, significar redução do déficit atuarial em R$ 55,1 bilhões.
Há ainda debate sobre regras de transição, redução do valor da pensão por morte e cálculo de tempo de contribuição para autônomos.
Em setembro, a AGU (Advocacia-Geral da União) enviou manifestação ao STF informando dos riscos fiscais sobre a revisão da reforma da Previdência. No total, são R$ 497,9 bilhões em debate no tribunal, de acordo com levantamento de impacto estimado pela Secretaria de Regime Próprio e Complementar do Ministério da Previdência Social.
Antes, no fim de agosto, o presidente do Supremo recebeu o governador Ibaneis Rocha, do Distrito Federal, e o vice-governador do Rio Grande do Sul, Gabriel Souza. Durante o encontro, eles manifestaram preocupação com a preservação da base de cálculo da incidência da contribuição previdenciária.
Ao votar, Barroso, relator das ações, defendeu que as regras da reforma devem ser mantidas. Para ele, apenas um trecho deve ser revisto no sentido de que a base de cálculo da contribuição previdenciária de inativos e pensionistas somente pode ser aumentada se persistir, comprovadamente, déficit previdenciário mesmo após a adoção da progressividade de alíquotas.
Ainda em sessão virtual, Fachin divergiu sobre a progressividade das alíquotas dos servidores públicos, a ampliação da base de cálculo de inativos em caso de déficit atuarial, a contribuição extraordinária, a possibilidade de nulidade das aposentadorias de advogados que ingressaram na magistratura ou no Ministério Público sem contribuir para o sistema e a diferenciação entre as servidoras públicas e as mulheres submetidas ao regime geral.
Ele defendeu que esses dispositivos violam a segurança jurídica ao criar tratamento diferenciado para os servidores públicos vinculados ao regime próprio, em afronta à dignidade da pessoa humana.
O julgamento segue sem conclusão enquanto desafios previdenciários já suscitam, há alguns meses, debates sobre as mudanças nas regras de aposentadorias. Dentre as possibilidades apontadas por especialistas estão a desvinculação dos benefícios previdenciários ao salário mínimo, o que já foi descartado pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e nova elevação da idade mínima para pedir o benefício.
Ana Pompeu
Fonte: @folhadespaulo