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Política

Cientista político afirma que um pequeno grupo planejou golpe no Judiciário

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Ora, o próprio Andrei Vyshinsky, temido promotor de Joseph Stálin nos processos de Moscou dos anos 1930, ele próprio tinha o pudor, o escrúpulo de individualizar as penas, individualizar as responsabilidades de cada acusado. Aqui, no Brasil, não é assim”. Paulo Kramer, cientista político

A figura do deus ex machina (o deus que surgiu da máquina) apareceu no teatro grego da antiguidade clássica. Naquela época, o personagem, que representava o deus do Olimpo, descia do teto ao cenário por meio de um sistema de roldanas e cordas. O objetivo era solucionar os problemas que o enredo apresentava. Somente ele era capaz de ordenar aquilo que estava desordenado e dar solução aos problemas apresentados na obra.

Esse recurso permaneceu nas culturas nos séculos posteriores. No entanto, a necessidade de um messias que desce à terra para organizar a sociedade continuou a existir, mas agora na vida real. Está presente na organização de uma sociedade, na política. O Brasil também adotou a figura do ex machina, criado por Aristóteles.

Espera-se, em algum momento, que um deus desça em Brasília para solucionar, de uma vez por todas, as crises políticas brasileiras. É o que afirma o cientista político Paulo Kramer, em entrevista a .

Na conversa, o especialista critica o autoritarismo de juízes brasileiros, principalmente dos integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF), e analisa a falência da classe política brasileira. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O cientista político Paulo Kramer falou sobre as decisões monocráticas de ministros do STF | Foto: Reprodução/Freepik
O Cientista Político Paulo Kramer Falou Sobre As Decisões Monocráticas De Ministros Do Stf | Foto: Reprodução/Freepik

O que acontece hoje tem a ver com aquilo que considero uma revolta de certos setores da elite contra a vontade popular. Atualmente, há uma judicialização da política e a politização da Justiça. Quer dizer, setores de classe média alta, os mais escolarizados, ficam horrorizados com as escolhas que o grande público faz. Para eles, isso contraria os valores estéticos, intelectuais, políticos e sociais. Um exemplo disso foi a escolha do ex- Jair Bolsonaro (PL). Ele, como tal, usava chinelos Rider, era cafona, um sujeito desabrido e franco. Ora, numa democracia, como no voto, não é o pequeno grupo que decide, e sim a grande maioria. Então, esse pequeno grupo resolve dar o do Judiciário. Portanto, aquilo que não se consegue ganhar no mano a mano da urna, ganha-se com decisões judiciais. É isso que está acontecendo.

Sempre existiu. Como digo, no Brasil, em virtude do patrimonialismo, há essa tendência de confundir o público com o privado. Sempre houve essa mania de os ocupantes de posições de autoridade se sentirem maiores e mais importantes do que os cargos que ocupam. Não há aquele respeito republicano — aquele culto pela majestade do cargo. O ocupante deveria ser menor do que o cargo. No Brasil, no entanto, o que predomina são valores contrários a isso. Aqui, a autoridade é mais importante do que o cargo. Manda e desmanda, faz e acontece. O resultado disso, como você mesmo lembrou, é essa profusão de decisões monocráticas, que colocam em risco a segurança jurídica. Porque é um país que vive pendurado em liminares monocráticas. Quando isso ocorre, entende-se que os direitos fundamentais estão em perigo, correm risco. É necessário o respeito às regras da Constituição e das leis. Se não, meu amigo, é aquela história: “Cada cabeça é uma sentença”.

Da esquerda para direita: Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados; Luiz Inácio Lula da Silva (PT), presidente da República; Luís Roberto Barroso, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF); e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado Federal | Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República
Da esquerda para : Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados; Luiz Inácio Lula da Silva (PT), presidente da República; Luís Roberto Barroso, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF); e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Federal | Foto: /Presidência da República

Ansiamos sempre por um poder moderador, porque a nossa é de exercer o poder imoderadamente. A pessoa se acha maior do que o cargo que ocupa. Confunde o público com o privado. Com o tempo, o acúmulo de todos esses abusos leva a opinião pública a aclamar por alguém que põe fim a tantos desmandos. Então, espera-se aquele recurso que, no teatro da antiguidade, se chamava de deus ex-máquina. Um elemento externo às regras do jogo, aos sistemas. Porque, veja, na Constituição Política do Império do Brasil, que vigorou de 1824 a 1889, existia a figura do quarto poder, o Poder Moderador, que era privativo do monarca. O Imperador, nesse sentido, era irresponsável, no sentido de que não precisava responder a ninguém. E para que existia esse Poder Moderador? Justamente para azeitar as relações entre as engrenagens dos Três Poderes, principalmente Executivo e Legislativo. Ora, com a República, isso mudou. O Poder Moderador passou a não existir.

Começa quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, apesar de condenado em três instâncias, é descondenado e volta a concorrer às eleições. Por quê? Porque Bolsonaro, para aquela elite formada por jornalistas e líderes de opinião, contrariava até os valores estéticos. Então, na visão daquela elite, ele representava uma ameaça à democracia. Na verdade, representava uma ameaça aos privilégios dessas pessoas. Durante o processo eleitoral de 2022, as decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), presidido pelo ministro Alexandre de Moraes, quase que numa razão de dez contra um, desfavoreceram Bolsonaro e favorecem o outro. Bom, aí se dá o famoso 8 de janeiro. Nunca vi um golpe ser dado com bíblias e rosários. Conhecemos golpe com arma, metralhadora, tanque, foguete, essas coisas. Essas pessoas foram presas, cometidas a uma série de atentados contra o devido processo legal. Não houve individualização de penas. Ora, o próprio Andrei Vyshinsky, temido promotor de Joseph Stálin nos processos de Moscou dos anos 1930, tinha o pudor, o escrúpulo de individualizar as penas, as responsabilidades de cada acusado. Aqui, no Brasil, não é assim. O ministro funciona ao mesmo tempo como parte interessada, investigador, promotor, juiz e, finalmente, carcereiro.

Acho que são duas providências fundamentais. Parece fácil, mas isso depende muito da mobilização da sociedade e da manutenção de um clima mínimo de liberdade. Também são necessárias duas coisas. Primeiro, precisa do Senado, que é a Casa responsável por julgar o impeachment de um ministro do Judiciário, fazer valer a sua prerrogativa e votar o processo. Agora, isso também depende de um outro requisito mais básico, que é uma mudança dos regimentos internos da Câmara Legislativa e do Senado Federal, para que os dois presidentes dessas Casas não possam mais contrariar a vontade da maioria dos seus pares.

Fonte: revistaoeste

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