Questões éticas relacionadas à inteligência artificial (IA), a urgência de regulamentação, a necessidade de segurança cibernética e a importância da sustentabilidade na adoção dessas tecnologias foram alguns dos temas abordados por especialistas do Instituto de Engenheiros Elétricos e Eletrônicos (IEEE) em um painel sobre tendências tecnológicas para 2025, durante a futurecom 2024, evento de conectividade, inovação e tecnologia realizado em São Paulo, que acontece até esta quinta-feira (10).
No encontro, realizado na terça-feira (8), primeiro dia da Futurecom, Cristiane Pimentel, professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB); Esther Colombini, professora de Robótica e Inteligência Artificial e vice-diretora do Instituto de Computação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); Euclides Chuma, pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); Marcos Simplicio, professor de Engenharia de Computação da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP); e Rosa Correa, pesquisadora do Grupo de Robótica, Controle e Processos Minerais do Instituto Tecnológico vale (ITV) e professora do Programa de Pós-Graduação na Proficam e Ciência dos Materiais da Universidade Federal do Pará (UFPA), todos membros do IEEE, compartilharam suas perspectivas sobre o avanço tecnológico em diferentes frentes, bem como os desafios que se avizinham para os próximos anos.
Com pesquisas direcionadas à aplicação de gêmeos digitais (digital twins) na indústria e na área de saúde, Cristiane Pimentel destacou as possibilidades resultantes da adoção dessa tecnologia emergente e com grande potencial de crescimento, especialmente por sua capacidade de promover a sustentabilidade e a resolução de problemas concretos.
Os gêmeos digitais são representações virtuais de objetos, sistemas ou processos do mundo real, que utilizam dados em tempo real para simular seu comportamento e desempenho. A tecnologia permite monitorar, analisar e otimizar operações, prever falhas e testar diferentes cenários sem impactar o objeto físico.
Além de sensores, a inteligência artificial desempenha um papel importante na aplicação da tecnologia, pois permite a análise de grandes volumes de dados, facilitando a tomada de decisões automatizadas e aprimorando a previsão de resultados.
Segundo a pesquisadora, em dois projetos realizados no Hospital da Mulher, em Feira de Santana, na Bahia, os gêmeos digitais proporcionaram melhorias significativas no fluxo de atendimento de pacientes, além da redução no tempo de entrega de exames. Ao simular cenários e prever possíveis complicações, a tecnologia proporciona respostas mais rápidas e assertivas em emergências. Dessa forma, foi possível otimizar recursos, minimizando o uso excessivo de insumos e melhorando a gestão de espaços e tempo no ambiente hospitalar.
Apesar do grande potencial dos gêmeos digitais, Cristiane indicou que a tecnologia ainda se encontra em estágio inicial de implementação no setor da saúde, sendo que muitos dos experimentos ainda são realizados em “ambiente fechado”, ou seja, dentro de estruturas controladas, como acontece no Hospital da Mulher de Feira de Santana, instituição pública que conta com pesquisas acadêmicas.
Outro ponto abordado foi a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), um tema de crescente importância à medida que a coleta de dados de saúde se expande. Para ela, com o aumento no uso de sensores e de inteligência artificial para alimentar os modelos de gêmeos digitais, a proteção de dados se torna uma preocupação central. A LGPD é fundamental para garantir que as informações dos pacientes estejam seguras e que haja transparência em como esses dados são utilizados.
eVTOLs: a tendência que está nos ares
Se os sensores são fundamentais para a criação dos gêmeos digitais, para Euclides Chuma eles têm uma importância ainda maior. Segundo o pesquisador, que tem os sensores como foco de pesquisa, eles são essenciais para todo o processo de digitalização, pois representam a primeira etapa da percepção do mundo real pelo mundo digital. No caso dos veículos autônomos, tema para o qual a atenção de Chuma tem se direcionado nos últimos anos, a tecnologia é fundamental para os avanços da área, uma das que se mostram mais promissoras no futuro próximo.
O professor da Unicamp destacou o potencial dos veículos aéreos avançados – ou EVTOLs (Electric Vertical Take-off and Landing) -, uma das principais tendências para os próximos anos, e como eles podem se tornar especialmente importantes em situações de risco. Um dos exemplos seria o combate a incêndios florestais, como os que ocorreram no país no último mês. Em casos como esses, a substituição de helicópteros tripulados por drones poderia reduzir o risco de acidentes e evitar perdas humanas.
Para o avanço da área, Chuma afirmou que está trabalhando para integrar os drones à infraestrutura de telecomunicações já existente, utilizada para comunicação móvel, o que permitirá o uso dessas redes também para serviços de radar.
Paralelamente, o pesquisador também destacou a necessidade urgente de regulamentar a IA, sendo esse um dos principais desafios para os próximos anos, principalmente pela complexidade de definir e legislar sobre a tecnologia, uma vez que, entre os muitos “tipos” de inteligência artificial, é preciso considerar as variações da tecnologia e como ela é aplicada a diferentes cenários.
IA: questão de transparência
Esther Colombini, que atua com pesquisas em robótica e inteligência artificial há mais de 20 anos, abordou as complexidades éticas que cercam a automação e a IA. Ela enfatizou que, embora a tecnologia possa trazer benefícios significativos, é fundamental discutir os riscos associados a ela. Dois aspectos importantes trazidos pela pesquisadora são o apagamento cultural e os vieses presentes nos modelos de IA atualmente em uso. Ela alertou que os dados de treinamento, em sua maioria, são em inglês, o que pode levar à exclusão de vozes diversas e a decisões enviesadas.
Para ela, as IAs podem errar, alucinar e se apropriar de conhecimentos que não lhes pertencem. Por isso, ela ressalta a necessidade de regulamentação e mitigação desses vieses, apontando ainda para o fato de que a tecnologia não é, de fato, inclusiva. Na tentativa de inclusão, a IA tende a gerar estereótipos, o que a tornaria “perigosa”.
Esther também sinaliza que os valores que guiam o desenvolvimento da IA não têm um modelo claro – e, muitas vezes, são moldados por interesses financeiros. Nesse sentido, a pesquisadora sugere a quebra de monopólios e a promoção da transparência para que a IA possa se tornar mais inclusiva e acessível, permitindo que suas vantagens sejam compartilhadas de maneira equitativa.
Ela diz que, embora a IA traga inovações significativas, é fundamental que a sociedade esteja ciente dos riscos associados à sua implementação. Assim, a regulamentação e a mitigação de riscos associados à IA surgem como passos necessários para um futuro em que a tecnologia possa beneficiar a todos, sem comprometer valores éticos fundamentais.
Regulamentação para mitigar riscos
Marcos Simplicio também destacou a importância da regulamentação e da preservação da ética em relação à IA, especialmente quando os riscos da tecnologia envolvem a confiabilidade de dados e ataques cibernéticos. Ele mencionou que o atual momento da IA se compara ao início da popularização da internet, quando a falta de regulamentação trouxe desafios em relação à segurança e privacidade.
Como no passado, a IA enfrenta riscos como a violação de dados pessoais, ataques cibernéticos mais sofisticados e a disseminação de desinformação, agora potencializada por deepfakes e algoritmos. Além disso, a ausência de transparência nos sistemas de IA, a possibilidade de discriminação por vieses algorítmicos e a concentração de poder em poucas grandes corporações refletem problemas que se assemelham aos enfrentados na popularização da internet. Para ele, se medidas de segurança adequadas não forem implementadas agora, “pode ser tarde demais no futuro”.
A computação quântica é o foco de pesquisa atual de Simplicio. A tecnologia é uma das mais proeminentes da atualidade e utiliza os princípios da mecânica quântica para realizar cálculos exponencialmente mais rápidos que os computadores tradicionais.
Os computadores quânticos prometem resolver problemas complexos em áreas como química (formulação de novos medicamentos, por exemplo), criptografia e inteligência artificial. No entanto, o custo ainda é altíssimo, o que faz com que poucos existam no mundo.
Há muita pesquisa, sinaliza Simplicio, mas a implementação em larga escala exigirá anos. No entanto, seu avanço também apresenta sérios desafios para a cibersegurança, uma vez que sistemas quânticos poderiam quebrar os algoritmos de criptografia que hoje protegem a maioria das transações online e dados confidenciais. Por isso, a necessidade de criação de novos métodos de segurança a partir de agora, afirma o pesquisador.
O papel humano no avanço tecnológico
Todo avanço tecnológico exige a presença humana para que ele aconteça, e na Indústria 4.0 não seria diferente. Além das discussões sobre inteligência artificial, Rosa Correa destacou o papel essencial do potencial humano na aplicação das inovações tecnológicas na nova realidade industrial. A automação e a conectividade são importantes não apenas para os resultados financeiros, mas também para a melhoria da economia, da saúde e da segurança. No entanto, para que essas ferramentas cumpram seu papel, é indispensável a capacitação dos profissionais que as operam, bem como a criação de um ambiente seguro e sustentável.
Rosa enfatizou que a adoção de robôs e sistemas automatizados não deve ser vista como uma ameaça à força de trabalho, mas como uma oportunidade para os trabalhadores se reinventarem em papéis mais estratégicos. Assim como acontece com a IA, segundo ela, os humanos são fundamentais para garantir que os algoritmos sejam justos e transparentes. Na automação industrial, as pessoas são indispensáveis para otimizar o uso das máquinas, impulsionar a inovação e mitigar os riscos. A necessidade de capacitação contínua e o desenvolvimento de novas habilidades são centrais para garantir que trabalhadores e máquinas possam atuar de forma complementar.
Por fim, Rosa destacou que a Indústria 4.0 será tão transformadora quanto a IA, desde que as empresas consigam integrar o potencial humano e tecnológico de forma equilibrada. Para ela, o futuro da indústria não depende apenas das máquinas, mas de como os trabalhadores poderão alavancar essas inovações. A verdadeira evolução, segundo a pesquisadora, estará na capacidade de criar uma indústria mais inclusiva, segura e sustentável, na qual o potencial humano seja a chave para maximizar os benefícios das novas tecnologias.
Fonte: gazzconecta