As plantas, ao longo de milhões de anos de evolução, desenvolveram mecanismos surpreendentes para se proteger de uma ameaça constante: os insetos. Embora existam mais de um milhão de espécies de insetos, com cerca de metade delas se alimentando de plantas, ainda vivemos em um mundo essencialmente verde. Mas, como isso é possível?
Cientistas vêm investigando há anos o que chamam de “resistência não-hospedeira” das plantas, a capacidade compartilhada que todos os membros de uma espécie têm de se defender da maioria das pragas e suas variantes.
Marcelo Campos, professor adjunto do Departamento de Botânica e Ecologia da UFMT e pesquisador apoiado pelo Instituto Serrapilheira, relembra como sua curiosidade científica nasceu de uma situação cotidiana: uma atividade escolar do filho.
A turminha teve que fazer uma pequena plantação, e foi observando os tomates e morangos plantados lado a lado que o botânico notou uma ocorrência estranha: as larvas e moscas que se alimentavam da folha de uma das plantas ignoravam por completo a folha vizinha.
“Foi aí que comecei a me perguntar: por que esses bichos comem o tomate, mas não o morango? E o que o morango tem que o tomate não tem?” — comenta Campos. Esse questionamento levou a um estudo publicado no Journal of Experimental Botany, que buscou entender os mecanismos responsáveis por afastar os inimigos naturais das plantas.
Segundo o professor, “as plantas, assim como nós, possuem um sistema imune poderoso, com barreiras de defesa que impedem a invasão de organismos.” Ele explica que essa defesa ocorre de várias formas.
Uma delas é a produção de compostos químicos, como os jasmonatos, que funcionam como sinais de alerta e desencadeiam uma resposta de defesa. Outra forma é a produção de uma cera repelente que cobre as superfícies das plantas, dificultando o pouso e a alimentação dos insetos.
Além disso, algumas plantas emitem compostos voláteis que não só afastam os insetos, mas também podem interromper sua alimentação. Certas espécies de plantas acumulam substâncias tóxicas, como os terpenóides, que tornam a vida ainda mais difícil para os insetos que ousam tentar comê-las.
Para Campos, entender esses mecanismos vai além da curiosidade científica. “Estamos mostrando que talvez a chave para produzir plantas mais resistentes seja entender esse outro lado do processo evolutivo.”
Ele ressalta que, com as mudanças climáticas, as plantas estão cada vez mais vulneráveis ao ataque de pragas. Ao compreender como essas defesas funcionam, podemos desenvolver estratégias mais eficientes para proteger as plantações, reduzindo o uso de pesticidas e promovendo uma agricultura mais sustentável.
“Vamos supor que é o cheiro que o morango produz que repele o inseto do tomate. Será que a gente não pode pegar esse cheiro, passar ele pro tomate para que ele fique mais resistente?”
O próximo passo da pesquisa, segundo ele, é ainda mais desafiador: “Queremos identificar o que acontece quando mexemos no sistema imune da planta. Se conseguirmos isolar esses sistemas de defesa em uma planta, podemos transferi-los para outra.”
O objetivo é compreender como certos insetos conseguem contornar essas barreiras e por que outros falham: “Por que, diferentemente da mosca branca, a mosca preta não quer comer o tomate? O que o tomate fez para repelir essa mosca, que não conseguiu fazer com a outra?”, reflete Campos.
Decifrar essas questões, no final das contas, pode ser a chave para o futuro das plantações e da segurança alimentar global.
fonte: abril