Todos os dias “encontramos” motivos para reclamar, seja por causa do frio, do calor, do trânsito, do trabalho, do desemprego ou de problemas familiares. E quando a reclamação é feita pelos filhos? Como lidar com as constantes queixas das crianças e dos adolescentes?
A neuropsicóloga infantil Tatiana Proença Isleb afirma que esta é uma forma de a criança se comunicar e também uma ferramenta utilizada para ela dizer que algo não vai bem, que é preciso impor limites ou que alguma necessidade deve ser suprida. “Aquela criança que reclama de tudo pode estar tentando comunicar que algo lhe falta. Ela tem ‘tudo’, mas lhe falta ser notada. Suas reais necessidades – de afeto, conexão, cuidado, proteção, empatia – não estão sendo atendidas”, ressalta.
E qual a origem deste comportamento? Reclamar pode ser um reflexo do ambiente em que o indivíduo está inserido. Para os filhos, os pais são modelos e se eles reclamam muito, entende-se que essa é uma forma de comunicação importante. Além de ser um reflexo da família, a atitude também está ligada a fatores como personalidade e experiências pessoais. “O comportamento humano é sempre multideterminado. Por isso, em uma mesma família é possível haver um filho que reclama muito e outro não. De acordo com o temperamento, cada um reagirá as circunstâncias de formas diferentes”, observa Tatiana.
“Ela tem ‘tudo’, mas lhe falta ser notada. Suas reais necessidades – de afeto, conexão, cuidado, proteção, empatia – não estão sendo atendidas”
Vera Iaconelli, psicanalista e diretora do Instituto Brasileiro de Psicologia Perinatal Gerar, acrescenta que os pais sempre reclamam dos filhos e na tentativa de inverter os papéis, a criança tenta se mostrar maior ao reclamar, assim como o adolescente quer ser visto como adulto sem ser de fato. “Também tem uma questão cultural hoje, que é a tentativa de satisfazer a criança o tempo todo“, explica. Segundo a psicóloga, a partir disso a criança passa a demandar essa possibilidade de os pais proverem sem parar. “Como eles não conseguem, a insatisfação aumenta junto com as reclamações”, pondera.
Além disso, Vera diz que durante o desenvolvimento infantil, principalmente na fase da adolescência, existe uma ruptura com as idealizações, descobre-se que os pais não são perfeitos e que não é possível ser perfeito. As transformações do corpo e insatisfações com ele, o fato de sentir que ainda não realizou nada socialmente importante, a sensação de que não irá conseguir namorar, casar ou trabalhar, e outras inseguranças por não conhecer seu verdadeiro potencial, acabam sendo projetadas no outro em forma de queixas.
Aprendendo com os erros
A empresária Adrielly Koller, de 31 anos, ouve as reclamações da filha diariamente. Letícia Koller Conradi, de 9, está na fase da pré-adolescência e sempre acha que tudo é chato ou tem defeito. Com opiniões sempre contrárias ao restante da família, a menina tem o mesmo comportamento notado em suas amigas.
“Agora os motivos principais são as roupas, sapatos e acessórios. Não posso comprar nada sem a opinião dela, senão ela não usa, fala que tá apertado, feio ou que os amigos vão rir dela”, comenta a mãe explicando que nos passeios em família, a partir do momento que a menina termina de fazer as coisas que lhe convém, ela quer ir embora e começa a reclamar. “Ela faz isso até tirar toda nossa paciência. Quando chega em casa vai para a tevê ou celular, ou seja, fazer nada”, diz Adrielly.
A mãe acredita que, além de ser típico da pré-adolescência e de Letícia ter uma personalidade forte e decidida, reconhece que a filha também puxou um pouco do seu jeito. Para amenizar as situações, ela e o marido têm dado espaço à opinião da filha e quando é necessário dizer não, eles explicam o motivo.
“Às vezes tem choro, briga e quando ela reluta e mesmo assim não aceita nossa opinião, deixamos ela fazer o que acha melhor. Na maioria das vezes dá errado, então conversamos e explicamos porque deixamos isso acontecer”, diz Adrielly. “Assim ela vê que nem sempre tudo o que imagina é certo, que quando ela crescer nem tudo vai ser do jeito dela e que a vida lá fora de casa é muito pior”, declara.
Equilíbrio é o segredo
Segundo Vera, a queixa é importante, pois não se pode aceitar tudo da maneira como é apresentado e é necessário se posicionar. Porém, também é preciso aprender a aceitar determinadas coisas. O ponto principal é o equilíbrio. Tatiana concorda e salienta que é preciso reclamar algumas coisas, mas também ser grato. “Se enxergarmos sempre o copo meio cheio, teremos mais disposição para lidar com a parte meio vazia. Com certeza a postura dos pais é fundamental para isso e uma família que exercita a gratidão diariamente ensinará seus filhos a fazer o mesmo”, destaca.
As especialistas dão dicas de como compreender e lidar com as reclamações:
– Os pais devem observar o seu próprio comportamento para identificar se estão sendo um modelo para as reclamações.
– Ouvir é fundamental. Os pais podem fazer uma lista das reclamações para identificar o que o filho realmente deseja comunicar. Se a queixa é sobre a escola, por exemplo, será que ele está com dificuldades em alguma matéria? Ou precisa aprender a se relacionar melhor com os colegas?
– Os filhos precisam aprender a se comunicar de maneira assertiva e a mudança deve partir dos pais. Quando houver uma reclamação, pergunte: o que você gostaria que acontecesse ou que fosse diferente? Com o tempo, eles aprenderão a se expressar sem reclamar.
– Mesmo que o filho continue reclamando, os pais não devem ceder após alguma correção. Se isso acontecer, a mensagem que será passada é que é possível conseguir o que quer por meio de reclamações.
– As queixas devem ser avaliadas e o diálogo é essencial. Algumas questões, como o estudo, por exemplo, não são negociáveis e a criança ou adolescente vai ter que aprender a lidar com as frustrações.
– Ensinar os filhos a se posicionar diante dos desafios da vida é crucial. Eles precisam saber que existem situações que ninguém poderá resolver por eles e terão que enfrentá-las. Em outros casos, devem ter consciência que reclamar é um direito.
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Fonte: semprefamilia.com.br