Via @consultor_juridico | Para o ministro Rogerio Schietti, do Superior Tribunal de Justiça, os casos de entrada em domicílio por policiais que não têm autorização judicial, nem fundadas razões, acentuaram-se em recorrência e gravidade, a ponto de justificar até a responsabilização civil e penal dos agentes.
A ponderação foi feita nesta terça-feira (2/4), durante julgamento em que a 6ª Turma do STJ, por maioria de votos, anulou as provas decorrentes de mais uma invasão à casa de uma pessoa suspeita de praticar tráfico de drogas.
O caso tem divergência de versões. A polícia diz que fazia patrulha quando o suspeito se assustou e correu para dentro de uma casa, momento em que atirou um pacote que acabou apreendido e tinha 62 pinos de cocaína.
O suspeito, por sua vez, alega que estava aguardando na porta de casa por entrega de comida quando foi abordado e agredido pelos policiais, devido ao seu histórico criminal. Ele diz que tocou a campainha de casa, mas acabou fugindo pelo muro do vizinho para escapar das agressões.
A maioria do colegiado entendeu que, na dúvida entre as versões, deve prevalecer a do suspeito. Relator da matéria, o ministro Sebastião Reis Júnior destacou que a polícia poderia produzir prova em seu favor se os agentes estivessem com câmeras acopladas aos uniformes.
O ministro Schietti aproveitou o momento para fazer uma súplica aos governadores, chefes de polícia e secretários de segurança para que adotem o uso desse equipamento. E, então, levantou a possibilidade de responsabilização dos PMs que invadem casas alheias.
Cadê a bodycam
“O que temos visto é que, salvo um ou outro estado, a maioria continua, alguns até se vangloriando disso, a não introduzir essa prática administrativa. O resultado é essa enxurrada de Habeas Corpus que tem chegado ao STJ”, disse Schietti.
Como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico, a corte anulou provas por invasão de domicílio em 959 processos apenas em 2023. Em parte deles, a justificativa dos policiais é de que receberam a autorização do morador.
“Convenhamos, é bem improvável que uma pessoa abra as portas da sua residência para policiais militares vasculharem o interior à procura de drogas”, afirmou o ministro.
A manifestação se baseou no precedente que mudou a jurisprudência do STJ sobre o tema: o HC 598.051, julgado em 3 de março de 2021. Nele, a 6ª Turma decidiu que a autorização do morador para o ingresso de policiais em casa deve ser comprovada pela polícia.
A decisão deu prazo de um ano para o aparelhamento das polícias, o treinamento dos agentes e demais providências necessárias para evitar futuras situações de ilicitude, como a registrada no caso julgado.
Essa determinação foi derrubada por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, ainda em dezembro de 2021. Ele atendeu a recurso do Ministério Público de São Paulo e entendeu que o STJ extrapolou a própria competência ao criar obrigação às PMs.
“Já passou da hora de governos estaduais se empenharem efetivamente na implementação desse recurso no uniforme dos policiais. Já temos, até agora, dois anos de omissão (desde o precedente do STJ)”, afirmou Schietti.
“Isso fere a cidadania, fere a transparência dos atos administrativos, com reflexos importantes nos tribunais, que se veem assoberbados de Habeas Corpus discutindo um tema que poderia ser resolvido se tivéssemos a documentação segura transparente sobre diligencias policiais.”
Abuso de autoridade
No precedente citado, a 6ª Turma do STJ fixou que, além da ilicitude das provas, a violação a essas regras e condições legais e constitucionais para o ingresso no domicílio pode gerar eventual responsabilização penal dos agentes públicos que tenham promovido a diligência.
Essa possibilidade já foi explorada pelo ministro Messod Azulay, na 5ª Turma, como mostrou a ConJur. Ele remeteu casos ao Ministério Público competente em situações de ilicitude na entrada em domicílio feita por agentes das forças de segurança.
Nesses processos, o ministro tem observado a possibilidade da prática do crime do artigo 22 da Lei de Abuso de Autoridade (Lei 13.869/2019), de “invadir ou adentrar, clandestina ou astuciosamente, ou à revelia da vontade do ocupante, imóvel alheio ou suas dependências”.
E também do crime do artigo 23, inciso II, da mesma lei, que tipifica o ato de “omitir dados ou informações ou divulgar dados ou informações incompletos para desviar o curso da investigação, da diligência ou do processo”.
“Talvez esteja chegando a hora de começar a responsabilizar até penalmente quem viola domicílio alheio sob a alegação de que houve consentimento do morador, quando isso não é comprovado de forma efetiva. Talvez precisamos pensar a respeito, porque isso já consta como alerta no HC 598.051”, disse o ministro Schietti.
Divergência
A nulidade das provas no caso concreto foi declarada por maioria de votos. Além do relator e de Rogerio Schietti, votou nesse sentido o desembargador convocado Jesuíno Rissato.
Ficou vencido o ministro Antonio Saldanha Palheiro, para quem a atuação policial foi lícita. Em sua análise, até o suspeito confirmou que, ao ver a polícia, empreendeu fuga, o que autoriza a ação dos PMs.
“No caso temos duas versões. A versão da polícia diz que ele teria arremessado um pacote quando fugiu. Se não estivesse com flagrante, não teria por que fugir. Ao ver a polícia e fugir, a abordagem se legitima, ao meu sentir.”
- REsp 2.101.494
Danilo Vital
Fonte: @consultor_juridico