Redes de varejo decidiram parcelar o pagamento de itens típicos da Páscoa, como ovo de chocolate, bacalhau, azeites, bolos, espumantes, vinhos, chocolates e brinquedos.
Tudo pode ser dividido no cartão de crédito — e sem juros. Os prazos vão até dez vezes. Isso significa que quem optar por essa forma de pagamento vai quitar a última parcela do ovo de Páscoa só depois do Natal.
Endividamento e inadimplência do consumidor, somados aos preços dos alimentos ainda em alta, explicam a investida das lojas em prazos mais longos para impulsionar as vendas na data.
A Americanas, por exemplo, que antes do pedido de recuperação judicial no início de 2023 se posicionava no mercado como a responsável pela maior Páscoa do mundo, está parcelando em dez vezes, sem acréscimo, as compras de ovos de Páscoa, chocolates e brinquedos importados, como coelhinhos de pelúcia.
Essa condição é para as compras nas lojas físicas e prevê que o valor mínimo dos itens adquiridos some R$ 199. O parcelamento pode ser em todos os cartões de crédito, informa a empresa.
O Carrefour, a maior rede de supermercados do país em vendas, também divide em até dez vezes sem juros, no cartão próprio, os ovos de chocolate. A condição é que a parcela mínima seja de R$ 9,90. No entanto, para produtos como azeite e bacalhau, o prazo de parcelamento oferecido é menor, de até seis vezes sem juros e no cartão da própria loja.
Segundo a empresa, o parcelamento não é novidade. “Há mais de cinco anos o Carrefour oferece a possibilidade de parcelamento de compras para Páscoa”, diz a nota.
O GPA, controlador das redes Pão de Açúcar e Extra Mercado, informa que incluiu no parcelamento chocolates, ovos de Páscoa, bolos, sobremesas geladas, azeites, vinhos, bacalhau e o menu de almoços de Páscoa prontos, disponíveis na rotisserie das duas redes. Ao dividir o pagamento das compras nas lojas em São Paulo, o grupo espera crescer 20% as vendas de chocolates e pescados, informa em nota.
Na bandeira Pão de Açúcar, é possível dividir o pagamento em até quatro vezes sem juros, com parcela mínima de R$ 100, no cartão Pão de Açúcar. Já no Extra, o parcelamento vai até seis vezes sem juros no cartão da bandeira e em três vezes nos demais cartões. A parcela mínima é de R$ 100.
Por que as empresas mudaram de estratégia
A estratégia do comércio de parcelar o pagamento por prazos longos para itens de Páscoa atende ao desejo do consumidor. Pesquisa nacional feita no mês passado pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), em parceria com SPC Brasil, revela que o brasileiro quer mais prazo para ir às compras na Páscoa deste ano.
Segundo a enquete on-line que consultou quase mil consumidores, aumentou de três para quatro o número médio de parcelas para pagamento demandado pelos consumidores para as compras de Páscoa, entre 2023 e 2024. De acordo com a pesquisa, o maior aumento por parcelamento está nos prazos mais longos.
Na pesquisa de 2023, por exemplo, 9,3% dos entrevistados informaram que optariam por dividir o pagamento em cinco vezes. Neste ano, essa fatia subiu para 12,6%, com alta de 3,3 pontos porcentuais. Já o parcelamento em seis vezes ou mais era a opção de parcelamento de 13,9% dos entrevistados no ano passado. Neste ano, essa faixa subiu para 15,7%.
Apesar de a inflação geral do país ter perdido fôlego nos últimos meses, o nível elevado de preços dos itens de Páscoa, como chocolate e azeite, por exemplo, são alguns dos fatores que explicam, segundo Daniel Sakamoto, gerente executivo da CNDL, a maior procura por prazos mais longos de pagamento.
Segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)-15, a prévia da inflação oficial do país, em 12 meses até março o preço do azeite subiu quase 50% (46,43%), informou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Levantamento da Fundação Procon de São Paulo revela que o preço médio do quilo dos bombons subiu 8,30% na Páscoa deste ano, em relação ao ano passado. No caso dos tabletes, a alta foi 8,30% no mesmo período. Já o quilo dos ovos de chocolate está 15,52% mais barato.
Segundo análise da plataforma de mercados financeiros Investing.com, os ovos de Páscoa foram provavelmente produzidos quando a cotação do cacau para os contratos com vencimento em novembro e dezembro variavam entre US$ 3,5 mil e US$ 3,8 mil por tonelada na Bolsa de Nova York. A plataforma afirma que, há um ano, o contrato futuro de cacau era negociado em torno de US$ 2,9 mil por tonelada. Mas, na última segunda-feira, 25, o contrato futuro de cacau com entrega prevista para maio fechou a US$ 9,6 mil por tonelada.
A disparada de preços do azeite e do cacau é reflexo das adversidades climáticas provocadas nas regiões produtoras por causa do fenômeno do El Niño. Costa do Marfim e Gana são os maiores produtores globais de cacau, com aproximadamente 60% da oferta, escrevem em relatório os analistas da plataforma. Seca seguida de excesso de chuvas prejudicaram a produção da commodity.
Para Sakamoto, da CNDL, existe uma dicotomia entre o cenário macroeconômico e as finanças pessoais dos brasileiros. Isso explica a maior procura por parcelamento de prazos mais longos, chegando até aos alimentos.
“Do ponto de vista macroeconômico, o cenário hoje está melhor do que no ano passado, os juros estão mais baixos, a inflação está sob controle, o desemprego está caindo”, observa. No entanto, as finanças das famílias continuam apertadas, pondera o gerente da CNDL.
Segundo a entidade, há hoje no país 66,6 milhões de brasileiros inadimplentes — ou 40% da população adulta do país. “Estamos há quase um ano num patamar acima de 60 milhões de inadimplentes, com variações sazonais bem pequenas”, diz Sakamoto. Também o endividamento das famílias está elevado: é maior, em relação ao ano passado, e subiu 0,5% de fevereiro para março deste ano, de acordo com pesquisas da CNDL.
É exatamente nesse contexto que o parcelamento com prazos longos traz um alívio para as famílias. No entanto, na opinião de Sakamoto, isso acaba sendo uma armadilha para o consumidor a médio prazo.
“Sabemos que grande parcela da população não tem boa educação financeira”, diz ele, ao lembmrar que boa parte faz apenas a conta se o valor da prestação cabe no bolso, mas não considera o acréscimo dos juros no valor total. Ele afirma acreditar que isso pode gerar uma roda negativa na economia.
Como há pessoas com pouco dinheiro no bolso e que não querem deixar de comprar nas datas comemorativas, elas acabam se endividando cada vez mais. “Certamente tem muita gente ainda pagando as compras do Natal que daqui a pouco estará fazendo a compra do presente do Dia das Mães também parcelada.”
Revista , com informações da Agência Estado
Fonte: revistaoeste