Após a introdução alimentar, algumas crianças deixam de comer determinados tipos de comida, chegando a restringir consideravelmente os alimentos que ingerem. Isso pode ser sinal do transtorno alimentar restritivo evitativo, que é o assunto de hoje. Na próxima sexta-feira (12), para encerrarmos nossa série, trataremos sobre o tratamento dos transtornos alimentares.
Medo, aversĂŁo, pavor e atĂ© nojo de alguns alimentos que chegam a impedir alguĂ©m de conhecer novos sabores, pode ser comum de ser observado em algumas pessoas, principalmente nas crianças e adolescentes. PorĂ©m, quando a evitação e restrição causam prejuĂzo e sofrimento ao indivĂduo, inclusive para sua famĂlia, podemos nos deparar com um transtorno alimentar, o TARE âtranstorno alimentar restritivo evitativo.
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Isso quem alerta Ă© o psiquiatra Glauber Higa Kaio, mestre em transtornos alimentares pela Unifesp. Ele explica que o paciente pode ter um desinteresse pela comida e falta de prazer em saborear um alimento, pode evitar ingerir algo devido ao cheiro, temperatura, textura, sabor e aparĂȘncia. E hĂĄ quem evite se alimentar por medo das consequĂȘncias fĂsicas ou emocionais, como se engasgar, ficar enjoado, vomitar ou ter uma reação alĂ©rgica.
Essa sĂ©rie de fatores impossibilita que o paciente experimente novas comidas, apresentando uma grande dificuldade na adaptação social com as mudanças alimentares. âEle sĂł come o frango que a mĂŁe faz, sĂł bebe o iogurte de determinado rĂłtulo, nĂŁo se alimenta fora de casa ou atĂ© mesmo sĂł ingere batata fritaâ, exemplifica Priscilla Leitner, psicĂłloga especialista em transtornos alimentares.
Nesses casos, insistir em novos alimentos nĂŁo Ă© uma boa ideia, destaca ela. âForçar que o paciente se alimente pode agravar o quadro, tornando-o mais rĂgido e restringindo mais ainda os alimentos que ingereâ, conta a especialista, ao informar que a obsessividade Ă© bastante presente nas pessoas com o transtorno.
MĂșltiplos fatores podem acarretar no transtorno alimentar
AlĂ©m da obsessĂŁo, os pacientes com tal transtorno, segundo Priscilla, muitas vezes tambĂ©m tĂȘm dificuldade em serem flexĂveis, tendendo a uma personalidade mais rĂgida, sistemĂĄtica ou metĂłdica. Por esse motivo, entende-se que as causas que contribuem para o aparecimento do TARE, assim como em todos os transtornos alimentares, sĂŁo multifatoriais. âUm sĂł fator nĂŁo leva ao transtorno alimentar. SĂŁo questĂ”es genĂ©ticas que interagem com fatores ambientais, psicolĂłgicos, biolĂłgicos e sociaisâ, ensina Higa Kaio.
AlĂ©m disso, o mĂ©dico complementa que viver algum trauma com a comida ou ao se alimentar, como por exemplo, se engasgar com algum alimento ou ter alguma reação alĂ©rgica, tambĂ©m pode ser um gatilho para o transtorno. âPara fecharmos o diagnĂłstico, avaliamos no consultĂłrio toda sua histĂłria, mesmo no paciente adulto, desde sua gestação, introdução alimentar, cirurgias, traumas ou atĂ© mesmo doenças como amidalites ou problemas de gargantaâ, complementa Priscilla.
E, por conta do componente genĂ©tico, Priscilla desenvolveu um teste genĂ©tico do TARE, em conjunto com o Instituto de Pesquisa do Comportamento Alimentar de Curitiba â IPCAC, capaz de avaliar a sensibilidade e percepção do paladar dos pacientes. âNĂŁo fazemos em todos os pacientes, devido ao alto custo, jĂĄ que apĂłs coletada a saliva, o DNA Ă© sequenciado em Israel. PorĂ©m, o exame Ă© interessante para complementar o diagnĂłstico, que Ă© clĂnicoâ, explica a especialista.
Além do paciente, o tratamento deve ser familiar
Embora seja um transtorno mais difĂcil de ser encontrado, os prejuĂzos fĂsicos, emocionais e sociais sĂŁo considerĂĄveis aos pacientes, tornando imprescindĂvel o tratamento. Assim como nĂŁo adianta forçar ou insistir, deixar uma criança com o transtorno sem comer nĂŁo Ă© uma solução.
Priscilla explica que o paciente com TARE nĂŁo come e pode, inclusive, desenvolver doenças por conta da pressĂŁo exercida pela famĂlia, seja pela perda de peso, gastrite nervosa, constipação e outras relacionadas Ă monotonia alimentar.
Higa Kaio explica que, por ingerirem poucos alimentos, os pacientes podem ter desnutrição e falta de ganho de altura e peso, alĂ©m da diminuição de sua energia. âTambĂ©m, o isolamento social, causado pela dificuldade em participar de eventos sociais, e a alteração de humor podem gerar angĂșstia e estresse do paciente e da sua famĂliaâ, completa ele.
Por isso, o tratamento engloba medidas psicoeducativas com os pais e cuidadores, inclusive terapia familiar, alĂ©m das tĂ©cnicas cognitivo-comportamentais com o paciente. âJunto do acompanhamento mĂ©dico, o tratamento pode envolver psicĂłlogos, nutricionistas e fonoaudiĂłlogos. Os medicamentos sĂł sĂŁo utilizados nos casos em que hĂĄ outros transtornos mentaisâ, alerta Higa Kaio.
Para facilitar o acesso ao tratamento, Priscilla desenvolveu o protocolo TARE que, junto com uma equipe multidisciplinar, oferece um acompanhamento online para a famĂlia, alĂ©m das consultas de orientação, minimizando os impactos da doença nos pacientes.
Seletividade natural Ă© a mesma coisa?
Ă comum encontrarmos crianças com dificuldades para se alimentar. Alimentos com sabores amargos e azedos podem nĂŁo ser interessantes, da mesma forma que os pequenos podem ter medo de comer alimentos desconhecidos. E isso, pode ser uma forma de proteção, âpois senĂŁo, elas iriam comer o que achassem que fosse interessante pela frente, mesmo coisas que nĂŁo sĂŁo comestĂveisâ, explica Higa Kaio.
Por conta do prĂłprio ajuste sensorial do paladar e da neuro adaptação, Ă© natural ao desenvolvimento infantil a fase da seletividade. Contudo, a recusa frequente da ingestĂŁo alimentar Ă© transitĂłria e nĂŁo traz consequĂȘncias danosas para o indivĂduo. Assim, quando a seletividade persiste por muito tempo e gera um sofrimento para o paciente, que tem dificuldade de comer mesmo com fome, vale a pena procurar atendimento profissional especializado, concluem os especialistas.
Fonte: semprefamilia.com.br