“Fiquei mais de 20 dias sem andar. Não conseguia segurar uma colher na mão. Só ficava deitada, meu corpo doía muito, estava com febre e repleta de manchas avermelhadas com pus e não tinha forças para levantar da cama”, esse é o relato de Cláudia Michel, de 55 anos, sobre uma crise de Psoríase Pustulosa Generalizada, a PPG, uma doença autoimune rara e grave que pode levar a morte e é caracterizada por pequenas bolhas com pus (pústulas) que se espalham pelo corpo.
A doença afeta pessoas de todas as idades. Na Cláudia, os sintomas começaram na infância aos sete anos. Conforme o tempo foi passando as lesões na pele se agravavam.
“Tinha febre e anemia e os exames mostravam falta de ferro, de potássio, vitamina A. Tomei muito remédio e mesmo assim fiquei internada sete vezes”.
O diagnóstico só foi fechado em 1998 quando ela tinha 20 anos. “Naquela época pouco se sabia sobre essa doença, demorei muito para começar a fazer o tratamento certo”, explica.
Assim como Cláudia, muitas pessoas que têm a doença levam anos para chegar a um diagnóstico preciso e, consequentemente, o tratamento adequado.
Tem situações que o paciente procura um pronto socorro durante a crise e como os sintomas podem ser confundidos com reação alérgica, infecção ou outras condições a pessoa pode ser tratada de maneira inadequada o que pode agravar ainda mais o quadro de saúde.
No Brasil, a estimativa é de que 9 em cada 1 milhão de pessoas sofram de PPG. O que se sabe é que a doença é hereditária com pré-disposição genética que o paciente herda da família.
A pessoa pode desenvolver a PPG ao longo da vida e vai depender de fatores como: sedentarismo, obesidade, tabagismo e de gatilhos como: retirada de corticoide, infecção, gravidez, estresse, substâncias que causam irritação na pele, luz solar.
Cláudia percebeu que quando estava emocionalmente abalada tinha crises fortíssimas. “Quando meu pai internou para tratar o câncer eu fiquei internada por dois meses. Após o término de um noivado também, outra internação de meses”.
O diagnóstico da PPG é clínico, no consultório, porém em alguns casos é feita a biópsia que é um exame que tira um pedacinho da pele com lesão e esse material é enviado para o laboratório. Com o resultado positivo, o desafio dos médicos é encontrar o tratamento ideal já que cada caso é um caso.
As lesões da PPG aumentam a chance de infecção e causam o comprometimento sistêmico. O corpo começa a responder com uma inflamação, que gera complicações pulmonares, cardiológica, hepática e renal explica a médica dermatologista Ivana Nascimento Garcia de Santana, chefe do setor de Dermatologia do Hospital Universitário Júlio Müller em Cuiabá – MT.
Entre os sintomas estão: vermelhidão na pele, fadiga, náusea, perda de apetite, dores nas articulações, e bolhas espalhadas pelo corpo. Os pacientes relatam queimação, ardência e coceira.
A dermatologista alerta que apesar da psoríase não ser contagiosa leva o paciente ao isolamento devido ao preconceito.
“As pessoas acham que vão se contaminar e se afastam. É comum casos de depressão e ansiedade justamente pelo distanciamento do convívio com outras pessoas. E não para por aí, o impacto psicológico é muitas vezes devastador. As bolhas dão a sensação de asco, nojo da própria pele e a situação é agravada pelo odor já que quando as bolhas estouram surgem feridas. Muitas vezes o paciente tem crises de raiva, tem medo de não melhorar, medo de ficar com marcas pelo corpo, medo de não acabar nunca e tudo isso gera angústia entre outros sentimentos já que não tem como prever uma crise e nem a duração”, explica.
Existem vários tipos de psoríase a mais comum é a em placas ou vulgar e pode ser grave. Apresenta manchas avermelhadas com escamas esbranquiçadas que podem coçar e doer.
Enzo Gomes Silva de 11 anos, tinha 6 quando apareceu uma mancha na mão. À princípio a mãe, Lucilene Gomes Silva, de 41 anos, achava que fosse algo simples como: bicho geográfico, alergia ou até mesmo uma micose.
Ela marcou uma consulta particular com uma pediatra. A médica examinou a lesão e devolveu o dinheiro já que não sabia do que se tratava. Lucilene que mora em Pontes e Lacerda município de Mato Grosso que fica à 445 km de Cuiabá foi até a cidade de Cáceres para o filho passar com uma dermatologista que receitou um medicamento.
Dias depois, o corpo ficou repleto de manchas e feridas ele não conseguia andar. Ele coçava e as lesões viravam feridas e estavam em todas as partes do corpo exceto no rosto.
“Na hora de tomar banho ardia, queimava e coçava muito. Eu não conseguia ficar em pé. Minha mãe levava uma cadeira para o banheiro para que eu ficasse sentado. A sensação da água caindo nas feridas era como se tivessem me queimando”, explica Enzo.
Quando a mãe viu o filho naquelas condições se desesperou e foi nesse momento que se surpreendeu com a solidariedade. Os moradores se uniram juntaram dinheiro e deram para a professora levar o filho a um médico dermatologista em São José do Rio Preto, interior de São Paulo.
Foi lá que recebeu o diagnóstico: Psoríase Vulgar Grave. “Receber o diagnóstico foi doloroso e ao mesmo tempo libertador. Eu sabia que meu filho teria o tratamento adequado, porém dava medo saber que por se tratar de uma doença autoimune o emocional dele conta muito no controle ou gravidade da doença”, desabafa a mãe.
Preconceito e isolamento
A mãe revela que o filho sofreu e ainda sofre muito preconceito e se emociona ao relatar o caso. “Na escola, as crianças não ficavam perto dele achavam que era uma doença contagiosa. Eu precisei pedir um laudo para a médica para levar na escola e fazer uma reunião com os pais para dizer que não era transmissível mesmo assim muitas crianças não chegavam perto dele”.
Com medo de ser rejeitado, Enzo começou a se isolar. Ele evitava festinhas, mas tinha uma que queria muito participar: a quadrilha de São João da escola. A menina que ia fazer par com ele pediu para que ele usasse uma camisa de manga comprida para “cobrir as lesões”, como ele não fez isso devido ao calor, ela não dançou com ele.
Nesse momento, a mãe descobriu o motivo dele não ter dançado e não conseguiu segurar as lágrimas. “Eu sei que ele sofre muito preconceito e que não conta para ela para que não fique triste esse episódio da quadrilha eu não sabia”.
Psoríase vulgar + artrite psoriásica
Riquelme de França Queiroz de 8 anos, tinha 6 anos, quando dois dedos das mãos começaram a inflamar bem na região das unhas. A mãe, Elayne Patrícia de França de 32 anos, achava que era por causa que o filho roía as unhas. Até que percebeu que poderia ser alguma inflamação ou algo mais grave já que não melhorava.
Ela é manicure, enquanto atendia uma cliente comentou sobre o problema do filho, por coincidência a cliente era médica e já deu dois caminhos do que poderia ser: dermatite ou psoríase e já orientou a procurar o Hospital Júlio Müller que é referência no tratamento de psoríase pelo SUS em Mato Grosso.
Ela conseguiu passar o filho com a médica e após vários exames, o diagnóstico: Psoríase Vulgar e Artrite Psoriásica, que é uma forma de artrite que afeta pessoas que possuem psoríase.
A maioria dos pacientes desenvolve psoríase primeiro e depois a artrite, mas em alguns pacientes a artrite pode começar antes das lesões de pele. Durante a consulta, Elayne entendeu que os dedos ficaram inchados e avermelhados devido a artrite o que explica também as dores nas articulações.
A primeira crise do menino veio logo após uma brincadeira em que Enzo bateu o pé na calçada e machucou o dedão. Em poucos dias, os pés estavam repletos de feridas e descamando assim como as mãos e os joelhos. Ele não conseguia andar. A mãe teve que carregá-lo nos braços para levar aos médicos; dermatologista e reumatologista.
“Nessa época eu não conseguia andar e nem brincar com ninguém, meu corpo doía muito, estava sempre no colo da minha mãe, foi muito ruim”, revela Enzo. Por causa da gravidade ele ficou um mês de repouso sem ir à escola. Com o tratamento adequado, foi melhorando aos poucos.
Enzo não anda descalço já que a pele dos pés é sensível. Ele está sempre de meia e com um calçado macio. Assim como a Lucilene, a Elayne também foi à escola conversar com a diretora e os pais dos alunos para que tivessem total atenção e não pisassem nos pés do Enzo.
No início do tratamento Enzo tomava seis remédios, agora diminuiu para quatro e usa loções, pomadas e toma uma vacina de alto custo a cada 15 dias.
Para evitar futuras crises, a mãe colocou o filho para fazer sessões de terapia com uma psicóloga para aprender a lidar com as frustrações, preconceito e trabalhar o controle emocional.
De acordo com a dermatologista Ivana Nascimento, para conseguir uma vaga para tratar doenças de pele no HUJM pelo SUS, o primeiro passo é se consultar com clínico geral numa Unidade Básica de Saúde, que vai dar o encaminhamento para passar com especialista e depois apresentar o documento na central de regulação e aguardar o agendamento.
Atualmente, tem cerca de 100 pacientes no Estado em tratamento contra psoríase de todos os tipos. A estimativa é que tenha muitos casos que ainda não receberam o diagnóstico preciso.
A médica reforça que a doença não tem cura, porém é possível ter qualidade de vida com o tratamento.
No Brasil, há tratamentos tópicos que são pomadas e imunobiológicos que são terapias de última geração ofertados pelo SUS. Os planos privados de saúde também são obrigados a oferecer imunobiológicos, sem custo algum, aos pacientes com psoríase grave quando os demais tratamentos não dão resultado. Quanto mais informação a população tiver menos preconceito.
“Antes de julgar uma pessoa, conheça a história. O que dói não é a doença em si, e sim, o preconceito”, diz Lucilene Gomes Silva.
“Quando você ver uma pessoa cheia de machucados e se afastar com medo de ser contagioso, busque entender se aquilo é transmissível”, finaliza Enzo Gomes Silva.
Fonte: primeirapagina