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Ciência & Saúde

Descoberta: Quase 90% das estrelas de nêutrons têm núcleos de quarks!

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Uma estrela comum, como o Sol, funde hidrogênio em seu núcleo. A fusão libera a energia que nos aquece e essa mesma energia faz força para fora e impede que a estrela entre em colapso sob a força da própria gravidade. Haja peso: o Sol tem mais de 300 mil vezes a massa da Terra.

Um buraco negro é o que acontece quando uma estrela muito grande não consegue liberar energia o suficiente para evitar a gravidade.

Ela desaba sob si mesma e vai se compactando até formar uma singularidade: um pontinho de densidade infinita, em que toda a massa do astro está concentrada em espaço nenhum (isso segundo as contas da Relatividade os físicos ainda não têm um arcabouço teórico que dê conta de explicar o que realmente ocorre lá dentro).

Existe um estágio intermediário entre estrela e buraco negro. Um astro com um grau de compactação bizarramente alto, mas ainda não infinito, que os astrofísicos chamam de estrela de nêutrons.

Uma caneca do material que forma esse tipo de estrela pesa o mesmo que o Everest. Por isso, esses astros são minúsculos para os padrões astronômicos. Tratam-se de bolas do tamanho de cidades (uns 30 km de diâmetro), mas com o peso de dois sóis.

O que nos leva à novidade: uma análise teórica realizada por pesquisadores da Universidade de Helsinki, na Finlândia publicada no final de dezembro no periódico especializado Nature Communications mostra que há uma boa chance do núcleo das estrelas de nêutrons ser formado por uma substância assaz bizarra chamada matéria de quarks.

Essa é uma ideia que circula no meio acadêmico desde a década de 1980, e um dos maiores nomes da pesquisa em matéria de quarks é uma astrofísica brasileira, Angela Olinto que hoje é reitora da Divisão de Ciências Físicas da Universidade de Chicago. Em 2022, a Super fez uma matéria completa sobre Angela e seu trabalho, leia o texto aqui.

Vamos entender a conclusão passo a passo:

O que é uma estrela de nêutrons?

As estrelas assim como seu corpo, sua comida, sua casa e todo o resto que você pode ver e tocar são feitas de átomos. Átomos, por sua vez, consistem três partículas menores: prótons (carga elétrica positiva), nêutrons (carga elétrica neutra) e elétrons (carga elétrica negativa).

Os prótons e nêutrons são mais pesados e formam o núcleo do átomo. Já os elétrons são praticamente desprovidos de massa, e se comportam como uma nuvenzinhas que flutuam em torno do núcleo. São nuvenzinhas de probabilidade quântica, mas não precisamos entrar nessa minúcia.

Os elétrons ocupam muito espaço no átomo, mas praticamente não têm massa. Se você ampliasse um átomo real até o núcleo alcançar o tamanho de uma cabeça de alfinete, o volume ocupado pelos elétrons seria do tamanho do Maracanã. Quase toda a massa, porém, permaneceria concentrada na cabeça de alfinete.

Existe algo chamado “princípio da exclusão de Pauli”. Ele diz de maneira simplificada, que um életron não pode se meter na nuvenzinha quântica do outro. Essas partículas forçosamente permanecem separadas; há uma barreira invisível impedindo que uma se enfie no espaço reservado à outra.

Esse princípio garante que os Maracanãs de espaço eletrônico permaneçam cercando os núcleos dos átomos. O que significa, por tabela, que esse princípio é o responsável pela a existência do mundo como o conhecemos, em que objetos e pessoas não atravessam outros objetos e pessoas.

Quando a gravidade de uma estrela é forte o suficiente (e seu núcleo não está gerando energia o bastante para contê-la e sustentar o astro), chega um estágio em que os prótons e elétrons dos átomos acabam se fundindo sob a pressão. A carga positiva de um cancela a negativa do outro e eles se tornam nêutrons.

Nessa hora, sem elétrons, os átomos perdem a maior parte de seu tamanho. Os Maracanãs evaporam. Não se perde, porém, quase nenhuma massa já que o ex-átomo agora está concentrado todo no núcleo, naqueles nêutrons que nasceram a partir da fusão de elétrons e prótons.

É por isso que as estrelas de nêutrons conseguem concentrar um Everest em uma caneca. É como se houvesse formatos de arquivo diferentes para as coisas do mundo, e esse fosse o arquivo .RAR, sem o espaço perdulário que os elétrons ocupam.

Por causa desse grau absurdo de compressão, a superfície de uma estrela de nêutrons é 10 bilhões de vezes mais rígida que o aço e atinge até 1.000.000 °C – para fins de comparação, a superfície do Sol fica em 5.700 °C, 175 vezes menos.

Uma estrela de nêutrons, em suma, é um núcleo atômico gigante. Ela é feita da mesma matéria-prima que você.

O que é matéria de quarks?

Uma estrela de nêutrons é rodeada por uma fina camada de átomos de ferro, que sobrevivem com dificuldade à compactação. Para chegar ao neutrônio, a matéria de nêutrons, seria preciso escavá-la um pouquinho. Em 1984, um físico chamado Edward Witten sugeriu que, continuando a escavação hipotética, haveria algo ainda mais estranho no miolo do astro.

Os nêutrons e prótons que perfazem o núcleo dos átomos não são partículas realmente fundamentais. Eles são compostos de partículas menores chamadas quarks. Os quarks, sim, são indivisíveis. Não é possível separá-los em ingredientes menores.

Os quarks do nosso dia-a-dia vêm em dois tipos, o up e o down. Com dois quarks up e um down, você faz um próton. Com dois quarks down e um up, você faz um nêutron. Dentro das estrelas de nêutrons, é possível que os quarks abandonem esses trios caretas e se tornem uma única, imensa maçaroca de quarks livres. Woodstock.

Isso é matéria de quarks. Não adianta tentar descrevê-la: não há equipamento, em nenhum laboratório do mundo, capaz de gerá-la aqui na Terra. Conhecemos esse troço matematicamente e podemos calcular suas propriedades (como a densidade extrema), mas trata-se de algo muito distante da nossa realidade sensorial.

Agora, voltemos ao artigo científico recente. O que os pesquisadores de Helsinki fizeram foi calcular que a chance de que haja mesmo matéria de quarks no miolo das estrelas de nêutrons é altíssima; algo entre 80% e 90%. Vale lembrar que essa é só mais uma evidência a favor de uma hipótese antiga, e não uma conclusão inteiramente nova.

Para obter essa estatística, eles usaram um supercomputador. O que a máquina fez foi comparar dados observacionais, colhidos de estrelas de nêutrons de verdade, com predições teóricas de como podem ser essas estrelas por dentro – de modo a descobrir quais predições geram resultados mais parecidos com os de estrelas reais.

Outro avanço da equipe de Helsinki (que contou com colaboradores de outros países da Europa e dos EUA) foi bolar um jeito de tirar a hipótese da matéria de quarks do campo das simulações de computador e comprová-la a partir de evidências empíricas.

Para isso, eles precisarão usar dados coletados pelo observatório de ondas gravitacionais Ligo, que é capaz de detectar colisões entre duas estrelas de nêutrons ocorridas a bilhões de anos-luz da Terra. Os dados gerados por essas colisões têm potencial para, finalmente, confirmar uma ideia que fascina os astrofísicos desde 1984.

Aguardemos novas notícias!

Fonte: abril

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