Via @1machadomeyer | As garantias do devedor previstas na legislação federal são um tema que merece atenção especial dos profissionais de direito envolvidos com a atividade de recuperação de crédito. Discute-se, atualmente, no Superior Tribunal de Justiça (STJ) a possibilidade de estender a outros tipos de ativos a garantia da impenhorabilidade de valores até o limite de 40 salários mínimos depositada em caderneta de poupança. A regra está prevista no artigo 833, inciso X, do Código de Processo Civil (CPC).
O que se tenta definir, portanto, é se a impenhorabilidade pode ser aplicada também a valores em conta corrente, fundo de investimentos ou mesmo papel-moeda, desde que respeitado o limite de 40 salários mínimos.
Esse entendimento tem como premissa o artigo 1º, inciso III, da Constituição – o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana. Com base nesse princípio, impõe-se ao Estado e à sociedade o dever de proteger a integridade física, moral e material das pessoas e assegurar a elas a manutenção de recursos financeiros para garantir a sua subsistência e a de sua família.
O assunto vem sendo abordado pela Corte Especial do STJ no julgamento dos recursos especiais 1.677.144/RS e 1.660.671/RS (REsp 1.677.144/RS e REsp 1.660.671/RS), relatados pelo ministro Herman Benjamin. Os dois recursos foram pautados pela Corte Especial pela última vez em março deste ano, mas o julgamento foi adiado.
No caso analisado, a Fazenda Nacional recorreu dos acórdãos do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) que determinaram a liberação de valores inferiores a 40 salários mínimos bloqueados pelo sistema BacenJud. Os valores haviam sido penhorados pela Fazenda Nacional como pagamento de uma dívida tributária.
Para liberar a quantia, o TRF-4 argumentou que a cláusula de impenhorabilidade do artigo 833, inciso X, do CPC abrange todo e qualquer ativo financeiro, e não apenas os depositados em caderneta de poupança, desde que seja a única reserva monetária em nome do recorrente e ressalvado eventual abuso, má-fé ou fraude.
Por sua parte, a Fazenda Nacional argumentou a necessidade de se observar a norma prevista no artigo 4º do CPC, segundo o qual “as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”, ou seja, a satisfação do débito cobrado via judicial.
Tomando como base o artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal e os artigos 797, 824 e 831 do CPC, a Fazenda Nacional argumentou que a regra geral que orienta o processo judicial de execução é a busca pela satisfação do crédito do credor. Dessa forma, as exceções devem ser interpretadas restritivamente. Para o órgão, o entendimento do TRF-4 se contrapõe à jurisprudência da Corte Especial do STJ.
Em 2018, no julgamento dos Embargos de Divergência no Recurso Especial 1.582.475/MG (EREsp 1.582.475/MG), relatados pelo ministro Benedito Gonçalves, a Corte Especial decidiu que “só se revela necessária, adequada, proporcional e justificada a impenhorabilidade daquela parte do patrimônio do devedor que seja efetivamente necessária à manutenção de sua dignidade e da de seus dependentes”.
Mais recentemente, em abril deste ano, no julgamento dos Embargos de Divergência em Recurso Especial 1.874.222/DF (EREsp 1.874.222/DF), relatado pelo ministro João Otávio de Noronha, a Corte Especial do STJ também abordou o tema e reconheceu ser possível, em caráter excepcional, “relativizar a regra da impenhorabilidade das verbas de natureza salarial para pagamento de dívida não alimentar, independentemente do montante recebido pelo devedor, desde que preservado valor que assegure subsistência digna para ele e sua família”.
Apesar de o julgamento do EREsp 1.874.222/DF tratar de um caso relativo a verbas alimentares e, portanto, ter um caráter mais restrito, ele guarda relação com o tema discutido no julgamento do REsp 1.677.144/RS e do REsp 1.660.671/RS. Isso porque prevaleceu o entendimento de que o afastamento do caráter absoluto da impenhorabilidade das verbas de natureza salarial está condicionado apenas ao fato de a medida não comprometer a subsistência do devedor e de sua família, independentemente da natureza da dívida ou dos rendimentos do executado.
Para o ministro relator João Otávio de Noronha, a supressão da palavra “absolutamente” do caput do artigo 833 do CPC – expressão que existia no artigo correspondente do CPC/73 (artigo 649) – indica que a impenhorabilidade deve ser vista como algo relativo.
Com essa alteração no artigo do CPC atualmente em vigor – publicado em 2015 –, quis o legislador, segundo argumenta o ministro, que a impenhorabilidade “seja atenuada à luz de um julgamento principiológico, em que o julgador, ponderando os princípios da menor onerosidade para o devedor e da efetividade da execução para o credor, conceda a tutela jurisdicional mais adequada a cada caso, em contraponto a uma aplicação rígida, linear e inflexível do conceito de impenhorabilidade”.
É grande a expectativa de que, em breve, os recursos especiais 1.677.144/RS e 1.660.671/RS retornem à pauta. Caso o entendimento de que a impenhorabilidade é relativa se confirme, mais de 41 milhões de execuções pendentes no país serão impactadas. Com a vitória dessa tese, prevalecerá a norma fundamental do processo civil de satisfação do débito cobrado via judicial.
Fonte: @1machadomeyer