Desde 2018, cinco bairros de Maceió (AL) correm risco de afundar devido ao colapso das minas de sal-gema da Braskem, empresa petroquímica que explora a região. A situação se agravou nos últimos meses: mais de 60 mil pessoas deixaram suas casas, sob risco de desabamento.
O sal-gema é uma variação do sal de cozinha. Em vez do mar, sua extração acontece em poços subterrâneos, a mais de mil metros de profundidade. É um minério bastante usado na indústria química, na fabricação de produtos de limpeza e higiene.
Uma vez abertos, os poços precisam ser preenchidos com uma solução líquida – do contrário, a terra fica parecendo um queijo suíço, cheia de buracos – que enfraquecem o solo. É exatamente o que aconteceu em Maceió: esse líquido vazou – e tornou a região instável.
Não só: acredita-se que parte das minas da Braskem estejam em áreas de falha geológica, o que aumenta as chances de ruptura. A extração foi interrompida em 2019, mas o processo de afundamento do solo se intensificou nas últimas semanas.
Enquanto autoridades avaliam os riscos e investigam o problema (haverá uma CPI no Senado Federal sobre o caso), vale relembrar o episódio de Retsof, a maior mina de sal da América do Norte – que colapsou há quase 30 anos.
O desastre de Retsof
No Vale do Rio Genesse, a oeste do estado de Nova York, a extração de sal (tanto o de cozinha como o sal-gema) começou nos anos 1880, com a descoberta de jazidas a 300 metros de profundidade no condado de Livingston.
Em 1885, estabeleceu-se a Retsof Mine Company, criada por William Foster Jr. (“Retsof” é seu sobrenome escrito de trás para frente). Foster também fundou uma vila de trabalhadores por lá.
Nas décadas seguintes, Retsof se tornou a maior mina de sal dos EUA – e a segunda maior do mundo. Ela chegou a ocupar uma área de 26 quilômetros quadrados, empregar 325 pessoas e a faturar, na década de 1990, US$ 140 milhões por ano (valor atualizado pela inflação).
Mas tudo mudou em 12 de março de 1994. Às 5:43 da manhã, houve um tremor de magnitude 3.6 na escala Richter em Livingston (e que foi sentido a 480 quilômetros dali). Terremoto? Não: era a parte sul da mina de Retsof, que havia desabado.
Foi uma tragédia anunciada: na manhã anterior ao colapso, autoridades colocaram avisos de cuidado em uma rodovia próxima, devido a solavancos que surgiram na pista. E em novembro de 1993 (quatro meses antes), a parte de Retsof que desabou havia sido fechada por apresentar riscos potenciais.
Inicialmente, 22,5 mil metros quadrados de área cederam, a 365 metros de profundidade. O acidente abriu buracos, que fizeram com que a água subterrânea de aquíferos entrasse nas minas de sal a uma vazão de até 19 mil litros por minuto.
O contato da água com o minério criou uma salmoura (uma água bem salgada), que, com o tempo, contaminou os reservatórios de água potável da região. Ninguém se feriu, mas o tremor causos danos estruturais em algumas casas, além de abrir espaço para vazamentos de gases metano e sulfeto de hidrogênio na atmosfera.
Em abril de 1995, na região sul de Retsof, o epicentro do colapso, surgiu uma cratera com 60 m de diâmetro e 6 m de profundidade. Duas semanas depois, mais tremores – e o buraco aumentou para 180 m de diâmetro.
Enquanto as autoridades analisavam o problema, as atividades de extração se concentraram na parte norte de Retsof. O trabalho por lá continuou até setembro; em novembro, toda a mina já havia sido inundada.
Que fim levou?
Em 2006, empresa holandesa Akzo Nobel, administradora da mina, começou a bombear salmoura para fora de Retsof, numa tentativa de dessalinizar a área – e evitar que o aquífero ficasse ainda mais contaminado.
Em 2010, contudo, a Akzo iniciou um acordo com o Departamento de Conservação Ambiental de Nova York e com o condado de Livingston, sob a justificativa de que o esforço seria insuficiente. A empresa gastava US$ 1 milhão anuais com a dessalinização – mas levaria centenas de anos para extrair toda a salmoura dali.
Ficou combinado assim: a Akzo pagou US$ 20 milhões ao governo local. US$ 17 milhões seriam destinados a reparos e manutenções no sistema de água. Os outros US$ 3 milhões seriam usados para monitorar a água subterrânea.
Foi o suficiente? Após a confirmação do acordo, parte dos moradores se disse satisfeita com a quantia da Akzo; outros não. Um relatório sobre o caso, elaborado pelo Serviço Geológico dos EUA em 2013, sugere que o valor relativamente baixo se deve à abundância de água por lá.
Mas o documento também ressalta que isso é relativo. Afinal, eventos climáticos podem comprometer as reservas da região no futuro. E aí pode ter certeza: toda aquela água cheia de sal vai fazer falta.
Fonte: abril