Indicada ao Oscar em sua primeira atuação no cinema, a mexicana Yalitza Aparicio, 28, pode ser vista desde o último dia 16 em um papel inusitado: o de Lua. Não, não se trata de uma pessoa que se chama assim, mas do próprio satélite natural da Terra.
Na segunda temporada de “Los Espookys”, série que mistura terror de baixo orçamento e comédia de tons surrealistas, o astro vira conselheiro de Andrés (Julio Torres), um dos criadores da empresa que dá nome à série. Os novos episódios estão chegando semanalmente à HBO Max, sempre às sextas-feiras.
Seu figurino, uma roupa colada ao corpo que deixa só o rosto de fora, chegou a ser uma preocupação. “Ali entraram um pouco os comentários da sociedade sobre imagem e corpo”, recorda. “Eu estava me traindo ao me deixar ficar com medo de usar a roupa. Mas quando me vi maquiada na frente do espelho, pensei: ‘Claro que sim’.”
O caso ilustra o momento pelo qual Yalitza vem passando. “Não faz tanto tempo que me disse para deixar de lado os preconceitos e ideias equivocadas”, confessa. “Não tenho por que aceitar esse tipo de coisa.”
Até então, Yalitza só havia feito o papel de Cleo, uma empregada doméstica que é a protagonista de “Roma” (2018), do cineasta Alfonso Cuarón.
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Na época de sua indicação ao Oscar, muitos artistas mexicanos reclamaram do fato de ela não ter formação de atriz, já que ela era professora primária quando foi escolhida para o filme.
Pelo papel, ela se tornou a primeira atriz de origem indígena indicada ao Oscar, algo com que ela nem se permitia sonhar.
“Eu era uma pessoa incrédula, que achava que o cinema era um meio totalmente alheio à minha realidade e não para todos”, explica. “Eu fui bombardeada por mensagens subliminares ao longo dos anos. E, além de aceitá-las, eu as estava reproduzindo.”
“Só quando eu comecei a fazer parte da indústria é que descobri a força que tem a voz de todos e que podemos fazer tudo o que quisermos”, prossegue.
“Não é um mundo alheio, mas simplesmente ainda não é aberto ao máximo, como gostaríamos, para aceitar rostos diferentes. Isso foi o que me motivou a continuar.”
Mas quem esperava que ela fosse emendar um papel atrás do outro depois disso acabou se frustrando. Só neste ano é que Yalitza estrelou seu segundo longa, o suspense “Presencias”, que não tem previsão de estrear no Brasil. Enquanto isso, quem quiser pode vê-la na série da HBO.
Quando recebeu o convite, a atriz estava preocupada em não ficar marcada unicamente por um papel.
“Eu falava sobre como nos colocam em caixinhas e estava ansiosa para, de alguma forma, conseguir não cair nisso”, diz. “Estava preparada para se tivesse que passar anos sem pegar um personagem ou para tentar escrever algo para mim mesma, se tivesse a oportunidade.”
Pouco tempo depois, chegou o convite para “Los Espookys”. “Quando me falaram no que consistia a personagem, eu comecei a assistir à série para entender”, conta. “A narrativa me chamou a atenção e me fez rir muito. Quis tentar, porque era diferente do que eu tinha imaginado que me convidariam para fazer.”
O fato de ser uma comédia, cujo tom nem sempre é difícil de acertar, não a assustou.
“É uma comédia muito peculiar, você não precisa ficar contando piadas ou caindo para que as pessoas riam”, explica. “É uma coisa mais sarcástica, na qual você acaba rindo até de si mesmo. Eu me diverti muito e tentei não cair na gargalhada nas cenas, é preciso um controle imenso sobre si mesmo.”
A experiência com gêneros diferentes tem sido produtiva. “Isso faz com que eu vá moldando minhas ideias e não me aferrando a um só tipo de produção, o que tem funcionado muito bem para mim”, avalia.
“Estou aprendendo muito, já que cada um tem a sua complexidade. Quando você se atreve a brincar em outras zonas, percebe que cada um tem obstáculos a serem superados e aprende com isso.”
Ela diz que o fato de ser uma personagem com menos tempo de tela não a torna menos complexa. “A Cleo era algo que não tinha nada a ver comigo e que implicava ter que analisar um pouco mais a fundo a pessoa em que estava inspirada para poder dar vida a ela na tela, mantendo a essência”, afirma.
“No caso da Lua, é uma personagem com mais segurança, muito carismática e pura na hora de fazer as coisas e de compartilhar suas ideias”, compara. “Também tive que ir descobrindo como construir essa personagem -e não é tão fácil como algumas pessoas acham. Cada personagem tem sua essência, você tem que ir construindo de alguma maneira e procurar o que você quer refletir dele.”
Pronta para novos projetos, Yalitza diz que valeu à pena esperar e torce para não perder o olhar de quem está constantemente recomeçando.
“Quero continuar fazendo tudo como se fosse o meu primeiro dia, com toda a paixão e entregando-me ao máximo em cada projeto”, afirma. “Essa é uma luta que não é feita só de palavras, mas também de ações.”