Via @portalmigalhas | Uma curiosa fábula de Esopo conta a história de um velho que foi com seu neto à cidade para vender um burro, e, a cada pessoa que encontravam pelo caminho, eram criticados por um motivo diferente: quando o velho montava no burro e o menino caminhava, eram acusados de explorar o garoto; quando o menino ia montado no burro, eram censurados por falta de respeito ao idoso; e quando ambos decidiram caminhar ao lado do burro, foram ridicularizados por não aproveitar sua utilidade. A crônica mostra que é impossível agradar a todos.
Foi com esta história que a juíza de Direito Carla Carneiro Teixeira Ceará, da 15ª vara de Relações de Consumo da Comarca de Salvador/BA, iniciou decisão na qual negou exceção de suspeição impetrada pelo réu contra ela.
As alegações da parte foram, em resumo, que i) houve contradição entre reconhecimento inicial de conexão entre ACPs, e a posterior declaração de inexistência de conexão entre a segunda ação e o cumprimento de sentença oriundo da primeira; ii) a primeira ação foi julgada em 9 meses, apesar de sua complexidade; e iii) o despacho foi proferido às 5:58 da manhã.
Ao decidir, a magistrada destacou que não há, nas alegações, a presença de quaisquer das hipóteses previstas no art. 145 do CPC que indiquem suspeição. “Não nutre esta Magistrada qualquer sentimento de raiva, ódio, ou mesmo amizade, em relação a qualquer das partes, ou, ainda, interesse no julgamento do processo em favor de um ou outro litigante.”
Mas a juíza diz que, por amor ao debate, e para realçar sua imparcialidade, optou por tecer algumas considerações.
Negativa fundamentada
Assim, esclareceu a questão da competência: explicou que, inicialmente, foi reconhecida a conexão porque ambas as ações tratavam de contratos RMC firmados com consumidores. Mas, em momento posterior, ela percebeu que a causa de pedir envolvia relações jurídicas diversas: enquanto a primeira se baseava na abusividade dos contratos, lançando mão de institutos consumeristas, a segunda tratava de nulidade de decretos administrativos por violação à livre concorrência – devendo esta ser distribuída a uma vara da Fazenda Pública, o que só teria sido possível perceber após maior contato com os autos.
Quanto à alegação de que o julgamento foi célere, e que a decisão foi proferida “fora do expediente forense”, a magistrada destaca que a parte se contradiz, pois, ao mesmo tempo em que quer que o juízo profira julgamentos imediatos e imutáveis, também se levanta contra processos que durem menos de um ano e contra os juízes que trabalham mais do que o horário a que estão obrigados, para dar vazão à grande demanda a que são submetidos.
“Trata-se de exemplo claro do que queria demonstrar Esopo com a famosa fábula ‘O velho, o menino e o burro’, colacionada no início dessa peça: o juiz é criticado se os processos demoram demais, mas também se demoram de menos; o juiz é criticado se não trabalha além de seu horário, mas também se trabalha além do seu horário.”
A magistrada citou vários processos nos quais despachou pela manhã, “não tendo, ao contrário do que foi sugerido pelo excipiente, agido de maneira especial para favorecer a parte contrária”.
Para a juíza, “os elementos constantes da exceção configuram mera insatisfação da parte com a decisão atacada, não servindo de base a demonstrar suspeição desta magistrada”.
A suspeição não foi reconhecida, e a juíza determinou o encaminhamento dos autos ao Tribunal de Justiça da Bahia para os devidos fins, pugnando pelo julgamento improcedente do pedido.
- Processo: 8066492-14.2023.8.05.0001
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