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Ciência & Saúde

Primeiro supercondutor em temperatura ambiente descoberto: mas é preciso cautela

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Em 1987, rolou uma sequência de 51 palestras sobre materiais supercondutores em altas temperaturas na Sociedade Americana de Física. Parece a cura da insônia, mas não se engane com o tédio aparente: os presentes estavam tão ouriçados que a maratona ganhou o apelido de Woodstock da física.

Esse verão do amor (por elétrons) virou até capa da Super. A primeira capa, da primeira edição, em outubro de 1987, que mostrava um trem vermelho levitando sobre os trilhos. Não foi excesso de imaginação do ilustrador. Os supercondutores, de fato, têm esse potencial. Eis a matéria aqui nosso arquivo, para os curiosos. Aqui vai um trechinho:

“Alguns cientistas chegaram a sugerir que estava aberta a via para a levitação: qualquer um poderia andar sobre as águas, a exemplo de Cristo sobre o Jordão. Em vez de esteiras como as que existem nos aeroportos, as pessoas poderão deslizar acima de um tapete magnético prevê, por exemplo, um dos mais imaginativos especialistas nas novas possibilidades da cerâmica, Praveen Chaudhari, vice-presidente da empresa IBM.”

Arthur C. Clarke comentou que qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível de magia. Mas essa aí, apesar de permitir levitação, não é avançada o suficiente para ficar no campo místico. Vamos, então, explicar supercondutores. E entender por que a potencial descoberta de um supercondutor que funciona em temperatura ambiente, anunciada ontem, seria uma revolução na área.

O que são supercondutores?

A corrente elétrica que acende as lâmpadas da sua casa é uma fila indiana de elétrons percorrendo um fio. Essas partículas subatômicas tem carga elétrica negativa (motivo pelo qual sempre correm do polo negativo para o polo positivo de uma bateria: os opostos se atraem).

O problema é que o fio é feito de metal. Cobre, por exemplo. E o metal, como tudo nesse mundo, é feito de átomos. Átomos tem núcleos com carga elétrica positiva, formados por partículas chamadas prótons. E os prótons atraem os elétrons. Isso atrasa o caminho dos elétrons no fio; eles precisam de alguma energia para superar a atração e seguirem seu caminho. É como um monte de maratonistas tentando correr enquanto todo mundo está nas beiradas da pista oferecendo rosquinhas.

Os supercondutores, por sua vez, são materiais em que os prótons estão dispostos de tal forma que facilita o caminho dos elétrons. Facilita a tal ponto que a resistência é virtualmente zero. Trocaram as rosquinhas por Red Bull.

O problema: para fazer os prótons ficarem quietos por um tempo razoável nessa configuração especial, eles precisam estar frios (“temperatura”, em graus Celsius, é justamente o grau de agitação das partículas que compõem alguma coisa).

Muito frios.

Tão estupidamente frios que era necessário, originalmente, usar hélio líquido para obter a temperatura necessária de, no máximo, 30 °C acima do zero absoluto. (O zero absoluto equivale a -273 °C. Portanto, -243 °C. A temperatura mais fria já registrada na Terra, para fins de comparação, foi de -89,2 °C)

A grande descoberta feita pelos físicos Johannes Georg Bednorz e Karl Alexander Müller em 1986, que rendeu um Nobel e um verão do amor para os físicos em 1987, foi um material supercondutor feito de cerâmica capaz de exibir a propriedade em uma temperatura 12 °C mais alta que os materiais anteriores.

Parece pouco, mas as pesquisas estavam paradas desde 1911 nos -243 °C. Qualquer grau a mais era uma avanço. E no boom de pesquisas subsequentes, apareceram a materiais supercondutores ainda mais quentinhos, que já davam Red Bull para os elétrons em temperaturas que se pode obter com nitrogênio líquido, em vez de hélio líquido.

Nitrogênio líquido é muito mais barato e fácil de se obter (eu mesmo já comi um salgadinho Cheetos congelado com esse troço no Depto. de Física da USP), o que facilitou as pesquisas um bocado.

Os materiais supercondutores apresentam muitas propriedades eletromagnéticas estranhas. A mais estranha, chamada “efeito Meissner”, é o fato de que eles expulsam campos magnéticos de dentro de si. No processo, eles repelem qualquer ímã que estiver por perto. E é por isso que o ímã na foto ali em cima está levitando.

A nova descoberta

Em 1987, em meio ao entusiasmo com a cerâmica supercondutora, a ideia era que um dia teríamos trens e outras coisas voadoras que funcionassem por supercondução em temperatura ambiente. 36 anos depois, a notícia é que um grupo de pesquisadores coreanos  finalmente obteve um material supercondutor que funciona em pressão e temperatura ambientes.

Caso essa descoberta se confirme e seja reproduzida em outros laboratórios, teremos em mãos um dos maiores avanços da história da física experimental. Nas palavras do colunista Derek Lowe, na Science:

“Honestamente, falar que é extraordinário não é suficiente. Estão dizendo que essa coisa faz supercondução à temperatura de ebulição da água. As palavras ‘água em ebulição’ e ‘supercondutor’ não haviam aparecido na mesma frase até ontem, pode confiar.”

O problema é que supercondutores em temperatura ambiente, justamente por serem um Santo Graal dos laboratórios, também estão envoltos em polêmica. Por exemplo: um artigo de 2020 que declarava essa mesmíssima descoberta estava cheio de falhas. Seu experimento não pôde ser reproduzido em outros laboratórios; a Nature foi obrigada a tirar o texto do ar e publicar uma retratação.

E é importante ter paciência, claro: ainda que a descoberta se confirme, há um longo caminho para torná-la viável em aplicações práticas. Você ainda não vai andar no trem voador da capa da Super ano que vem. Mas, agora, há uma chance acima do zero absoluto de que você ande nele alguma vez na vida.

Fonte: abril

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