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Ciência & Saúde

Cartas criptografadas e encontros sobrenaturais: as brincadeiras de Richard Feynman em Los Alamos

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Richard Feynman ainda não era famoso durante a 2ª Guerra, quando trabalhou no Laboratório Nacional de Los Alamos. O jovem físico, recém-formado, era mais um dos acadêmicos anônimos que se juntaram em uma área isolada e desértica do estado do Novo México para construir a primeira bomba atômica, sob direção de J. Robert Oppenheimer – uma história que, você já está cansado de saber, acaba de virar filme nas mãos de Christopher Nolan.

Feynman se tornaria um dos físicos mais famosos da história décadas depois, quando ganhou um prêmio Nobel por sua formulação intuitiva da eletrodinâmica quântica, explicou o acidente com o ônibus espacial Challenger de maneira didática na TV americana e publicou um livro de memórias cômico intitulado Só Pode Ser Brincadeira, Sr. Feynman.

Ele viveu um amor triste (sua esposa, Arline, por quem ele era apaixonado desde a infância, morreu de tuberculose aos 25 anos), se tornou um dos cafajestes mais notórios da ciência (descrente com o amor, passou a frequentar cabarés e ficar com mulheres casadas) e era fascinado por tudo que aparecesse em sua frente: aprendeu a tocar bongô, fazia experimentos caseiros com formigas e era frustrado por não entender os processos físicos que entravam em ação quando ele quebrava espaguete.

Feynman é um easter egg no filme de Nolan: aparece durante o teste da primeira bomba, se negando a usar óculos escuros para assistir à explosão. Ele se põe atrás do para-brisa de um caminhão e diz calmamente aos colegas que o vidro vai protegê-lo dos raios UV – um diálogo que Nolan tirou do Só Pode Ser Brincadeira, Sr. Feynman. No livro, ele conta o óbvio: acabou precisando olhar para baixo nos primeiros instantes da detonação porque o brilho era insuportável.

Era tão evidente que a missão secreta em Los Alamos entraria para a história que Feynman e seus amigos já brincavam com o fato de que haveria um filme – e especulavam sobre como seriam representados:

“Um dia, um amigo que trabalhava comigo, o matemático Paul Olum, chegou para mim e disse: Quando fizerem um filme sobre isso, vão pôr o cara chegando de Chicago para dar seu relatório aos homens de Princeton sobre a bomba. Ele vai estar usando terno, levará uma pasta e coisa e tal. E aí está você, em mangas sujas de camisa, falando calmamente sobre um assunto sério e dramático.”

Feynman até aparece de paletó no filme de Nolan, mas devidamente desleixado. E ver a explosão sem óculos foi a menor de suas travessuras na base secreta.

Primeiro, houve o imbróglio das cartas. Toda a correspondência que entrava e saía de Los Alamos era lida pelos militares que guardavam o local, com medo óbvio de espiões alemães e soviéticos (no final das contas, havia mesmo alguém infiltrado: o alemão Klaus Fuchs, que vazou informações valiosas para a URSS. Ele foi pego, mas só após o final da 2ª Guerra, quando o estrago estava feito).

Feynman e Arline gostavam de brincar de códigos. Ela estava internada em um hospital próximo, na cidade de Albuquerque, e escrevia mensagens cifradas para se distrair – ah, os casais nerds. Feynman precisava decifrar a correspondência na marra se quisesse ler. Não demorou para que os censores, que liam tudo antes, o chamassem para se explicar.

— O que é isso?
— É uma carta da minha esposa — respondi. — Diz TJXYWZ TW1X3.
— E isso é o quê?
— Outro código — falei.
— E qual é a senha?
— Não sei.
— Você está recebendo códigos e não sabe a senha?
— Exatamente — falei. — É um jogo.
— Muito bem, você precisa dizer a eles para enviar a senha junto com o código.
— Eu não quero ver a senha! — retruquei.”
— Está bem, nós ficamos com a senha.

Depois, Feynman descobriu um buraco na cerca que circundava o local, que os funcionários de colarinho azul usavam para entrar e sair livremente, sem perder tempo passando pela segurança no portão principal. O físico passou a sair pelo buraco e voltar pela portaria, de novo e de novo – até que o porteiro, assustado, avisou um tenente. Quase rendeu cadeia.

A magnum opus da zoeira, porém, era o hábito de arrombar armário com documentos ultrassecretos, só pela farra. Ou melhor: não era preciso arrombar nada. Feynman inclinava os gaveteiros e enfiava a mão pela parte de baixo, que era aberta. Então, puxava os documentos por trás, sem precisar abrir os cadeados.

Em uma das várias reuniões em que tentou informar seus superiores dessa brecha óbvia de segurança, o físico húngaro Edward Teller comentou que deixava suas coisas realmente secretas na gaveta de sua escrivaninha, supostamente mais segura. (Teller também aparece no filme de Nolan, e é um personagem importante, responsável por idealizar as bombas de hidrogênio – mais poderosas que bombas de fissão comuns.)

Feynman aceitou o desafio. Saiu discretamente da reunião, correu na sala de Teller, roubou todo o conteúdo das gavetas usando a mesma técnica de sempre, voltou à reunião e pediu que Teller o levasse em sua sala e abrisse as gavetas, para que pudesse avaliar a segurança.

“Olhei para a gaveta e falei para Teller:
— Parece-me que está bem. Vamos ver o que o senhor tem aí dentro.
— Eu lhe mostraria tudo de bom grado — disse ele, pondo a chave na fechadura e abrindo a gaveta —, se você já não tivesse visto por si mesmo.
O problema de pregar uma peça num homem inteligente como Teller é que o tempo que ele leva entre perceber que alguma coisa está errada até entender exatamente o que aconteceu é curto demais para dar algum prazer!”

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Fonte: abril

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