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Afinal, Taiwan não faz parte da China? Entenda a polêmica sobre a relação entre os países.

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Um homem de 1,80 metro de altura caminha lentamente sobre um tapete vermelho-púrpura. Os passos cadenciados o conduzem à sala instalada no fim do corredor. “Desculpem o atraso”, diz o vice-ministro de Relações Exteriores de Taiwan, Alexander Yui. Sentados à mesa de jantar, oito jornalistas estrangeiros o aguardam para uma coletiva de imprensa. Oeste é o único veículo de comunicação brasileiro a ter uma cadeira reservada.

Os raros fios brancos que lhe saltam à cabeça advertem: Yui é jovem, apesar da ampla experiência na diplomacia. Antes de sentar-se à mesa, cumprimenta os jornalistas com a milenar reverência oriental, conhecida como ojigi — em português, “arco”. Inclina o tronco em 45 graus, diz iHola! e esbanja um sorriso quando a resposta é Nǐ hǎo. Ambas as palavras significam olá, em espanhol e mandarim, e demonstram respeito ao interlocutor.

“O Partido Comunista da China [PCC] tenta roubar nossas tecnologias, mas não consegue”, diz Yui, antecipando-se às perguntas. “Essa é a política de Xi Jinping. Os países que firmam acordos com os chineses sempre perdem.”

Imagem - Almoço com vice-ministro das Relações ExterioresImagem - Almoço com vice-ministro das Relações Exteriores
Sede Do Ministério Das Relações Exteriores De Taiwan, Em Taipei | Foto: Edilson Salgueiro/Revista Oeste

De 12 a 18 de março, a reportagem acompanhou in loco a evolução do país-alvo da cobiça chinesa. Erra quem pensa que Taiwan é um país agrário, refém de commodities e importador de tecnologias. Pelo contrário. A ilha se transformou numa verdadeira potência industrial, e a Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC) é exemplo disso. Com sede na cidade de Hsinchu, localizada a 60 quilômetros de Taipei, a empresa responde por 90% da produção global de microchips avançados. Esses dispositivos são utilizados principalmente na fabricação de automóveis, celulares, televisores, videogames, computadores e eletrodomésticos.

Polo industrial

O desenvolvimento tecnológico de Taiwan não impediu seu avanço no setor agrícola. Quem viaja de Taipei para Hsinchu, por exemplo, vê a mistura constante de paisagens urbanas e rurais. Arranha-céus, veículos de última geração, pequenos tratores e campos de arroz ficam no mesmo perímetro.

Yui explica que as tensões políticas com os chineses levaram a ilha a buscar autonomia tecnológica e agrícola. “Se houver conflito de grandes proporções, teremos de oferecer comida à população”, diz o diplomata, ao comentar a presença dos arrozeiros às margens das estradas do país. “É questão de soberania nacional. Ao mesmo tempo, somos capazes de produzir automóveis elétricos, trens de alta velocidade, eletrodomésticos e semicondutores. Queremos participar do comércio global de produtos tecnológicos.”

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A TSMC é a principal, mas não a única empresa na Zona Franca de Hsinchu. Quem também contribui para o crescimento da economia local é a Tron Energy Technology Corporation, maior fabricante de ônibus elétricos do país. A companhia taiwanesa abastece a Europa, a Ásia e a América Latina com seus veículos. De janeiro a maio deste ano, 300 unidades foram exportadas.

A “Fiesp de Taiwan” e a competição com a China

O vice-presidente da Tron, Eric Chiu, diz a Oeste que o valor de cada ônibus elétrico é de aproximadamente US$ 200 mil. “Esse montante é baixo, em relação à economia que os proprietários farão ao longo dos anos”, observa. Apenas na fábrica de Hsinchu, os investidores desembolsaram US$ 2 milhões na compra do terreno, na aquisição de máquinas de recarga e na fabricação dos primeiros veículos.

A TSMC e a Tron participam da Taipei Computer Association (TCA), principal organização industrial de Taiwan. Essa instituição equivale à Federação das Indústrias do de São Paulo (Fiesp), que tem o objetivo de facilitar o diálogo das empresas com o governo. Seus 4 mil membros atuam em diversos segmentos da de tecnologia da informação, como software, semicondutores e serviços de comunicação integrada. As empresas que compõem a associação respondem por 80% da produção industrial do país.

Conselheiro da TCA e admirador do Brasil, Philip Wang acredita que a ascensão da indústria taiwanesa ocorreu por dois motivos: capacitação dos profissionais e investimento nas universidades. “Com o acúmulo de riqueza que obtivemos a partir das exportações de produtos tecnológicos, conseguimos investir maciçamente nessas áreas”, disse Wang a Oeste. “Nosso sistema educacional passou a fornecer jovens talentos para as empresas.”

Religião

Na cidade de Tainan, a 240 quilômetros do parque tecnológico taiwanês, chama a atenção o tamanho do Templo Ortodoxo Luermen Sheng-Mu. Não por acaso, é conhecido como o maior do Extremo Oriente. É ali que milhares de fiéis pedem sabedoria às divindades taoístas. Ao chegar, os visitantes se deparam com duas estátuas gigantes nas laterais do edifício: Qian Li Yan e Shun Feng Er, os guardiões de Mazu — a deusa do mar, segundo a mitologia chinesa.

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A cerimônia mais famosa do Templo Sheng-Mu é o espetáculo internacional de lanternas, símbolo da unidade familiar para os fiéis. A festa ocorre há mais de 200 anos, sempre quando a Lua alcança seu tamanho máximo.

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Há práticas curiosas entre os taoístas. Uma delas, por exemplo, envolve queimar dinheiro. Isto mesmo: há um construído especificamente para essa finalidade. Os próprios fiéis pegam seus dólares taiwaneses e jogam na fogueira. Acredita-se que tal prática serve para… Atrair dinheiro.

Os taoístas também vão aos templos para pedir conselhos às divindades, assim como os fiéis de outras religiões. Mas há diferenças no . No taoísmo, os religiosos prostram-se diante de Lord Kuixin, o da literatura na mitologia chinesa, e perguntam se determinadas áreas da vida estão no caminho certo. Em seguida, pegam duas pedras em formato de meia-lua e jogam para cima. O modo como os objetos caem resulta em três respostas: “Sim”, “Não” e “Sorrindo”.

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O Modo Como Os Objetos Caem Resulta Em Três Diferentes Respostas: ‘Sim’, ‘Não’ E ‘Sorrindo’ | Foto: Edilson Salgueiro/Revista Oeste

Os fiéis que pretendem dar um rumo na têm de procurar Tu’er Shen, o deus do amor e do sexo. No Templo Sheng-Mu, por exemplo, há um prédio exclusivo para esses assuntos. Quem sobe as escadas do edifício se depara com papéis em formato de coração fixados nas paredes. É ali que os religiosos fazem votos de casamento.

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Cultura

A 50 quilômetros de distância, ocorre a Mostra Internacional de Orquídeas de Taiwan. A ilha asiática é uma das principais cultivadoras da planta, respondendo por 70% do valor total das exportações no mundo. O evento atrai mais de 300 mil visitantes todos os anos, incluindo turistas.

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A 300 quilômetros de distância, em Taipei, uma guia turística apresenta aos visitantes o Palácio Presidencial de Taiwan. Ela explica que o edifício foi projetado durante o período da ocupação japonesa, entre 1895 e 1945. Sua arquitetura passou por diversas transformações ao longo dos anos, mas o prédio manteve a estrutura original.

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Edifício Foi Projetado Durante A Ocupação Japonesa | Foto: Reprodução/Wikimedia Commons

Em razão dos bombardeios sofridos na Segunda Guerra Mundial, o palácio teve de ser restaurado por Chen Yi, ex-governador-geral da Província de Taiwan. Tornou-se gabinete presidencial em 1950, depois da libertação taiwanesa.

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Edifício Foi Projetado Durante A Ocupação Japonesa | Foto: Edilson Salgueiro/Revista Oeste

Uma das salas guarda a história do país. Isso pode ser visto nas paredes do edifício, que estampam as imagens de todos os presidentes taiwaneses. Monitores led exibem pequenos filmes e mensagens sobre os políticos que participaram do processo de independência da ilha.

O próximo alvo?

Em 27 de maio, mais de dois meses depois da visita de Oeste, três navios chineses cruzaram o Estreito de Taiwan. As embarcações ultrapassaram a linha de fronteira invisível entre os dois países, traçada pelos Estados Unidos durante a Guerra Fria (1947-1991).

Desde o fim da Guerra Civil Chinesa, em 1949, a China vê Taiwan como uma Província rebelde. Taipei reivindica sua independência de Pequim, que ameaça uma reintegração à força. É assim que os governantes chineses fizeram no Tibete, em 1950. É o que fizeram no ano passado em Hong Kong. Invadem, anexam e apontam o próximo alvo. Taiwan deve ser o próximo? Se depender da população taiwanesa, não. Segundo pesquisa realizada pelo instituto Pew Research em 2021, 66% da população de Taiwan não se considera “chinesa”. No grupo entre 18 e 29 anos, essa parcela sobe para 83%. A grande maioria quer ser apenas taiwanesa e viver num país livre e próspero. Por isso, a China Continental não é uma opção.

Leia também: “Quando a China vai ocupar Taiwan?”

Fonte: revistaoeste

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