“Não sei o que fazer agora, será que me escondo?” A dúvida do russo anônimo que filmou um drone explodindo num cogumelo de detritos e fumaça num bairro de Moscou onde Vladimir Putin tem sua residência oficial expressa talvez um milionésimo do que tantos ucranianos têm sentido desde fevereiro do ano passado, quando começou a invasão do país.
Foram oito drones, ou talvez o dobro, dependendo da versão, com estragos bastante limitados. Mas não deixa de ser impressionante que cidadãos russos estejam vendo explosões nos céus de sua capital pela primeira vez desde a II Guerra Mundial – se descontarmos o ataque muito menor contra a cúpula do Senado, dentro do Kremlin, uma espécie de precursor da onda de ontem.
Putin apareceu na televisão de improviso, o que é raro, para dizer que as defesas aéreas reagiram “com sucesso ao ataque”. Mas há coisas “a melhorar”.
“É claro que nós estamos gostando de ver e prognosticamos um aumento dos ataques. Mas é claro que não temos nada a ver diretamente com isso”, ironizou Mikhailo Podoliak, o assessor de Volodymyr Zelensky que funciona como uma espécie de versão ucraniana de Ievgueni Progozhin: sem as vulgaridades e sem a linguagem apocalíptica, ele tem licença para falar o que outros líderes ucranianos preferem manter em silêncio.
“O que está aumentando na Rússia é o carma que ela gradualmente vai pagar de forma ampliada por tudo o que faz na Ucrânia.”
Podoliak fez outra ironia, dizendo que talvez os drones estivessem “voltando para seu criador”. E reforçou que todos os ucranianos gostariam de ver o castigo dos “homens terríveis que têm assento no parlamento” e desfecharam a todos os momentos ameaças de destruição contra um país vizinho menor e mais fraco – e, ao mesmo tempo, formidavelmente unido na resistência ao invasor.
De onde saíram os drones que explodiram em Moscou? A hipótese inicial, levantada quando explodiram os pequenos drones na cúpula do Senado, no começo de maio, agora é posta em dúvida. O ataque contra a região de Rubliovka envolveu aparelhos não tripulados maiores e mais potentes. Um explodiu quase em cima da localidade de Usovo, vizinha ao lugarl onde Putin tem a residência oficial, Novo-Ogariovo, onde trabalha (e talvez passe as noites, o que deve estar ficando cada vez mais complicado). Vários oligarcas também têm mansões na região.
São dissidentes russos tais como os que fizeram um ataque com blindados contra Belgorod, cidade perto da fronteira da Ucrânia? São outras forças, até agora desconhecidas? De onde saem os drones, considerando-se a distância de 490 quilômetros entre a fronteira ucraniana e Moscou? Seria possível que decolassem do próprio território russo, uma hipótese simplesmente estonteante?
Existem equipes ucranianas trabalhando independentemente no desenvolvimento de drones equivalentes ao Shahid iraniano, usado pelos russos. O modelo se chama Ukjet UJ-22. O ataque a Moscou poderia indicar que já estão operacionais.
Os drones que explodiram em Moscou são praticamente insignificantes em comparação com a atual onda de ataques contra Kiev, desfechados durante a noite e durante o dia, numa espécie de vingança de Putin pelo sucesso diplomático da última rodada de viagens de Zelenski. Ao longo do último mês, foram dezessete ataques em ondas contra a capital ucraniana, com drones e mísseis, a arma que mais desequilibra a guerra em favor da Rússia.
Com a vantagem de poder atacar em qualquer ponto da Ucrânia, a qualquer hora, mesmo que o custo seja altíssimo – cada míssil custa no mínimo 100 mil dólares –, a Rússia não usa essa superioridade para explodir instalações militares, mas para tocar o terror entre a população civil. São operações de guerra primordialmente psicológica, com o objetivo de minar o espírito de resistência dos ucranianos.
Outro ucraniano que fala com considerável grau de liberdade é Anton Gerashchenko, assessor especial do Ministério do Interior. Ele notou que o ataque de drones em Moscou – mesmo com a ressalva de que a Ucrânia não tem “nada a ver com isso” – é permitido pela Carta da ONU, “artigo 332, se não estou enganado, que prevê que em defesa própria um país pode usar quaisquer métodos, incluindo levar a guerra ao território do agressor. A Alemanha nazista não teria sido derrotada se os aliados não começassem a lutar em seu território”.
Gerashchenko também usou uma linguagem excepcionalmente direta ao falar sobre a maneira mais garantida de acabar com a guerra: “A melhor coisa que poderia acontecer seria Putin ter um infarto. Na minha opinião, o cenário mais rápido para o fim da guerra é a morte de Putin. Especialistas do Instituto Ucraniano para o Futuro, o nosso centro de análises, acreditam que existe 90% de probabilidade de que, no caso da morte de Putin, seja quem for que o substitua – Mishustin (o primeiro-ministro) ou algum outro – será obrigado a suspender as ações militares, negociar indenizações para a Ucrânia e devolver todos os territórios ocupados para nós”.
E os outros 10%? Gerashchenko diz que a pior hipótese seria se alguém como Prigozhin, “a pessoa que pode ser o Rasputin” da Rússia atual, tomasse o poder. “Se ele ficar no lugar de Putin, a guerra vai continuar.”
“É por isso que a eliminação física de Prigozhin, que as nossas Forças Armadas estão tentando executar, também ajudaria a levar a um fim rápido da guerra.”
Mas esperem, tem mais um pouco. Sobre as indenizações de guerra, Gerashchenko disse que a Rússia “deveria pagar pelo menos um milhão de dólares por cada criança, cada soldado, cada idoso que matou. E deveria pagar por todos os danos materiais que causou. Acho que os números já estão perto de um trilhão de dólares”.
“Mas como eles não têm esse dinheiro, vamos ter que tomar o petróleo, o gás e outros recursos naturais deles”.
O que são oito drones em Moscou perto desse tipo de mentalidade? Talvez sejam apenas um sinal diante do que ainda está por vir.
Falando em Prigozhin, ele reagiu à sua maneira: “Por que diabos vocês estão deixando esses drones voar até Moscou? Quem liga a mínima se suas casas estão pegando fogo? Elas que queimem. Mas o que as pessoas comuns devem fazer quando drones com explosivos entram em suas janelas?”.
Deve ter muita gente nas fileiras militares russas procurando as respostas.
Fonte: Veja