Fonte: Diretor de Relações Governamentais e Políticas Públicas do Google Brasil
A criação de uma legislação de internet com o potencial de impactar a vida de milhões de brasileiros e empresas todos os dias precisa ser feita de uma maneira colaborativa e construtiva.
O Projeto de Lei 2630/2020 pode ir à votação antes mesmo que diversos setores da sociedade, incluindo parlamentares, tenham tido acesso ao texto que será votado. Se for aprovado do jeito que está, o PL iria na contramão do seu objetivo original de combater a disseminação de notícias falsas.
Uma das consequências indesejadas, por exemplo, é que o PL acaba protegendo quem produz desinformação, resultando na criação de mais desinformação.
Na prática, como resultado do PL 2630, as plataformas ficariam impedidas de remover conteúdo jornalístico com afirmações falsas como “A vacina de Covid-19 irá modificar o DNA dos seres humanos.”, ou seja, continuariam disponíveis na busca do Google e no YouTube, gerando ainda mais desinformação.
Precisamos melhorar o texto do projeto de lei. O PL das Fake News pode aumentar a desinformação no Brasil. Fale com seu deputado por aqui ou nas redes sociais ainda hoje.
Esse é apenas um dos riscos presentes no texto atual do projeto. Acreditamos que podemos contribuir para melhorar o texto e minimizar consequências indesejáveis para o ambiente digital no Brasil.
Como o PL 2630 pode piorar a sua internet
Temos sérias preocupações de que o chamado ‘PL das Fake News’ gere consequências indesejadas e mude a internet que você conhece para pior
Marcelo Lacerda – Diretor Google Brasil
O Google trabalha todos os dias para oferecer aos brasileiros informações e produtos confiáveis, combater a disseminação de desinformação, remover conteúdo ilegal quando tomamos conhecimento sobre ele e continuar o diálogo com os diversos setores da sociedade interessados nessas questões. É por isso que apoiamos fortemente os objetivos do Projeto de Lei 2630/2020, mais conhecido por PL das Fake News. Entretanto, estamos muito preocupados com as consequências indesejadas para o país caso o texto atual seja aprovado sem uma discussão aprofundada.
Nesta terça-feira, a Câmara dos Deputados aprovou o pedido de urgência do projeto de lei e, por isso, é fundamental que todos entendam o impacto que essa proposta terá no seu dia-a-dia. Além de estar em desacordo com a forma como outros países estão lidando com essas questões, temos sérias preocupações de que o PL 2630 mude a internet que você conhece para pior e limite a inovação, a liberdade de expressão e a geração de oportunidades econômicas para todos os brasileiros.
Convidamos você a buscar mais informações sobre o tema e nos ajudar a chamar a atenção dos parlamentares no Congresso por meio da hashtag #MaisDebatePL2630. A seguir, detalhamos alguns pontos preocupantes que podem impactar como você usa a sua internet hoje.
O atual texto do projeto de lei 2630…
1) Acaba protegendo quem produz desinformação
O PL 2630 vai acabar favorecendo quem produz desinformação ao limitar a aplicação pelas plataformas de suas políticas e termos de uso, inclusive para determinadas contas de interesse público, e ao “blindar” a remoção de conteúdo produzido por “qualquer empresa constituída no Brasil para fins jornalísticos”. Na prática, já que o texto não faz distinção entre os diferentes produtores de notícias, seríamos obrigados a manter em nossos produtos conteúdos problemáticos criados por empresas que se apresentam como jornalísticas, mas são especializadas na produção de informações enganosas.
Outros dispositivos do projeto de lei vão ainda mais longe ao exigir que as plataformas paguem por esse mesmo conteúdo. Estamos falando de veículos ou produtores de conteúdo controverso que distorceram fatos em relação à validade das vacinas durante a pandemia da COVID-19 ou que contestaram a integridade das eleições brasileiras de 2022.
O jornalismo é, sem dúvidas, essencial para ajudar a fornecer informações de qualidade às pessoas. Ao lado das empresas, associações e profissionais do ecossistema jornalístico que trabalham em parceria com o Google, poderíamos contribuir ainda mais com a oferta de notícias de alta qualidade no Brasil. O PL 2630 deveria apoiar e encorajar esses esforços, mas a sua proposta atual pode trazer o efeito oposto. Pode até limitar a disponibilidade de informações de qualidade para usuários brasileiros, pois exigiria mudanças significativas em produtos como o Google Notícias e a própria Busca.
2) Coloca em risco o acesso e a distribuição gratuita de conteúdo na Internet
Uma característica essencial do mundo digital é a possibilidade de qualquer pessoa usar a internet para armazenar e compartilhar conteúdos produzidos por elas, como fotos, vídeos e textos. Para que estes conteúdos possam ser exibidos ou distribuídos por plataformas online são necessárias licenças de direitos autorais dos seus criadores. Por exemplo, ao enviar um vídeo para o YouTube, você concede ao Google uma licença de direitos autorais para hospedar seu vídeo e permitir que outras pessoas o assistam.
O PL 2630 proíbe esses tipos de licenças de duas maneiras. Uma é exigindo que todas as licenças de direitos autorais para as plataformas sejam concedidas por entidades de gestão coletiva desses direitos, o que significa que criadores e titulares de direitos não podem mais decidir por si mesmos como desejam licenciar ou distribuir os seus trabalhos.
A outra forma é obrigando que todas as licenças de direitos autorais sejam pagas. Nesse sentido, as plataformas não poderiam mais oferecer serviços gratuitos de hospedagem ou compartilhamento de conteúdo sem pagar aos criadores que desejam usar seus produtos. Isso significa que poderá deixar de ser viável financeiramente para as plataformas oferecer serviços gratuitos.
3) Dá amplos poderes a um órgão governamental para decidir o que os brasileiros podem ver na internet
O PL 2630 coloca em risco o livre fluxo de informações na web ao prever a criação de uma “entidade reguladora autônoma” pelo Poder Executivo com funções de monitoramento e regulação da internet. Pela proposta, o órgão terá amplos poderes para limitar o conteúdo disponível aos brasileiros, e contará com baixo nível de supervisão, tornando-se sujeito a abusos.
Além disso, de acordo com o texto, esse órgão pode instituir um “protocolo de segurança”, obrigando as plataformas a ceder à entidade de supervisão o controle de suas regras, termos de uso, processos e características dos seus produtos, sem nenhuma checagem ou controle efetivos. Neste período, os pedidos das autoridades poderiam ainda incluir dados sensíveis de usuários, violando a privacidade de pessoas e empresas brasileiras que usam nossos produtos. É um tipo de controle que poderia comprometer seriamente o fluxo livre de informações que existe hoje e que faz da internet um espaço no qual diferentes vozes podem se manifestar.
Ainda, ao estabelecer “protocolos de segurança”, essa entidade passa a tornar as empresas de tecnologia responsáveis por danos causados por conteúdo de terceiros, o que significa a suspensão temporária do Marco Civil da Internet. Na prática, o modelo cria um incentivo para que plataformas, como o YouTube, que hospedam conteúdos de usuários, adotem uma moderação excessiva, levando a um maior número de remoções e comprometendo a liberdade de expressão de milhares de criadores que desejam manifestar suas opiniões de forma legítima.
4) Traz sérias ameaças à liberdade de expressão
A proposta atual traz várias disposições que determinam um “dever de cuidado” a ser executado preventivamente pelas plataformas, principalmente, no que se refere aos conteúdos considerados ilegais pela proposta. Se o texto avançar assim, empresas de tecnologia terão que filtrar e moderar conteúdos considerando uma análise legal e assumindo uma função exercida tradicionalmente pelo Poder Judiciário.
Sem os parâmetros de proteção do Marco Civil da Internet e com as novas ameaças de multas, as empresas seriam estimuladas a remover discursos legítimos, resultando em um bloqueio excessivo e uma nova forma de censura.
Quando pensamos no YouTube ou na Busca do Google, que já têm mecanismos de denúncia disponíveis para usuários, a redação atual do PL 2630 cria um sistema que pode incentivar abusos, permitindo que pessoas e grupos mal-intencionados inundem nossos sistemas com requerimentos para remover conteúdos sem nenhuma proteção legal.
A incerteza do que pode ou não ser disponibilizado na internet levaria as empresas a restringir a quantidade de informações disponíveis, reduzindo a representatividade de vozes que existem nas plataformas. Isso violaria diretamente o princípio do acesso livre à informação, o que seria uma grande retrocesso na guerra contra conteúdos enganosos.
5) Prejudica empresas e anunciantes brasileiros
Somente no ano passado, o Google ajudou a gerar mais de 396 milhões de conexões diretas entre consumidores e empresas, por mês, incluindo ligações, orientações, mensagens, agendamentos e avaliações, beneficiando mais de 11 milhões de empresas brasileiras.
Desde o surgimento da internet, a publicidade online tem sido um pilar fundamental da web aberta. Ela permite que bilhões de pessoas em todo o mundo tenham acesso gratuito a produtos e serviços, incluindo conteúdos locais e relevantes para os brasileiros em português.
Os anúncios digitais também são um multiplicador da atividade econômica. De acordo com nosso Relatório de Impacto Econômico mais recente, a Busca do Google, o Google Play, o YouTube e as plataformas de anúncios do Google tiveram um impacto econômico de R$ 104,5 bilhões no Brasil em 2021. Parte desse impacto vêm das conexões diretas que nossos produtos ajudam a gerar entre empresas e consumidores.
O PL 2630 pode afetar esse impacto positivo dos anúncios digitais. Caso o texto atual seja aprovado, as empresas brasileiras vão precisar lidar com uma série de novas exigências para utilizar a publicidade digital como parte de sua estratégia de negócios. Por exemplo, foram incluídas apressadamente no texto do projeto normas para regular toda a cadeia de tecnologia de anúncios digitais. Isso pode trazer confusão sobre qual é a responsabilidade de cada ator desse ecossistema e incentivar um aumento desnecessário no custo da publicidade online.
Entre outras exigências, o novo texto prevê ainda que empresas compartilhem muitas informações sobre sua estratégia de marketing, o que criaria mais desafios para as pequenas e médias empresas que usam o digital para competir com empresas maiores.
Nós queremos que as pessoas tenham o poder de tomar decisões bem informadas sobre os anúncios que veem na internet. Isso significa fornecer maior transparência sobre quem são nossos anunciantes, onde estão localizados os anúncios e quais peças de campanha foram exibidas por meio do Google. Nos últimos anos, lançamos várias iniciativas nesse sentido, como atualizações importantes da Minha Central de Anúncios, do Relatório de Transparência de Anúncios Políticos e da Central de Transparência de Anúncios.
O PL 2630 também diz que apenas empresas com representação local podem anunciar em plataformas digitais no Brasil, impedindo que muitas companhias estrangeiras promovam seus produtos e serviços para brasileiros. Você consegue imaginar não poder ver um anúncio de passagem em um site de viagens estrangeiro ou um produto legal em site de varejo internacional por causa dessa restrição? Ou fazer uma pesquisa por um produto no Google e não ter acesso a um anúncio de que o item está em promoção em um e-commerce fora do país? Em tempos de comércio globalizado, acreditamos que esse tipo de regra vai contra os princípios da livre concorrência, isola o Brasil no mercado internacional e limita as escolhas do consumidor brasileiro.
6) Dificulta o acesso dos brasileiros à Busca do Google ao tratar buscadores como redes sociais
A Busca do Google procura oferecer os resultados mais relevantes e confiáveis possíveis para as pessoas. Usamos sistemas de classificação para atender às expectativas dos usuários de encontrar fontes de informação relevantes e de alta qualidade, além de reduzir a exibição de conteúdo prejudicial ou de baixa qualidade nos resultados de pesquisa. O design desses sistemas, no qual investimos desde a nossa fundação, é nossa maior defesa contra informações de baixa qualidade – incluindo conteúdo ilegal e nocivo.
Na versão atual do PL 2630, os mecanismos de pesquisa são tratados da mesma forma que as redes sociais e os serviços de mensagens instantâneas. Isso acaba causando uma distorção que prejudica a Busca, já que ela tem ferramentas limitadas para remover conteúdos ilegais. Quando identificamos um comentário de ódio, por exemplo, a única ação que podemos tomar é remover a URL dos resultados, enquanto a página continua no ar e somente o proprietário do website poderia fazer a remoção.
Igualar buscadores a redes sociais também impõe aos buscadores um dever inviável de monitorar proativamente toda a internet em busca de determinados tipos de conteúdo considerados ilegais pela regulação. Isso, inevitavelmente, levaria a um bloqueio massivo de páginas potencialmente legítimas, já que em se tratando de temas controversos, como imagens fortes, mas que na verdade fazem parte de reportagens jornalísticas, seriam bloqueados para evitar possíveis sanções.
Por fim, o texto estabelece obrigações de remuneração de direitos autorais pelo uso de quaisquer obras literárias, artísticas ou científicas por plataformas e provedores. Se for aplicada aos sistemas de busca, esta obrigação pode ter efeitos significativos na disponibilidade desses conteúdos. A medida desconsidera o papel fundamental e gratuito que ferramentas como a Busca desempenham ao ajudar a divulgar o conteúdo produzido por milhões de criadores diariamente, incluindo os produtores de notícias.
Entendemos a urgência de lidar com questões tão importantes, como o problema da desinformação, e continuamos empenhados em contribuir com o debate público, inclusive com a criação de novas leis. O texto atual, porém, acabou se desviando de seu objetivo original de combater a desinformação, trazendo de forma apressada novos dispositivos sem discussão ampla com a sociedade, inclusive sem passar pelas comissões da Câmara dos Deputados.
Criar uma legislação que tem o potencial de mudar profundamente a forma como milhões de brasileiros, empresas e empreendedores usam a internet é uma responsabilidade compartilhada que precisa ser feita de forma colaborativa e construtiva para atingirmos o equilíbrio certo. Fale com o seu deputado ou deputada e nos ajude a chamar a atenção para os potenciais impactos do PL 2630 com a hashtag #MaisDebatePL2630.
Como o PL 2630 pode prejudicar o jornalismo, se não for revisado
Temos sérias preocupações de que, se o Projeto de Lei 2630 não for revisado, isso prejudicaria o jornalismo no Brasil como consequência não intencional de disposições amplas e vagas no artigo que trata da remuneração das organizações de notícias. Especificamente:
- Põe em risco os atuais e desencoraja novos investimentos em organizações de notícias. O texto não reconhece o valor e apoio existentes que plataformas como o Google oferecem às organizações de notícias e ao ecossistema jornalístico. Pior ainda, o projeto de lei desincentiva plataformas e veículos de notícia a inovar maneiras de ajudar mais pessoas a acessar conteúdos de notícia. Esse é justamente o efeito oposto ao pretendido pelo projeto de lei.
- Exige que as plataformas veiculem conteúdo potencialmente desinformativo e prejudicial. O projeto de lei restringe a capacidade das plataformas de remover conteúdo publicado de qualquer suposta fonte jornalística que se enquadre na definição ampla de organização de notícias, mesmo quando o conteúdo é identificado como desinformação. Como consequência, isso pode dificultar a busca de conteúdo jornalístico de qualidade e, assim, prejudicar o combate à desinformação.
- Reduz acesso e receita para os sites jornalísticos, especialmente os menores. Como efeito dos impactos descritos acima, o resultado será a redução do tráfego gerado – hoje, gratuitamente – aos veículos de notícias pelos buscadores e agregadores de notícias, além de comprometer a capacidade das pessoas de descobrir novos sites de notícias, com uma variedade de pontos de vista e opiniões no país.
Temos a responsabilidade compartilhada com toda a sociedade de construir alternativas que contribuam com o jornalismo, a inovação e o combate à desinformação. A garantia de um futuro melhor e mais sustentável para o jornalismo não pode depender de uma só indústria, nem de regulações apressadas que oferecem consequências indesejadas e incertezas ao ecossistema de notícias online.
Precisamos debater mais para termos uma regulação eficiente e equilibrada
Nos últimos dias, ocorreram diversas manifestações públicas a favor de acelerar a aprovação de uma proposta de regulação de plataformas digitais. O objetivo seria dar solução a problemas complexos, como a desinformação, ou trágicos, como os abomináveis ataques recentes em escolas brasileiras. Reforçamos nosso repúdio aos últimos episódios de violência e reafirmamos nossa solidariedade a todas as pessoas que foram, de algum modo, afetadas.
Apesar do anseio por soluções imediatas, propostas de regulação da internet discutidas sem o devido cuidado podem, em lugar de resolver essas graves questões, acabar prejudicando o trabalho que já é feito, promovendo impactos negativos na vida das pessoas. Uma legislação apressada pode piorar o funcionamento da internet, cercear direitos fundamentais, favorecer determinados grupos ou setores da economia e criar mecanismos que coloquem em risco discursos legítimos e a liberdade de expressão.
Infelizmente, esse debate público não vem acontecendo da mesma maneira como foi com o Marco Civil da Internet, uma lei brasileira que se tornou uma referência global por sua elaboração colaborativa e princípios modernos.
A principal proposta em discussão hoje é o Projeto de Lei 2630. Depois de passar por uma votação no Senado em 2020, o projeto tramitou na Câmara, onde sofreu diversas alterações que distanciaram o texto de seu objetivo original de ajudar a combater a desinformação. Isso sem o texto passar por nenhuma comissão.
No ano passado, nós apontamos como determinados mecanismos do PL trariam risco para a segurança dos usuários, afetariam a capacidade de pequenos e médios negócios de promover seus produtos e serviços ou, ainda, de os brasileiros buscarem e acessarem informação de qualidade.
É certo que um projeto de tamanha complexidade merece mais espaço de discussão e mais tempo para um debate de qualidade. Esse parece ter sido também o entendimento na Câmara, quando, em abril do ano passado, rejeitou em votação um pedido de trâmite em regime de urgência para o PL 2630.
Nesta semana, circulou uma nova versão do texto que incorpora contribuições do Governo Federal ao relatório do PL 2630. Uma parte relevante dos pontos incorporados nunca foi objeto de debate no Congresso. Além disso, existe a possibilidade de o projeto ser colocado para votação em regime de urgência até a próxima semana, o que limita o espaço de discussão e as possibilidades de aperfeiçoamento do texto no Congresso.
Entendemos e concordamos com a urgência em lidar com desafios que preocupam a todos, como desinformação, ataques violentos a escolas ou à democracia – trabalhamos todos os dias para contribuir com o enfrentamento dessas questões. Mas precisamos ser cuidadosos.
O texto atual propõe mudanças significativas na forma como a internet funciona hoje e inclui propostas novas que podem, contrariamente, agravar o problema da desinformação. Somente trabalhando juntos, de maneira coordenada poderemos chegar a uma proposta de legislação mais eficiente e equilibrada.
Estamos atravessando tempos desafiadores e temos a responsabilidade compartilhada de construir alternativas que garantam a segurança e o bem-estar dos brasileiros, sem trazer consequências indesejadas para o uso da Internet no Brasil e sem comprometer a inovação e a geração de oportunidades propiciadas pelas novas tecnologias.
Acreditamos que os brasileiros, aqueles que usam as nossas plataformas ou não, precisam estar cientes da discussão em torno do PL 2630. Seguiremos empenhados em contribuir para o debate. Ao mesmo tempo, continuaremos contrários a uma discussão apressada, em regime de urgência, de propostas de lei que possam impactar a segurança e o acesso de milhões de brasileiros a produtos úteis, como a Busca do Google e o YouTube. Todos os brasileiros precisam fazer parte dessa conversa.
O debate sobre responsabilidade e liberdade de expressão na internet
O debate sobre responsabilidade e liberdade de expressão na internet tem ganhado força em diversos países pelo mundo e, no Brasil, propostas e frentes de diálogo têm surgido nos âmbitos Executivo, Legislativo e Judiciário. Neste último, dois casos a serem julgados pelo Supremo Tribunal Federal, em data a ser definida, têm levantado questões sobre a constitucionalidade do Artigo 19 do Marco Civil da Internet. É esse dispositivo que atualmente confere ao Judiciário a palavra final sobre o que é ou não lícito nas plataformas de internet, sem, contudo, impedi-las de estabelecerem suas próprias regras sobre o conteúdo que hospedam ou exibem.
Para escutar diferentes opiniões e setores da sociedade sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal realiza hoje e amanhã uma audiência pública na qual o Google estará presente para debater o regime de responsabilidades das plataformas de internet sobre conteúdos produzidos pelos usuários. Acreditamos que esse debate é de extrema relevância não apenas para empresas de tecnologia, mas para todos os brasileiros que usam a internet. Uma decisão que declare a inconstitucionalidade do Artigo 19 pode impactar a internet como conhecemos: pode afetar a liberdade de expressão e de informação, restringir a inovação e o empreendedorismo e reduzir a capacidade dos brasileiros de se manifestarem no ambiente digital.
Guilherme Sanchez, advogado do Google Brasil
Abaixo, estão os principais pontos do Google em defesa da manutenção do Artigo 19 do Marco Civil da Internet:
- As plataformas não dependem de ordens judiciais para remover conteúdo nocivo. Elas já fazem isso por meio de políticas que regem o que pode ou não ser compartilhado.
É um mito supor que o artigo 19 do Marco Civil da Internet seria a razão pela qual se pode encontrar conteúdos nocivos ou ilegais na internet. Não esperamos até que haja uma decisão judicial para remover esse tipo de conteúdo que viola as políticas das nossas plataformas. Somente no Brasil, em 2022, o YouTube removeu mais de um milhão de vídeos que violavam nossas políticas contra desinformação, discurso de ódio, violência, assédio, segurança infantil, entre outras. Esse número contrasta com uma quantidade muito menor de requisições judiciais para a retirada de conteúdo. No mesmo período, em todo o País, foram pouco mais de 1.700 casos para todos os nossos produtos, incluindo o YouTube. - Mesmo boas políticas de moderação serão incapazes de lidar de maneira exaustiva com todos os conteúdos controversos.
Especialmente considerando a variedade e complexidade com que esse tipo de conteúdo se apresenta na internet. A atuação judicial nesses casos não é um defeito, mas sim uma virtude do Marco Civil da Internet, que reconhece a atribuição do Poder Judiciário para atuar nos casos difíceis e traçar a fronteira entre discursos ilícitos e críticas legítimas, ainda que ácidas. - Aumentar a responsabilidade civil das plataformas não é a chave para tornar a internet um lugar mais seguro.
Responsabilizar plataformas digitais, como se elas próprias fossem as autoras do conteúdo que hospedam ou exibem, levaria a um dever de monitoramento de todo o conteúdo produzido pelas pessoas no ambiente digital, o que comprometeria o ambiente plural da internet e criaria uma pressão para a remoção de qualquer discurso minimamente controverso online. O artigo 19 do Marco Civil reproduz o consenso dos países democráticos em afastar a responsabilidade direta e objetiva de vigilância das plataformas sobre o conteúdo gerado pelas pessoas. Não é o modelo de responsabilização ou o procedimento de notificação e retirada de conteúdo que faz, por exemplo, o artigo 21 do Marco Civil da Internet funcionar bem para remover conteúdo de pornografia de vingança a partir de uma notificação extrajudicial, mas sim o seu caráter ilegal eminentemente objetivo. É muito mais simples identificar uma cena de nudez desautorizada do que interpretar a legalidade de uma fala controversa sobre um tema político, por exemplo. - Trocar a segurança do artigo 19 por um regime de responsabilização baseado em critérios abertos ou pouco precisos geraria enormes riscos.
Entre as possíveis consequências negativas, estão: (i) incentivo às plataformas a presumir a ilegalidade de todo conteúdo controverso, porque essa é a forma mais racional de evitar o risco de responsabilidade civil; (ii) desestímulo ao comportamento responsável das pessoas, na medida em que a conta de sua irresponsabilidade seria transferida para as empresas; e (iii) incentivo a novas ações judiciais contra as plataformas, muitas vezes motivadas pela facilidade de litigar sem custos. - Propostas de aperfeiçoamento da legislação devem estabelecer processos e critérios claros para notificações solicitando a remoção de conteúdo.
Isso evitaria a banalização, a insegurança jurídica e o incentivo econômico à censura. É necessário, por exemplo, que a notificação aponte o conteúdo que se considera ilícito de forma inequívoca, uma justificativa que indique de forma específica o fundamento da alegada ilicitude, além de prazos e procedimentos adequados para a realização deste trabalho.
Temos um grande desafio pela frente, mas responsabilizar as plataformas por conteúdos de terceiros não é uma solução capaz de endereçar a complexidade do ambiente digital e traz consequências mais nefastas do que os desafios atuais que enfrentamos. Seguiremos buscando apoiar a construção das melhores soluções para o ambiente digital no país.
Veja neste link a íntegra da exposição (e da apresentação de apoio) do Google na audiência pública desta terça-feira, 28.