Em audiência pública realizada na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), representante da Secretaria da Fazenda (Sefaz-SP) admitiu que o órgão utilizou a pandemia de Covid-19 como pretexto para barrar a isenção do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) de quase 80% das pessoas com deficiência (PcDs) que têm direito ao benefício. Isso ocorreu com a criação de burocracia extra para o acesso à isenção do IPVA.
Entenda como a burocracia dificulta a isenção do IPVA para PcDs
O caráter draconiano da lei estadual nº 17.293 – editada durante a pandemia, em 2020 – teria sido corrigido no ano passado, quando, segundo afirmou auditor fiscal Luiz Fernando Garcia, a norma estadual passou a se adequar à legislação federal. “Na lei do IPVA, a condição para se conceder a isenção repete ipsis litteris o que está na Lei Brasileira de Inclusão (LBI)”, disse Garcia aos parlamentares.
Na prática, porém, a dificuldade de acesso de milhares de PcDs ao benefício continua ocorrendo por causa de barreiras burocráticas criadas pelo Estado. O editor do “Diário PcD”, Abrão Dib, que coordenou a audiência pública, afirmou que há 42 mil pessoas – de acordo com os dados do Estado – enfrentando a necessidade de provar que ainda possuem algum tipo de deficiência.
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“O amputado precisa provar que continua amputado, a família que tem uma criança autista precisa provar que o filho continua autista”, desabafou Dib.
Em vez de continuar credenciando a rede de médicos do Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo (Detran-SP), que tem capilaridade em todos os municípios para prosseguir atestando ou não os casos de deficiência, o Decreto nº 66.470/2022, de fevereiro de 2022, exigiu que os laudos fossem expedidos exclusivamente pelo Instituto de Medicina Social e de Criminologia (Imesc).
“Até maio de 2022, o Imesc não havia conseguido nem publicar o edital de credenciamento das clínicas”, destacou o editor, relatando que os 13 pontos de atendimento são tão poucos em relação ao tamanho do território que é comum as pessoas terem de viajar 500 quilômetros para realizar a perícia.
O valor pago por perícia aos médicos credenciados (R$ 211) tem dificultado a adesão de um maior número de clínicas, conforme explicou o médico perito Felipe Salles, membro titular do Grupo de Trabalho Interdisciplinar, criado especificamente para organizar as perícias para fins de concessão de isenção de IPVA. Salles informou que o modelo escolhido para os exames foi a avaliação biopsicossocial, definida pela LBI.
A baixa remuneração por um exame detalhado – o periciando deve ser submetido a um questionário de 50 perguntas, muitas das quais nada relacionadas à deficiência relatada, como, por exemplo, quantas vezes por semana o entrevistado pratica relações sexuais – traz consigo um efeito colateral: a fraude.
Para fazer com que o teto remuneratório estabelecido pelo Imesc se torne atrativo, muitas clínicas vêm agendando consultas de cinco em cinco minutos, intervalo de tempo em que seria impossível realizar o questionário, os exames, a análise de radiografias etc.
“Em muitos casos esse questionário não vem sendo aplicado, só cinco ou seis perguntas, mas ele aparece totalmente respondido, com informações aleatórias”, denunciou Sandra Saltini, representante do Movimento PcD.
Burocracia impõe situações desumanas
Luís Augusto, de Ribeirão Preto, tem um filho de quatro anos com autismo severo (nível 3). O local mais próximo para realizar a perícia seria em Araçatuba, a 400 quilômetros. Entretanto, o transtorno impossibilita que a criança viaje, porque após 20 minutos no carro surgem as crises.
“Ele começa a se debater, sai até do cinto de segurança, é muito perigoso”, explicou. A solução foi encontrada por via judicial, pela qual conseguiu impor ao Imesc a obrigação de aplicar perícia domiciliar, que foi finalmente realizada no último dia 30 de março. “Eu imagino quantas pessoas vivem situações semelhantes a acabam perdendo a isenção do IPVA, à qual elas têm direito.”
Se Luís Augusto teve de gastar com advogado para obter a perícia domiciliar, Donizete José Enoc, de Amparo, teve de pedir ajuda ao filho para pagar o IPVA do seu veículo. O tributo deveria estar suspenso, uma vez que ele já agendou perícia no site do Imesc antes da data limite, 28 de fevereiro.
Mas essa informação não foi repassada para a Sefaz-SP nem para o Detran-SP, o que tornou impossível renovar o licenciamento do seu veículo por causa do débito do IPVA. Na verdade, a isenção de Donizete jamais deveria ter sido condicionada a qualquer renovação pericial, uma vez que sua deficiência se trata da amputação de uma perna na altura do joelho.
Burocracia é inconstitucional, diz advogado
Para o advogado Marcos Antônio da Silva, a lei estadual e a portaria que a regulamentou têm constitucionalidade questionável. Para ele, a competência para a elaboração dos critérios da avaliação biopsicossocial seria da União e, enquanto esses critérios não forem definidos, os laudos deveriam se basear apenas na constatação da deficiência.
“São avaliadas condições que nada dizem respeito à dirigibilidade dos veículos. Existem perguntas no questionário que servem somente para subestimar o grau de deficiência das pessoas, tirando-lhes o direito às isenções. Há casos de pessoas amputadas sendo classificadas como com deficiência leve”, argumentou o advogado.
Na audiência, Silva também acusou o Imesc por não considerar as indicações e propostas levadas pelas entidades representativas das PCDs, o que contraria a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, diploma que tem força de emenda constitucional.
Com informações da assessoria do deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL).
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Fonte: garagem360.com.br