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Pragas da Argentina: seca, inflação de 100%, criminalidade — e política

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Por uma daquelas ironias que não espantam há muito tempo os argentinos, a melhor notícia para o país nos últimos dias veio do FMI. O ministro da Economia, Sergio Massa, conseguiu um acordo com o Fundo que reduz a meta das reservas do Banco Central, uma revisão realista diante das expectativas de redução das importações agrícolas antecipada por uma seca devastadora. 

Isso para não falar na crise mundial que emana dos Estados Unidos e mantém o planeta próximo de um ataque de nervos. Ah, sim: o presidente foi hospitalizado por causa de uma hérnia lombar — mas os mais cínicos dizem que isso pode ter amainado a crise ao diminuir a probabilidade de decisões erradas.

Claro que o FMI é invocado como o bicho papão por um leque de organizações dedicadas ao protesto profissional. O acordo praticamente coincidiu com a marca dos três dígitos alcançada pela , amplamente antecipada, mas com alto valor simbólico.

“A inflação galopante gera uma mudança existencial. Reformula permanentemente o ‘para quê’ tanto de indivíduos quanto de organizações. Muda a natureza dos vínculos e objetivos gerais em grandes e pequenas empresas, consumidores e trabalhadores, profissionais independentes que prestam serviços e o próprio Estado”, anotou no La Nación o comentarista Francisco Juéguen.

Ele também lembrou um cálculo tenebroso: excetuando-se os períodos de hiperinflação e de paridade com o dólar, a tem vivido uma média anual de 43% de inflação desde 1945. É praticamente um atestado de fracasso de um país formidavelmente dotado pela natureza e que chegou a zerar o analfabetismo muitas décadas antes do Brasil — que ainda tem essa conta em aberto.

Os recursos que poderiam salvar o país, como as reservas de gás da região de Vaca Muerta, hoje empalidecem diante de vacas mortas de verdade, vítimas da seca. A calamidade climática que afeta a produção de soja, milho e trigo — favorecendo os agricultores brasileiros — deve tirar até 20 bilhões de dólares da economia.

A seca passará, mas os políticos continuarão. E aí está uma das encrencas que empatam a Argentina. O país tem hoje uma miríade de 141 programas sociais e os pobres estão cada vez mais pobres. Em lugar dos incentivos para a economia crescer, gerar empregos bem pagos e dar o salto da eliminação da pobreza, a prática argentina tem sido a de criar benefícios na canetada — com os gastos correspondentes.

Chega um momento em que até os beneficiados percebem que estão na verdade recebendo malefícios: o Estado “bonzinho”, tal como encravado na psique nacional desde o alvorecer do peronismo, piora sua vida em vez de melhorar. Esse é o motivo básico da embaçamento político do momento. Alberto Fernández quer ser candidato à reeleição, apesar da popularidade de níveis desastrosos e da inimizade declarada de e sua turma. 

Só não está pior porque também entre os kirchneristas não existe clareza política sobre qual candidato com mais chances — isso se for para acreditar na promessa de Cristina de não concorrer a nada.

A coalizão oposicionista Juntos pela Mudança não está em situação muito melhor. Mauricio Macri, que não fez nada do que prometeu, não diz se vai ser candidato ou não e o voto oposicionista está fragmentado. Sergio Massa apostava numa candidatura presidencial, mas o serviço que está mostrando dinamita essa possibilidade

É uma situação que favorece um outsider, um candidato inviável que, subitamente, não parece tão absurdo assim — o Brasil sabe muito bem como é isso. O argentino é Javier Milei, economista transformado em celebridade — e em deputado — ao pregar soluções como dolarizar a economia, acabar com o peso e até explodir o banco central.

“Obviamente, quando a inflação sobe, mais gente pensa em votar em mim”, diz ele.

A inflação está em 102,5%, os juros básicos em 75%, a pobreza em 40% e a aprovação a Milei a 31%, comparativamente um bom número.

Milei, que tem identidade ideológica com Eduardo Bolsonaro, seria um salto no escuro rumo ao desconhecido, sem nenhuma base partidária nem condições de executar mesmo a mais cordata de suas propostas libertárias, quanto mais as exageradas.

Na hora do desespero, vale qualquer alternativa. E vai ficando cada vez maior o desespero dos argentinos, que tem explodido em episódios como os ataques a delegacias de polícia em protesto contra o domínio dos narcotraficantes, um fenômeno que aflorou depois de um atentado contra o supermercado do sogro de Lionel Messi em Rosário. 

Daí para uma daquelas explosões sociais que convulsionam periodicamente o país é um passo. E bem curto.

Fonte: Veja

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