Com o conceito de amor romântico, surgiu no imaginário das pessoas a ideia de que, uma vez apaixonado e dentro de um relacionamento feliz, não se tem mais “olhos” para pessoas de fora; ou seja, não há mais espaço para individualidade sexual ou sentir desejo por terceiros. O que muita gente não sabe é que a repressão sexual consequente deste pensamento pode interferir diretamente na libido dentro do próprio casal.
Na sociedade atual, a maior representante do amor romântico dentre as dinâmicas de relacionamento é a monogamia. De acordo com a psicóloga e terapeuta sexual Lorena Muniz, ela não é o único modelo relacional existente, e nem de longe é capaz de atender plenamente os três campos de necessidades humanas (evolutivas, psicológicas e sociais) – assim como nenhum modelo racional é.
“Sabemos que a espécie humana não é programada biologicamente para a exclusividade sexual. Em paralelo, sabemos também que evolutivamente desenvolvemos uma necessidade psicológica/emocional de segurança, estabilidade e previsibilidade. A monogamia antecede o processo civilizatório em muitas sociedades, e deduz-se que isso tem a ver com a necessidade evolutiva de criar condições para o desenvolvimento da prole. Ou seja, a monogamia não é meramente uma construção da cultura, mas tem um caráter de preservação da espécie em sua história”, elucida.
Desejo sexual
No meio disso tudo, como fica o desejo sexual? Para começar, é importante ressaltar que seres humanos são biopsicossociais. Ou seja, o tesão acontece nos prismas biológicos, psicológicos e sociais. Biologicamente, o desejo é um impulso que pode ou não ter sua manifestação barrada por processos psíquicos e culturais.
Ou seja, apesar da ideia construída de “exclusividade de tesão”, na prática, não é assim que funciona. Muito embora o desejo não apareça de forma aleatória e indiferente por qualquer pessoa, quando ele aparece não é possível “escolher” a quem ele será direcionado. Ele não seleciona seu objeto pelo papel que ele desempenha – marido, namorado, amigo…
“A monogamia nos impõe a seleção de um parceiro sexual e um acordo de exclusividade. Contudo, prometer não transar com outras pessoas não garante que não existirá o desejo sexual por outras pessoas. Como é um impulso, não temos controle sobre seu surgimento nem intensidade, temos controle exclusivamente sobre o que decidimos fazer com esse desejo, ou seja, como nos comportamos em relação a ele”, pontua.
Reprimir impulsos?
A partir do momento em que se entende que não é possível controlar o surgimento do desejo, apenas a maneira como se lida com ele, surge uma outra problemática: o mais certo seria reprimir algo subjetivo como o tesão, ainda que dentro de um relacionamento monogâmico? Lembrando que a não repressão não é, necessariamente, colocar a vontade em prática, mas abraçá-la e aceitá-la como um impulso natural, produto da individualidade sexual.
Apesar de o primeiro reflexo de alguém monogâmico ser reprimir esse desejo, a médio e longo prazo isso pode trazer consequências negativas para a libido individual e também para a vida sexual do casal.
“Reprimir um impulso demanda de nós um investimento psíquico alto de autocontrole. Não é prazeroso abrir mão de uma potencial gratificação sexual. Essa frustração, se não for trabalhada de maneira muito adulta e consciente, pode acabar sendo endereçada à parceria como uma nota promissória de ressentimento”, alerta Lorena.
A repetição desse modus operandi ao longo dos anos dentro de uma relação pode levar a um “acúmulo de dívida”, que acaba por afastar sexualmente o casal. Afinal, nas palavras da psicóloga, “ressentimento não é nada afrodisíaco”.
Por outro lado, essa culpabilização pode ser direcionada também à própria pessoa, que por ter naquele desejo sexual uma ideia de “traição” à parceria, acaba se sentindo culpado, vendo aquele impulso como algo “sujo”. Consequentemente, esse sentimento passa a ser atribuído a qualquer desejo sexual, inclusive dentro do relacionamento.
“O mito do amor romântico nos vendeu a narrativa de que, uma vez que encontrássemos nossa alma gêmea, não seríamos capazes de desejar ninguém além daquela pessoa. Quando nos pegamos dentro de uma relação com alguém que amamos desejando outra pessoa, nos sentimos inadequados, que tem algo de errado conosco ou com a relação. É um sentimento de vergonha por não conseguir conter os próprios desejos”, afirma.
A culpa e a vergonha fazem com que a pessoa se feche, se isole dentro do próprio relacionamento. Isso, somado ao medo de que esses desejos por outra pessoa transpareçam à parceria, afeta diretamente a vida sexual do casal.
Respeito à individualidade sexual
Qual seria, então, a solução para o problema? Como quase tudo em um relacionamento, muito diálogo e principalmente, respeito às individualidades sexuais – a própria e a do outro.
Além de conversar abertamente sobre os limites dentro da relação (como, por exemplo, o que é traição ou não), é importante saber que não se pode achar que você tem o direito de controle sobre a sexualidade do parceiro.
Lorena explica que os valores e regras propagados pela civilização ocidental nos levaram a acreditar que um parceiro deve ter total gerência sobre a sexualidade do outro, mesmo daquilo que acontece nos campo da individualidade e até mesmo da imaginação.
“Essa tentativa de controle também está profundamente ligada à tentativa desesperada das pessoas de evitar a rejeição e o abandono, além do sentimento de que não são tão especiais quanto pensavam que eram, a ponto de conseguir capturar com exclusividade todo o desejo da parceria”, finaliza.
Fonte: midianews