Para a atribulada economia mundial, entrevada pela nefasta conjunção de pandemia, inflação e crise energética, o ano começou com uma boa notícia: Estados Unidos, Europa e, agora, a China, livre da amarra da política de Covid Zero, esboçam uma reação mais animadora do que se previa. Segundo as últimas projeções do Fundo Monetário Internacional, em 2023 haverá um avanço econômico global de 2,9%, levemente acima do previsto em outubro. Entre os países ricos, só um destoa dessa perspectiva melhor do que a esperada: o Reino Unido, única nação do G7 para a qual o FMI antecipa não um aumento, mas uma retração de 0,5% na atividade econômica.
Economia britânica
Os grevistas reivindicam aumento de salário, diante da alta de 80% na conta de luz nos últimos quatro meses e dos gastos com comida, que subiram 6 bilhões de libras entre 2019 e 2022. A paralisação mais ampla afeta o sistema de saúde pública, um orgulho nacional no passado que vem se deteriorando há tempos e despencou para o caos na pandemia devido à escassez generalizada de profissionais desencantados com a inação do governo — em uma semana conturbada, pararam, ao mesmo tempo, enfermeiros, motoristas de ambulância e fisioterapeutas na maior greve do setor na história do país. Estima-se que em dezembro 500 pessoas morreram aguardando atendimento em prontos-socorros, e a lista de espera de tratamentos passa de 7 milhões. “Não temos mão de obra suficiente nem tempo para atender todo mundo”, resume uma médica britânico-brasileira que atua na grande Londres há duas décadas e prefere não dar o nome.
Sem perspectiva de forte reação econômica à vista, o futuro pode ser sombrio: um trabalho acadêmico divulgado pelo Financial Times calcula que em dois anos a família média britânica terá padrão de vida abaixo do da eslovena e, até o fim da década, será mais pobre do que a polonesa. Diversos fatores se uniram para deslanchar a crise britânica. A ilha foi particularmente afetada pela disseminação da Covid-19, que impôs um rigoroso e prolongado lockdown. A produção de petróleo e gás no Mar do Norte, que supre 40% da demanda, sofreu um baque por causa de falhas na manutenção de plataformas, situação agravada pelo corte do fornecimento russo em represália à invasão da Ucrânia. Pairando sobre tudo isso, porém, estão os problemas trazidos pelo Brexit, a separação da União Europeia que acaba de completar três anos. Pesquisa recente mostra que, de cada três britânicos que apoiaram a saída, só um continua a achá-la positiva.
A principal promessa dos conservadores pró-Brexit que governam o país desde a aprovação do divórcio era liberar a economia das amarras da UE, tornando o Reino Unido mais “ágil” no cenário mundial. Na prática aconteceu o contrário: os custos e a burocracia se ampliaram e as trocas internacionais refluíram. “Está cada vez mais claro que o Brexit não reduziu gastos, não liberou o comércio e não reforçou nossa soberania. Ele não passa de um esquema de pirâmide político”, critica Nick Westcott, da London School of Economics. A mão de obra vinda de outros países do bloco perdeu benefícios e optou por retornar, deixando o Reino Unido com um déficit de 370 000 trabalhadores. “Vemos diariamente provas de que o Brexit deixou o país mais pobre, mais fraco, menos eficiente e menos respeitado no mundo. Foi o maior ato de autoflagelação nacional já registrado”, diz Alastair Campbell, marqueteiro do ex-primeiro-ministro Tony Blair.
Ao completar 100 dias de governo, o primeiro-ministro Rishi Sunak tenta pôr em prática um plano de cinco pontos que prevê mais recursos em energia e saúde e estímulos à indústria e ao comércio, mas são poucas as chances de obter resultados em um cenário de inflação acelerada, juros em alta (foram dez aumentos seguidos) e investidores em debandada — sem falar nas rivalidades internas do Partido Conservador. Lema adotado durante a II Guerra e disseminado mundo afora, “Fique calmo e siga em frente” é recomendação cada vez mais difícil de ser seguida no Reino Unido.
Publicado em VEJA de 15 de fevereiro de 2023,
Fonte: Veja