“Eu sempre fui a favor da legalização de todas as drogas”, dizia Milton Friedman, esgrimindo um argumento não baseado nos princípios libertários que defendia, mas nas consequências factuais da repressão, incluindo os índices de encarceramento e “a corrupção criada” pelo combate aos entorpecentes.
Estaria Friedman certo na sua análise, ironicamente parecida com a de seus adversários ideológicos de esquerda, ou apenas abordava o assunto como economista, não um especialista em comportamento criminoso consciente de que as prisões relacionadas a drogas incluem em geral outros crimes muito mais violentos?
A discussão tem argumentos consideráveis dos dois lados – desde que ninguém repita o “slogan Soros” de que “a guerra contra as drogas fracassou” (George Soros é um dos grandes financiadores de ONGs que militam pela legalização, em geral repetindo literalmente os mesmos conceitos, como meninos bem comportados que sabem de onde vem o dinheiro).
Na Colúmbia Britânica, a grande província canadense do lado do Pacífico, onde a beleza e o desenvolvimento de Vancouver são manchados por sua própria versão da Cracolândia, as teses a favor da liberação das drogas começam esta semana a ser testadas. Na prática, as drogas de todos os tipos já são liberadas, mas agora uma “experiência” de três anos elimina oficialmente a criminalização do porte em pequena quantidade de todas as drogas, incluindo as mais pesadas. A polícia fica proibida de interferir nesses casos.
Em e no estado americano do Oregon, a mesma política já vigora. Tal como os portugueses, os canadenses também fornecem agulhas esterilizadas, torniquetes e orientação sobre atendimento médico. Faltam as “narcossalas”, espaços para o consumo de drogas em circunstâncias controladas. Também há o fornecimento de metadona aos que querem deixar o uso da heroína.
Imaginar que o Estado ajuda drogados a se drogar é um exercício intelectual e moral complicado. Ainda mais num país como o , onde recentemente os órgãos sanitários deram novas orientações ao público, advertindo que a quantidade aceitável de bebida é de duas doses por semana. Repetindo, por semana.
E se fossem abertos centros de oferta de bebidas a alcoólatras ou pessoas acostumadas a exagerar nos drinques? É, obviamente, uma ideia absurda.
Por que não aplicar o mesmo princípio aos entorpecentes?
Os defensores da liberação argumentam que Portugal acumulou em vinte anos resultados positivos, como redução pela metade dos casos de Aids em viciados que usam seringas e queda de 75% para 45% dos encarcerados por motivos relacionados a drogas.
O consumo continuou mais ou menos o mesmo. Na Colúmbia Britânica, pode acontecer até um aumento, pois viciados de outros pontos do país já estão de mudança para a província. Cerca de 15 mil pessoas morreram de overdose na província desde 2016, quando passou a ser aplicada a política de redução de danos. Como nos , o fentanil é responsável pela ampla maioria das mortes.
Um ex-viciado, Jerry Martin, já avisou que vai abrir em Vancouver uma loja para o fornecimento de heroína, crack, cocaína e outras drogas, com o objetivo de garantir produtos confiáveis – ou tão confiáveis quanto possível, considerando-se as substâncias envolvidas. Os vendedores, planeja ele, usarão coletes à prova de balas por causa da freguesia definitivamente pouco confiável.
As novas regulamentações não permitem esse tipo de comércio. Mas, como tudo o mais envolvendo esse assunto, parece só questão de tempo.
Lidar com drogas e com aqueles que passam a não viver sem elas é um problema de altíssima complexidade. Os tratamentos são caros e frequentemente fracassados. Países de desenvolvimento médio não têm estrutura para oferecê-los. Até num país rico como o Canadá, o sistema de saúde é sobrecarregado e frequentemente criticado.
Tirar o “estigma” dos viciados não muda a realidade e a experiência na Colúmbia Britânica vai ajudar a entender se a liberação ajuda, atrapalha ou deixa tudo na mesma. E se a cracolândia de Vancouver pode um dia virar um lugar seguro, bem cuidado e saudável, como tantos outros do Canadá.
Fonte: Veja