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Ciência & Saúde

Conheça o Domo de Araguainha – a maior cratera de impacto meteorítico do Brasil

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Este é o 23º texto do blog Deriva Continental, escrito por Álvaro Penteado Crósta, da Unicamp, Natalia Hauser e Wolf Uwe Reimold, da UnB, e  Joana Paula Sánchez, da UFG.

Crateras de impacto de meteoritos são estruturas geológicas relativamente raras na Terra. Atualmente conhecemos apenas 200 delas, espalhadas pelos cinco continentes do planeta. Esse número é baixo quando comparado a outros satélites e corpos planetários, como a Lua, Marte, Vênus e Mercúrio.

Existe um motivo para isso: na Terra, as crateras meteoríticas não se conservam no decorrer do tempo geológico. Em decorrência da dinâmica geológica comum em nosso planeta, o registro dos impactos é continuamente apagado da superfície da Terra pela ação da erosão, transporte e deposição de sedimentos, movimentação das placas tectônicas, entre outros.

Explicamos esse processo em detalhes . Atualmente existem nove estruturas de impacto brasileiras cientificamente comprovadas. Veja no mapa abaixo.

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Localização Das Estruturas De Impacto Brasileiras Cuja Origem Por Impactos De Corpos Celestes Já Foi Cientificamente Comprovada. Ao Fundo, O Mapa Geológico Do Brasil (Cprm, Mapa Geológico Na Escala 1:1 Milhão; 2004). Álvaro Penteado Crósta, Natalia Hauser, Wolf Uwe Reimold E Joana Paula Sánchez/Reprodução

O Domo de Araguainha é a maior estrutura de impacto do Brasil – e da América do Sul. A cratera localizada da divisa entre Mato Grosso e Goiás tem 40 quilômetros de diâmetro e é a 15ª maior do mundo.

Em outubro de 2022, o Domo de Araguainha foi selecionado pela International Union of Geological Sciences (IUGS) para integrar uma lista dos primeiros 100 sítios geológicos mundiais. A seleção da IUGS, uma das maiores organizações mundiais das Ciências da Terra, tem o objetivo de valorizar o patrimônio geológico do nosso planeta.

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Certificado Da Iugs Conferindo Ao Domo De Araguainha Status De Sítio Geológico De Importância Mundial Para O Patrimônio Geológico Da Terra. Álvaro Penteado Crósta, Natalia Hauser, Wolf Uwe Reimold E Joana Paula Sánchez/Reprodução

O Domo de Araguainha é, por enquanto, a única estrutura de impacto nesta lista. Os impactos foram fundamentais para a formação de todos os corpos sólidos do Sistema Solar, mas seu processo geológico ainda é relativamente pouco conhecido. As crateras representam um laboratório natural para estudar e entender em detalhes esse tipo de processo ultra-rápido e hiper-energético. O estudo do Domo também é importante para estimar os riscos futuros de impactos de grandes dimensões e suas consequências para o meio ambiente e para a vida no planeta.

A estrutura é cortada pelo rio Araguaia, que divide os estados de Mato Grosso e Goiás. Está localizada a aproximadamente 760 km de Brasília e 500 km de Cuiabá e de Goiânia. Com uma área de 1.300 km2 (equivalente à do município de São Paulo), o Domo de Araguainha contém duas cidades em seu interior: Araguainha, próximo ao centro da cratera, e Ponte Branca, na sua extremidade norte. Ambas ficam no Mato Grosso.

A descoberta

O Domo de Araguainha é uma estrutura de impacto do tipo complexo. Isso significa que há uma parte central elevada, com 12 quilômetros de diâmetro, e terraços de colapso ao longo da parte interna da borda da estrutura.

A estrutura é conhecida desde a década de 1970, graças a estudos exploratórios para petróleo e gás pela Petrobras. No entanto, sua origem foi inicialmente atribuída a processos internos da crosta terrestre – acreditava-se que ela era produto de uma intrusão de rochas ígneas.

Dois pesquisadores norte-americanos, que trabalhavam para a NASA, deram os primeiros indícios de que aquilo se tratava de uma “cicatriz” deixada pelo impacto de um meteorito. Robert Dietz e Bevan French, ao interpretarem as primeiras imagens do satélite Landsat em 1973, identificaram semelhanças entre o Domo de Araguainha e outras estruturas de impacto terrestres já conhecidas. Após uma análise de lâminas delgadas de rochas do local, fornecidas pela Petrobras, eles constataram a presença de feições microscópicas de deformação por altas pressões, produzidas somente pelo impacto de corpos celestes.

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Imagem Do Satélite Landsat Do Domo De Araguainha, Cortado Ao Meio Pelo Rio Araguaia E Tendo Em Seu Interior As Cidades De Araguainha E Ponte Branca (Mt). Álvaro Penteado Crósta, Natalia Hauser, Wolf Uwe Reimold E Joana Paula Sánchez/Reprodução

A comprovação final da origem do Domo de Araguainha se deu pela investigação do professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Alvaro P. Crósta. No final da década de 1970, ele realizou pesquisas buscando as evidências desse fenômeno, até então desconhecido no Brasil.

Como se formou

O Domo de Araguainha se formou há aproximadamente 250-259 milhões de anos, período que inclui a transição entre os períodos geológicos Permiano e Triássico. O corpo celeste que originou a cratera provavelmente foi um asteroide de 3 quilômetros de diâmetro.

Naquela época a região onde hoje fica o Domo era uma zona costeira, coberta por um oceano relativamente raso. O impacto, portanto, aconteceu na água, mas também afetou as rochas sedimentares anteriormente depositadas na bacia Paraná, e até mesmo as rochas cristalinas mais profundas. Estima-se que a cratera formada pelo impacto escavou alguns quilômetros da parte superior da crosta terrestre do local, expondo e deformando todas essas rochas.

A porção central da estrutura elevada é composta por rochas que estavam a poucos quilômetros de profundidade, e que foram levantadas e expostas na superfície. Essa elevação central é circundada por uma bacia anelar que, por sua vez, é envolvida por estruturas em forma de anéis, com a mais externa formando o limite da estrutura. O Domo se assemelha a um alvo com múltiplas faixas circulares. Abaixo, é possível observar a distribuição circular das unidades geológicas, tendo ao centro as mais antigas formando o núcleo soerguido, seguido das mais jovens, localizadas na borda da estrutura.

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Mapa Geológico Do Domo De Araguainha (Cprm – Serviço Geológico Do Brasil) Álvaro Penteado Crósta, Natalia Hauser, Wolf Uwe Reimold E Joana Paula Sánchez/Reprodução

O centro da estrutura tem cerca de 5 quilômetros de diâmetro. Lá afloram rochas cristalinas que estavam originalmente abaixo das rochas sedimentares da bacia. Essas rochas são compostas por um granito alcalino (rico em feldspato potássico), filitos e meta-arenitos – essas últimas representam rochas sedimentares de uma bacia do período Neoproterozoico (entre 1 bilhão e 540 milhões de anos), posteriormente metamorfisadas. O granito tem uma idade aproximada de 512 milhões de anos (período Cambriano).

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Vista Panorâmica Da Serra Da Arnica (Direção Nw). A Serra Da Arnica Representa Parte Do Colar Ao Redor Do Granito E O Ponto Mais Alto Da Parte Central Soerguida. Em Esta Serra Pode Ser Apreciada Rochas Altamente Deformadas (Dobradas). A Estrada De Terra Na Foto É A Rodovia Mt-100, Que Hoje Está Asfaltada E Passa Pelas Cidades De Ponte Branca E Araguainha. Álvaro Penteado Crósta, Natalia Hauser, Wolf Uwe Reimold E Joana Paula Sánchez/Reprodução

A área central é circundada por brechas de impacto – um tipo de rocha composta por fragmentos de outras rochas pré-existentes fragmentadas pelo impacto. Envolvendo as brechas, em uma outra faixa em forma de anel, encontram-se rochas sedimentares do tipo arenito, bastante deformadas pelo impacto. Outros vestígios do impacto na parte central do Domo são as brechas contendo rochas fundidas, conhecidas como suevitos.

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Detalhe Das Brechas Polimícticas, Compostas Por Fragmentos De Vários Tipos De Rochas Sedimentares. Álvaro Penteado Crósta, Natalia Hauser, Wolf Uwe Reimold E Joana Paula Sánchez/Reprodução
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Suevito, um tipo de brecha contendo material fundido (derretido) pelo
impacto. Álvaro Penteado Crósta, Natalia Hauser, Wolf Uwe Reimold e Joana Paula Sánchez/Reprodução
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Afloramento de rocha fundida pelo impacto em corte na rodovia MT-100. A figura
menor mostra um cristal de zircão deformado pelo impacto presente na rocha fundida. Além de
ajudar a determinar a idade de formação da cratera, esse mineral dá informações sobre as
condições de pressão e temperatura decorrentes do impacto. Álvaro Penteado Crósta, Natalia Hauser, Wolf Uwe Reimold e Joana Paula Sánchez/Reprodução
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Vista Panorâmica Do Colar Interno Olhando Para Sul, Próximo À Araguainha. Observa-Se As Rochas Sedimentares Bastante Deformadas (Dobradas). Álvaro Penteado Crósta, Natalia Hauser, Wolf Uwe Reimold E Joana Paula Sánchez/Reprodução

No Domo de Araguainha também é possível encontrar cones de estilhaçamento. Eles são o único tipo de deformação exclusivamente formada por impactos meteoríticos que pode ser visto a olho nu. Estes são agregados de estruturas cônicas estriadas que se formam pela passagem das ondas de choque decorrentes do impacto pelas rochas pré-existentes.

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Detalhe Dos Cones De Estilhaçamento, Comuns Nos Filitos Do Grupo Cuiabá. Esses Cones São A Única Evidência Diagnóstica Meso- Ou Macroscópica De Estruturas De Impacto. Álvaro Penteado Crósta, Natalia Hauser, Wolf Uwe Reimold E Joana Paula Sánchez/Reprodução

Uma das feições microscópicas diagnósticas de deformação de impacto mais comuns são as feições planares de deformação. Elas são bastante comuns no Domo de Araguainha e ocorrem principalmente nos cristais de quartzo do granito aflorante no centro da estrutura e nos fragmentos de rocha que formam as brechas de impacto.

Conhecemos a idade do Domo de Araguainha graças a datações utilizando isótopos pai do elemento urânio (U) e do isótopo filho de chumbo (Pb), presentes nos minerais zircão (ZrSiO4) e monazita (Ce,La,Nd,Th)PO4). Estes minerais foram extraídos das rochas fundidas pelo impacto e utilizados para determinar em que época geológica ele ocorreu.

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Exemplo De Dois Sets De Pdf Em Quartzo Do Granito De Araguainha. Álvaro Penteado Crósta, Natalia Hauser, Wolf Uwe Reimold E Joana Paula Sánchez/Reprodução

Nessa mesma época ocorreu o maior evento de extinção da vida na Terra. Conhecida como a “mãe das extinções de massa”, esse evento teve como consequência o desaparecimento de cerca de 90% das espécies marinhas e 70% dos vertebrados terrestres. Embora as causas dessa catástrofe não tenham ainda sido esclarecidas, uma das hipóteses sugere que o impacto que formou o Domo de Araguainha teria sido responsável (ou ao menos contribuído) pela extinção.

Segundo essa hipótese, o impacto teria causado a liberação de imensas quantidades de gás metano das rochas sedimentares da Bacia Paraná ricas em matéria orgânica. Isso teria produzido efeito estufa, aquecendo subitamente o clima do planeta. Tal mecanismo, contudo, ainda precisa ser confirmado.

Patrimônio Geológico

Em 2021, a International Union of Geological Sciences (IUGS), órgão ligado à UNESCO, lançou uma iniciativa para selecionar locais icônicos em todo o mundo que simbolizassem a relevância científica e cultural das Ciências Geológicas e representassem o patrimônio geológico do planeta. Assim nasceu o projeto “The First 100 IUGS Geological Heritage Sites”. Dentre os sítios selecionados, três estão situados no Brasil: Pão de Açúcar (RJ), Quadrilátero Ferrífero (MG) e Domo de Araguainha (MT-GO). Há ainda um quarto compartilhado entre Brasil e Argentina (Cataratas do Iguaçu).

O processo de seleção, que durou cerca de um ano, ficou a cargo de uma comissão internacional composta por mais de 70 especialistas de 43 países e de representantes de 10 organizações geocientíficas internacionais. Os sítios foram escolhidos de acordo com critérios estabelecidos pela IUGS, como seu valor científico, potencial para uso em atividades educacionais/culturais/turísticas, estado de conservação, acessibilidade e medidas de proteção. Essa lista deverá ser ampliada no futuro, com a seleção de novos sítios que atendam a esses critérios.

O anúncio da lista dos sítios geológicos selecionados foi feito em uma conferência realizada no final de outubro de 2022, na cidade de Zumaia, na Espanha. Na ocasião, que também celebrou o 60º aniversário da IUGS, foi lançado um livro ilustrado, que você confere aqui.

A proposta do Domo de Araguainha foi sugerida pela Profa. Joana Sanchez, da Universidade Federal de Goiás, e elaborada pelos professores de Geologia Alvaro P. Crósta, da Unicamp, e Natalia Hauser e Wolf Uwe Reimold, da Universidade de Brasília.

Fonte: abril

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