Sophia @princesinhamt
Economia

Por que estados maiores tendem a ser mais autoritários? Entenda os motivos.

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Se pudéssemos resumir de forma bem simplória — mas, ainda assim, fiel — a tese primordial da Escola Austríaca de Economia, poderíamos dizer que é o imperativo de que quaisquer aspirações à planificação central das vontades e escolhas humanas correm rapidamente ao encontro do fracasso econômico. Ao mesmo tempo, massificam os indivíduos por meio do sempre recorrente autoritarismo estatal. Tal imperativo se alarga e nutre infindáveis abordagens nas ciências humanas e econômicas, da praxiologia, conceituada no canônico livro de Ludwig von Mises Ação Humana, à interessantíssima e ainda pouco conhecida no Brasil, “teoria da eficiência dinâmica”, de Huerta de Soto.

Independentemente do que pensamos da Escola Austríaca, de seus desenvolvimentos teóricos e de seus súditos defensores, parece-me salutar nos rendermos à verdade de que poucos ‒ para não dizer “quase nenhum” — dos grandes institutos e escolas defenderam tal fato humano como os austríacos. Aliás, me parece serem poucas as certezas realmente comprovadas nas ciências humanas como a realidade de que todos os planejamentos de controle central da sociedade e da economia falharam, e continuam falhando, miseravelmente — e “miserável”, aqui, não foi um adjetivo a esmo. Experiência após experiência somos lembrados de que as escolhas, aspirações e ações dos indivíduos são, ao final, realmente livres e, por isso, não totalmente controláveis e categorizáveis.

Talvez os exemplos mais certos, ao mesmo tempo que abjetos, foram as duas grandes ideologias assassinas que a humanidade abarcou no século , nazismo e comunismo. Mises bem sabia disso, o momento de mostrar até onde podem ir os planificadores em busca de seus ideais abstratos era justamente aquele, a era dos extremos políticos. Em Governo Onipotente, Mises tem um dos seus momentos mais didáticos e lúcidos, não que em outros muitos livros ele não tenha reunido tais características, mas nesse referido livro eles aparecem límpidos até mesmo para aqueles que não são simpáticos às suas conclusões.

Mises analisa aqui, primordialmente, como o liberalismo alemão, ão estruturado, bem construído sobre uma filosofia sólida, degringolou para um nacionalismo cada vez mais romântico e utópico, encontrando no nacional socialismo, uma ideologia tão confusa quanto mí, a expressão de segurança e desejo de uma nação ressentida de seus erros e perdas. Nesse escrito, a originalidade de Mises está em perceber que a eterna análise histórica de que o nazismo surgiu e cresceu — quase que exclusivamente — a partir do rancor e da lambeção de feridas causadas pela Primeira Guerra Mundial é uma visão parcial e que pouco explica. O liberalismo alemão, afirma Mises, vinha abdicando de seus valores primordiais, adulando o Estado, quando não, instigando-o a administrar setores da sociedade gradativamente mais amplos em troca de ordem e segurança, na crença fundamental e pueril de que somente com governos fortes — e com “fortes” entenda-se “grandes” — e capazes de gerenciar os aspectos do cotidiano familiar e até mesmo individual. Somente assim alcançariam a tão sonhada paz e estabilidade. Mises argumenta que essa mentalidade, gestada não somente do rancor e mágoas, foi a fresta por onde entrou o incenso da insanidade política, a brutalidade ideológica.

Dividindo o livro em quatro partes, 1 – “O Colapso do Liberalismo Alemão”, 2 – “Nacionalismo”, 3 – “O Nazismo Alemão”, 4 – “O Futuro da Civilização Ocidental”, o autor desdobra um plano íntimo da história do século XX. Mises nos mostra que, apesar das diferenças teóricas e míticas que há entre as ideologias totalitárias do século XX, a crença comum que sustenta todas elas é a de que o Estado grande e massivo é a única alternativa para a ordem e a paz da nação; da economia à moral social, das preferências mercadológicas do indivíduo às crenças políticas e religiosas mais íntimas das famílias, em todos esses aspectos somente haverá algum resquício de cosmopolitismo e ordem social se o Estado gerenciar tudo isso através de seu olhar onisciente e braço onipotente.

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Foto: Reprodução/Redes Sociais

Assim sendo, segundo Mises, o estatismo é comprovadamente o núcleo mais danoso e perigoso para a humanidade. Tanto o nacionalismo quanto o comunismo são estruturas que se fiam na mesma mentalidade: a dependência moral, política e econômica de um planejador central. Fascismo, nazismo e comunismo são filhos de uma mesma ideia, a saber, controle estatal da vida comum. Eles usam o mesmo aparato político para gerenciar o poder, assim como para administrar suas doses de despotismo, o Estado. Como disse Vladimir Tismăneanu em Do comunismo, nazismo e comunismo são filhos do mesmo útero, consequências de um mesmo mal. Mises já havia estudado e percebido isso muitas décadas antes, a primeira edição de Governo onipotente é de 1944, Hitler sequer tinha sido vencido quando Mises expôs o núcleo nefasto da sua máquina totalitarista; Stálin estava em plena atuação expurgativa quando, nos Estados Unidos, Mises já dissecava a estrutura nefasta do estatismo comunista.

Lançado em sua primeira edição brasileira pela editora LVM, em 2021, no clube de assinatura Ludovico, com ótima tradução de Pedro Sette-Câmara, o livro é um daqueles espólios raros de uma mente genial que durante décadas a fio deixamos passar como se ele simplesmente não existisse. A pergunta sincera que resta, então, ao findar a leitura relativamente ardilosa de Governo onipotente, é a seguinte: como pudemos passar tanto tempo sem conhecer um livro tão essencial e profundo sobre um tema tão explorado.

Dessa forma, a saga filosófica de Mises, transformada naquela ideia primordial da Escola Austríaca, é colocada nesse livro de forma definitiva: um Estado grande inevitavelmente será autoritário em algum aspecto, pois pressupõe a troca da autonomia individual pelo planejamento central da máquina pública, e, quando aliado a uma ideologia assassina, se torna um Estado genocida. Ou seja, Estados grandes tendem ao autoritarismo, assim como sociedades autoritárias pressupõem Estados grandes que sustentem seus atos opressivos. Independentemente de sua visão política, isso é uma lógica que o século XX provou de forma irrevogável.

A única maneira de evitarmos plenamente o mal do totalitarismo é diminuir drasticamente o poder do Estado, aumentando a responsabilidade e autonomia dos indivíduos; em suma, a receita contra o fascismo e o comunismo, já explicava , em 1944, é desidratar o Estado e fortalecer o indivíduo, empoderar as instituições e grupos sociais enquanto, ao mesmo tempo, desacredita publicamente as ideologias e ideólogos extremistas.

De fato, meus caros, após finalizar a leitura, notamos claramente que o Brasil necessita infinitamente mais de Mises do que de Marx.

Leia também: “Três mitos sobre Marx”, artigo de Phillip Magness publicado na Edição 170 da Revista Oeste

Fonte: revistaoeste

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