É um clichê lermos reportagens sobre pessoas que chegam aos 100 anos de idade, ou mesmo aos 110, onde é feita alguma variação da pergunta: “Qual é o seu segredo para viver tanto tempo?”
Inevitavelmente lemos alguma resposta interessante e inesperada. Fish and chips (peixe frito com batatas, tradicional prato britânico) toda sexta-feira. Beber um copo de uma bebida com alto teor alcoólico todos os dias. Bacon no café da manhã todas as manhãs. Vinho e chocolate.
Embora seja uma notícia popular, essa é uma pergunta relativamente sem sentido que não nos ajuda a entender por que certas pessoas viveram tanto tempo.
Vou tentar explicar por que, usando pilotos de caça, edifícios e estatísticas.
Na Segunda Guerra Mundial, os estatísticos aliados estavam aplicando suas habilidades para minimizar o número de bombardeiros que eram abatidos pelo fogo inimigo.
Ao estudar os padrões de danos dos bombardeiros que retornavam da ação, foi possível elaborar mapas das partes mais frequentemente danificadas dos aviões, de modo que pudessem adicionar armaduras mais fortes a essas áreas para protegê-las.
Bastante simples, certo? Então, surge o estatístico Abraham Wald, que defendia exatamente o oposto. Os aviões que eles estavam estudando eram aqueles que retornaram do combate com danos extensos, mas e os que não retornaram?
Wald argumentava que a blindagem mais forte deveria ser adicionada nos locais que não foram danificados em todos os aviões que retornaram, já que os aviões atingidos nessas áreas não danificadas foram abatidos e nunca voltaram para serem inspecionados.
Viés de sobrevivência
Esse fenômeno é conhecido como viés de sobrevivência, ou o viés cognitivo e estatístico introduzido por contar apenas aqueles que estão por perto para contar, mas ignorando aqueles que não “sobreviveram”.
Você pode levar esses exemplos ao absurdo.
Imagine um grupo de 100 pessoas, todas fumantes durante toda a vida. Como grupo, os fumantes morreriam mais cedo de câncer, doença pulmonar ou doença cardíaca, mas um ou dois poderiam desafiar as probabilidades e viver até os 100 anos de idade.
Agora imagine o intrépido jornalista entrevistando a alma sortuda em seu 100º aniversário com aquela pergunta clássica: “A que você atribui seu envelhecimento bem-sucedido?”
“Ao fato de fumar um maço de cigarros por dia”, diz o recém-centenário.
Parece óbvio, mas o viés de sobrevivência está em toda parte na sociedade. Todos nós podemos pensar naquele ator ou empresário famoso que teve sucesso apesar das adversidades, que trabalhou duro, acreditou em si mesmo e um dia conseguiu. Mas nunca lemos ou ouvimos sobre os inúmeros exemplos de pessoas que tentaram, deram tudo de si e nunca conseguiram.
O fato é que isso não é notícia. Mas cria um viés: ouvimos principalmente os sucessos, nunca os fracassos.
Esse viés também se aplica às nossas percepções de arquitetura (a maioria dos grandes edifícios de um determinado período “sobrevive”), às finanças (frequentemente ouvimos exemplos de pessoas que tiveram sucesso em investimentos de risco, os que fracassaram não vendem livros ou planos de autoajuda) e aos planos de carreira (“Se você trabalhar duro e largar a faculdade agora, poderá ser um atleta de sucesso como eu”, dizem aqueles que tiveram sucesso).
Trabalho com uma variedade de pessoas mais velhas e, com frequência, incluo pessoas extremas que viveram até idades extremas. Atualmente, estamos estudando pessoas com mais de 65 anos de idade que mantiveram níveis excepcionalmente altos de exercícios até uma idade mais avançada e mantiveram uma saúde excelente.
Eles são exemplos fenomenais de seres humanos mais velhos, muitos deles são mais rápidos, mais aptos e mais fortes do que eu em muitas das medidas que realizamos no laboratório, apesar de terem quase o dobro da minha idade.
Embora saibamos que seus exercícios ao longo da vida estejam associados à sua saúde excepcionalmente boa em idade avançada, ainda não podemos afirmar diretamente que um causa o outro.
Pode ser que as pessoas altamente ativas estejam protegidas contra doenças crônicas, como cânceres, diabetes e doenças cardíacas. Mas também pode ser que essas pessoas continuem ativas na velhice, pois não foram afetadas por cânceres, diabetes ou doenças cardíacas no início da vida.
Por outro lado, pode haver um terceiro fator desconhecido que ainda não identificamos sobre essas pessoas que as mantém saudáveis e, separadamente, as mantém se exercitando.
Para maior clareza, há coisas que cientistas como eu dirão, em linguagem científica e com ressalvas, que provavelmente o ajudarão a viver mais. Ser muito ativo fisicamente, não comer demais e não fumar estão todos nessa lista, além de ter uma perspectiva positiva da vida e, é claro, escolher os pais e avós certos.
Correlação não é igual a causalidade. Esse ponto é incansavelmente martelado para os alunos dos cursos de ciências. É assim que nosso cérebro funciona, vemos um padrão entre duas variáveis e presumimos que elas estão ligadas de alguma forma. Mas muitas vezes, como no caso do viés de sobrevivência, não estamos analisando todos os dados e, portanto, encontramos padrões onde não há nenhum.
*Bradley Elliott, é professor sênior de fisiologia, University of Westminster.
Este artigo é republicado do The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o original aqui.
Fonte: uol