O consenso geral é que o melhor amigo do homem é o cachorro (ou gato, ou qualquer outro pet). Mas qual o maior inimigo?
Você pode responder os grandes predadores, como os tubarões ou crocodilos, que são temidos ao redor do globo. Mas esses animais raramente causam ataques fatais: no mundo inteiro, os tubarões são responsáveis por uma média de 63 ataques anuais, dos quais só cinco ou seis resultam em mortes. Os crocodilos são mais perigosos: nos Estados Unidos, por exemplo, a média é de oito mordidas assassinas na conta deles. Mesmo assim, os verdadeiros líderes do ranking de animais que mais matam pessoas são os mosquitos.
Mas, quando o critério é guardar rancor e ser vingativo, nenhum animal chega nem aos pés dos corvos.
Esses pássaros sabem revidar ofensas como ninguém. Em 2019, o site CrowTrax, criado para monitorar os ataques de corvos ao redor do mundo, recebeu mais de 5 mil registros de ataques dessas aves. Só em Vancouver, cidade canadense onde a ferramenta nasceu, 8 mil ataques foram registrados desde o início do monitoramento, em 2016.
Parece até a história do filme de terror “Os Pássaros”, de Alfred Hitchcock, em que os corvos atacavam violentamente os moradores de uma cidade na Califórnia, mas é vida real.
Gene Carter, especialista em computação que vive em Seattle, nos EUA, foi alvo por quase um ano. OOs pássaros se empoleiravam nas janelas de sua casa, e de lá acompanhavam todos os movimentos que ele fazia.
“Os corvos me encaravam na cozinha”, contou em entrevista para o The New York Times. “Se eu me levantasse e me movesse pela casa, eles encontravam um lugar onde podiam se empoleirar e gritar para mim. Se eu saísse para o carro, mergulhavam sobre mim, chegando a poucos centímetros da minha cabeça.”
O estopim para tanta raiva foi um único evento: Carter jogou um ancinho para espantar o bando de perto de um ninho de outro pássaro. A perseguição só acabou quando a especialista se mudou de casa.
Quando um bando – nome dado ao coletivo dessas aves – escolhe um alvo, o resultado não é nada bonito. A perseguição inclui ataques de ira que podem durar mais que uma dúzia de anos, além de ser capaz de virar um rancor multigeracional – ou seja, a raiva é passada de pai para filho.
Corvos ofendidos podem se mostrar investidos a manter uma punição incessante a quem vacilou com eles. E o ódio não é nem um pouco aleatório: eles têm a habilidade de decorar e reconhecer rostos – mesmo em meio a grandes multidões.
John Marzluff, professor da Universidade de Washington em Seattle, dedicou sua vida para estudar a interação entre humanos e corvos. Ele carinhosamente apelidou esses animais como “macacos voadores”, por causa da sua inteligência avançada e o tamanho de seus cérebros em relação ao corpo – que é consideravelmente grande.
Em “A Inteligência das Aves”, a escritora e ornitóloga Jennifer Ackerman defende que a expressão “cérebro de passarinho”, usada como uma analogia à burrice, não tem lógica. Isso porque, “nas últimas duas décadas, pesquisas mundo afora têm revelado exemplos de aves capazes de façanhas mentais comparáveis às dos primatas”.
Exemplo disso são os corvos. Os pássaros pretos, ícones do Halloween, são verdadeiros gênios. Eles conseguem realizar atividades de alta demanda cognitiva porque possuem um cérebro mais denso, o que ajuda na criação de uma linha de raciocínio. Além disso, seus neurônios estão concentrados na parte frontal do cérebro, responsável pelo planejamento.
A inteligência desses pássaros vai além de tramar vinganças contra quem cruza seu caminho. Eles conseguem imitar a fala humana, usar ferramentas, realizar desafios lógicos e até fazer ‘funerais’ para membros do bando.
Quanto tempo os corvos guardam rancor?
Marzluff acredita que o rancor pode durar até 17 anos.
O número surgiu a partir de um experimento iniciado em 2006. O professor capturou sete corvos usando uma rede, mas estava disfarçado: usava uma máscara de ogro, dessas fantasias de Halloween. As aves foram libertadas, mas o episódio foi traumático para os corvos e outros membros do bando.
O pesquisador e seus assistentes usavam, de tempos em tempos, a máscara para observar até quando os corvos do campus manteriam o rancor, registrando quantos emitiam gritos agressivos.
O pico de corvos revoltados ocorreu, mais ou menos, sete anos após o início do experimento, quando metade deles reagiu com sons estridentes na presença da máscara de ogro. Com o passar da década, o número de corvos rancorosos diminuiu gradualmente, e, em uma caminhada em setembro, Marzluff encontrou 16 corvos que, pela primeira vez, o ignoraram completamente.
Christian Blum, cientista cognitivo da Universidade de Viena, conduziu um experimento parecido, entre os anos de 2011 e 2015, inspirado no trabalho de Marzluff. Usando uma máscara, mostrou um corvo morto diante de corvos vivos e, logo depois, passou pelo corredor de gaiolas usando uma outra máscara, sem o corvo.
Os pássaros reagiram com gritos à “máscara perigosa” com muito mais frequência do que à máscara “comum”, e essa resposta persistiu ao longo de todos os anos do experimento. Isso sugere que, “se você realmente os incomodar, eles podem guardar rancor por muito tempo”, destacou Blum para o New York Times.
Fonte: abril