Em uma crônica publicada no livro A mesa voadora, de 2001, o escritor gaúcho Luis Fernando Verissimo descreve uma categoria singular de locais que só os entendidos conhecem: o “lugarzinho”. Geralmente escondido, mas muitas vezes próximo de uma atração mais conhecida, o “lugarzinho” tem um charme próprio, quase sempre velado, capaz de transformar a experiência de uma viagem.
Pode ser um bar obscuro, um museu inexplorado, uma loja secreta – ou, no caso da Holanda, um destino injustamente deixado de fora de boa parte dos roteiros turísticos. Sede do governo, casa da família real e terceiro maior município do país, Haia é um delicioso “lugarzinho” holandês pronto para ser descoberto por quem topa deixar Amsterdã de lado por uns dias.
Com as vantagens de ser compacto, o que permite emendar uma atração em outra caso o tempo esteja reduzido, e de ficar muito perto de várias outras cidades interessantes que valem passeios bate-e-volta, como Delft, Utrecht e Roterdã.
Sabe aquela frase gravada no retrovisor de carros importados, “os objetos refletidos no espelho estão mais perto do que aparentam”? Pois a Holanda, maior apenas do que os estados brasileiros de Alagoas, Sergipe e o Distrito Federal, é toda assim.
Quando decidi me hospedar em Haia para visitar meu irmão, que mora na pequena e fofa Voorburg, a menos de 10 quilômetros de distância, fiquei surpresa ao pesquisar sobre a cidade e ver a quantidade de coisas que podia fazer ali, a começar pelos imperdíveis museus.
Minha primeira parada foi o Mauritshuis, a um quarteirão do meu hotel (não falei que tudo é perto?), instalado na antiga e bela residência de Maurício de Nassau – sim, o mesmo Maurício de Nassau que a gente conhece dos livros de História, governador de uma colônia holandesa em Pernambuco no século XVII.
Além de quadros produzidos pela trupe de artistas que ele trouxe na bagagem, e que retratam um Brasil ainda quase selvagem, o museu guarda obras-primas como Garota com brinco de pérola e Vista de Delft, ambos de Johannes Vermeer, A lição de anatomia do dr. Nicolaes Tulp, de Rembrandt, e O pintassilgo, de Carel Fabritius.
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(Aqui, preciso abrir um parêntese: Garota com brinco de pérola é uma das pinturas mais bonitas que já vi em mais de trinta anos de visitas a museus na Europa e nas Américas. Sozinho, o privilégio de poder observá-la muito de perto, quase identificando cada pincelada do artista sobre a tela, já vale uns dias em Haia. Por que choras, Mona Lisa?)
Vizinho ao Mauritshuis fica o Binnenhof, imponente sede do parlamento holandês. De frente para um lago bucólico cheio de patinhos, o conjunto de prédios é tão instagramável quanto qualquer canal de Amsterdã. Sua localização marca o miolinho do Centrum, o centro da cidade, bairro dividido em diversas microrregiões que podem ser confortavelmente exploradas a pé, como o Plein ou as áreas comerciais do Hofkwartier, cheio de lojinhas locais e descoladas, e das ruas Spui e Grote Markt, onde estão grandes nomes do varejo como C&A (de origem holandesa), H&M, Uniqlo e Printemps.
A partir da principal artéria do Hofkwartier, a rua Noordeinde – que, depois do canal, muda de nome para Zeestraat -, uma caminhada de cerca de 20 minutos passa pela frente do palácio onde a realeza holandesa dá expediente desde o século XVI, sem acesso ao público, e leva à chamada Zona Internacional e ao prédio que tornou Haia conhecida como “cidade da paz e da justiça”: o Vredespaleis, ou Palácio da Paz, sede da Corte Internacional de Justiça da ONU e do Tribunal Permanente de Arbitragem, estabelecido em 1899 para resolver conflitos entre nações.
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Para conhecer o edifício por dentro é preciso agendar uma visita guiada, mas muita gente vai mesmo só para tirar uma foto em frente à torre com relógio que é a marca registrada do local. Em dias bonitos, pode ser uma boa dar uma esticada dali para a região vizinha, Scheveningen, onde ficam as praias locais. Cheia de restaurantes com cardápio especializado em peixes e frutos do mar, a área tem também um píer e um shopping center.
Da principal estação de transportes, a Den Haag Centraal – Den Haag é Haia em holandês, assim como The Hague é o nome em inglês -, trens frequentes levam até Utrecht, que muita gente considera uma Amsterdã em miniatura, com canais e casas de fachada estreita ladeados por muitas árvores e ruas de burburinho permanente graças aos estudantes que frequentam, ali, uma das principais universidades do país.
Pode haver um certo exagero, mas a viagem dura apenas meia hora e caminhar pelo centro histórico para admirar o cenário e garimpar os caprichados brechós locais ou ver o tempo passar num dos bares do Oudegracht, o “canal antigo”, é sem dúvida um programa prazeroso. Para uma vista panorâmica, suba os 465 degraus até o alto da Domtoren, a torre mais alta do país, com 112 metros, que começou a ser construída no século XIV.
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Ainda mais próximas de Haia, com acesso por trem ou bonde, Delft e Roterdã são outras opções bacanas para um dia diferente. Maior porto da Europa, Roterdã precisou passar por uma reconstrução depois de ter sido duramente atingida por bombardeios na Segunda Guerra Mundial.
O melhor passeio da cidade não custa nada: descobrir e admirar a arquitetura arrojada de lugares como o museu Depot Boijmans Van Beuningen, que tem as paredes externas espelhadas, as Casas Cubo, pintadas de amarelo e dispostas lado a lado de maneira enviesada, ou o imenso Markthal, misto de prédio de apartamentos e mercado gastronômico com lojas e restaurantes, erguido em formato de ferradura.
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Delft, distante cerca de 15 minutos de bonde do centro de Haia, repete a vibe canais-moinhos-fofura. Procure descer na parada próxima ao Kolk, junto ao Oude Delft, o canal antigo, para experimentar a mesma vista de Johannes Vermeer ao pintar o famoso quadro exposto no Mauritshuis – 350 anos separam a cena na tela e o panorama atual, mas as torres das três antigas igrejas continuam nos mesmos locais.
De volta a Haia, outros dois museus completam a lista das principais atrações da cidade. Autor de desenhos intrigantes, como paisagens que se transformam em pássaros ou escadas e pilares que se interligam de jeitos impossíveis, o holandês M.C. Escher tem sua obra exposta ao lado dos trabalhos de artistas contemporâneos que dialogam com seus temas principais, a exemplo da eternidade e do infinito. Como bônus, a mostra do Escher in het Palais ocupa o antigo palácio da rainha Emma, que ali viveu e trabalhou nas três primeiras décadas do século XX.
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No Kunstmuseum Den Haag, por fim, além das primorosas exibições temporárias, a pedida é acompanhar a trajetória do pintor Piet Mondrian desde o início da carreira, quando retratava moinhos e árvores, até chegar às formas geométricas e coloridas que o tornaram famoso, produzidas com os colegas do movimento De Stijl. É ou não é um “lugarzinho” que merece a visita?
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QUANDO IR
A Holanda floresce na primavera (abril a junho) – de Haia, trens levam ao jardim botânico Keukenhof, repleto de tulipas, em cerca de 1 hora. Em 27 de abril, o aniversário do rei Willem-Alexander é feriado nacional: todo mundo veste roupas cor de laranja e vai festejar na rua. No inverno (dezembro a março), a temperatura mínima fica próxima de 0° C e o verão (julho a setembro), que pode chegar a perto de 30° C, faz lotar as praias de Scheveningen.
COMO CHEGAR
A partir de São Paulo, há voos diretos para Amsterdã pela KLM/Gol. Com escalas, as opções mais curtas costumam ser operadas por Latam e Iberia (ambas com paradas em Madri), Air France (Paris), Lufthansa (Frankfurt) e Swiss (Zurique). No aeroporto Schiphol, em Amsterdã, escadas rolantes e elevadores levam à estação de trem localizada no subsolo. De lá, veículos com saídas frequentes fazem a viagem até Haia entre 30 e 45 minutos.
COMO CIRCULAR
Tem ônibus, bonde, trem, metrô, bicicleta. A melhor maneira de se deslocar por Haia, porém, é andando: as ruas planas são muito agradáveis e tudo está mais perto do que parece. Do Binnenhof ao Palácio da Paz, uma das atrações mais afastadas do centro, a caminhada leva cerca de 20 minutos pela rua Noordeinde, cheia de lojas, restaurantes e cafés. A partir da estação Den Haag Centraal, há trens e bondes para passeios bate-e-volta até Delft, Roterdã ou Utrecht.
É possível usar cartões internacionais de débito para pagar qualquer transporte público na Holanda: basta passar o cartão ou a tela do aplicativo no celular diante do leitor instalado perto das portas dos veículos.
Importante: a operação deve ser feita tanto na entrada quanto na saída, pois as tarifas são cobradas de acordo com a distância percorrida.
Outra opção é comprar um OV-chipkaart (€ 7,50) e abastecer com euros nas máquinas amarelas da NS (Nederlandse Spoorwegen, a empresa holandesa de transportes). Use da mesma maneira, aproximando o cartão dos tótens leitores ao entrar e sair dos veículos. O OV-chipkaart ainda dá direito a usar o OV-fiets, sistema público de aluguel de bicicletas (€ 4,55 por dia).
PASSEIOS
Haia tem pelo menos três museus imperdíveis: Mauritshuis, instalado na antiga casa de Maurício de Nassau, onde ficam os quadros Garota com brinco de pérola, de Vermeer, e A lição de anatomia do dr. Nicolaes Tulp, de Rembrandt, Escher in het Palais, com obras do gravurista M.C. Escher e de artistas contemporâneos, e o amplo Kunstmuseum Den Haag, que conta a trajetória do pintor holandês Piet Mondrian.
Para entrar no Vredespalais (Palácio da Paz), sede da Corte Internacional de Justiça, é preciso agendar uma visita guiada no site. A alternativa é conhecer apenas o Centro de Visitantes, situado na entrada do prédio – um audio tour gratuito conta a história da instituição e da construção, financiada pelo magnata americano Andrew Carnegie e inaugurada em 1913.
Quem viaja com crianças pode curtir um dia no Madurodam, parque temático que reproduz as principais atrações da Holanda em miniatura, ou aproveitar a roda-gigante, a tirolesa, o aquário Sea Life e a Legoland, todos no píer de Scheveningen.
ONDE FICAR
No Centrum, o Holiday Inn Express the Hague – Parliament fica grudado nos barzinhos e restaurantes do Plein, a um quarteirão de distância do museu Mauritshuis.
Em meio às lojinhas charmosas do Hofkwartier, a rua Molenstraat tem duas opções interessantes: o Park Centraal, com acomodações de decoração mais moderninha, e o Paleis, um hotel-boutique de apenas vinte quartos.
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Para um upgrade, considere os apartamentos espaçosos do Mövenpick Hotel The Hague, vizinho ao palácio real. Próximo do Palácio da Paz, o Carlton Ambassador está no bairro das embaixadas, no meio do caminho entre o centro e a praia.
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ONDE COMER
De redes de fast food a lugares estrelados pelo guia Michelin, a cena gastronômica de Haia reúne especialidades de vários países – um exemplo são os quiosques do Foodhallen, uma espécie de praça de alimentação mais chique com pratos do Vietnã, da Malásia e do México, hambúrguer, sushi e falafel.
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No Hofkwartier, ruas como Noordeinde e Molenstraat têm endereços que servem cozinha argentina, italiana, mexicana e criações veganas, além de sanduíches mais elaborados. Ali perto, na Plaats, o restaurante Jamey Bennett prepara receitas moderninhas, como a barriga de porco ibérico com abóbora, maçã e creme de missô, e uma sobremesa inesquecível: bolo de caramelo com gengibre, baunilha e sorvete de cumaru.
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No Calla’s, o cardápio sazonal do chef Ronald van Roon rendeu à casa uma estrela Michelin. Para o brunch, reserve um lugar ou enfrente a espera para conseguir uma mesa no minúsculo Café Bartine, com delícias como os pães de fermentação natural e a french toast com figos e creme de ricota.
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Entre novembro e janeiro, surgem nas ruas as barracas que vendem oliebollen, um tipo de sonho sem recheio e coberto de açúcar de confeiteiro que é o quitute tradicional das festas de Natal e ano novo na Holanda. Uma das mais concorridas fica na esquina das ruas Grote Marktstraat e Spui.
ONDE BEBER
A partir das 17h, os bares e restaurantes de praças como Plein e Grote Markt começam a lotar para a happy hour e seguem movimentados até a madrugada – depois do jantar, casas como o Cloos chamam DJs para animar o público e transformam o salão em pista de dança.
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Outras vizinhanças para percorrer durante a noite e encontrar um bar para chamar de seu são o Zeeheldenkwartier, com cervejas artesanais no gastropub Van Kinsbergen, e o entorno da rua Denneweg, uma das mais antigas da cidade, onde fica o wine bar Pierre.
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Conhecido como o maior pub de Haia, o The Fiddler serve cerveja de fabricação própria, entre outras, para a clientela predominante de estrangeiros que moram na cidade.
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ONDE COMPRAR
Grandes redes internacionais, como Uniqlo, H&M, Printemps, Zara e C&A – que surgiu na Holanda, no século XIX -, estão espalhadas pelas ruas entre o Binnenhof e o Grote Markt, principalmente na Spui e na Grote Marktstraat, endereço também da loja de departamentos De Bijenkorf, que reúne grifes de cosméticos, perfumaria, moda feminina e masculina.
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Em uma caminhada por ali, entre para admirar o visual elegante da De Passage, galeria comercial mais antiga do país, com Apple, Ray Ban, Body Shop e estabelecimentos locais, a exemplo da The English Bookstore, uma das várias livrarias da cidade especializadas em títulos em inglês. (A um quarteirão de distância existe mais uma, a The American Book Center.)
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Um dos mais prestigiados endereços para compras é a rua Noordeinde, no Hofkwartier, com boutiques, joalherias e galerias de arte, muitas delas fornecedoras da família real. Vale explorar as adjacências para descobrir as bem-sortidas lojas arrumadinhas de roupas vintage até chegar ao Zeeheldenkwartier, bairro vizinho e de vibe descolada.
Dois lugares ótimos para resolver lembrancinhas variadas são a loja do museu Mauritshuis, com cadernos, bloquinhos, etiquetas de bagagem, canecas, camisetas e uma infinidade de outros produtos estampados com a imagem da Garota com brinco de pérola, e a Hema, uma espécie de Americanas local, espalhada por toda cidade, que vende desde roupas para crianças até alimentos.
DOCUMENTOS
Para permanências de até 90 dias, basta um passaporte emitido há menos de 10 anos e válido por pelo menos três meses após a data de saída do país – ou de qualquer outro pertencente ao Espaço Schengen.
DINHEIRO
Euro. Atenção: diversos restaurantes já não aceitam pagamento em espécie, apenas com cartão de débito ou crédito. Informe-se antes de fazer o pedido para não ter nenhuma surpresa.
LÍNGUAS
Holandês, mas praticamente todo mundo também fala um ótimo inglês. As principais atrações têm letreiros nos dois idiomas, embora muitas placas de rua que indicam a direção dos passeios estejam apenas na língua nativa – vale saber, por exemplo, que Haia chama-se Den Haag (ou ‘s-Gravenhage) em holandês e The Hague em inglês.
Fonte: viagemeturismo