A colaboração entre grandes empresas e startups é pauta de uma agenda de inovação que caminha a ritmo acelerado há alguns anos. A popularidade do Open Innovation, ou inovação aberta, em tradução livre, fez proliferar o número de programas de aceleração, incubação e hackathons desenvolvidos por grandes empresas interessadas em estreitar laços com startups e suas soluções. A premissa é básica: sozinhas, as grandes corporações não são capazes de encontrar respostas para todos os seus problemas – que, comumente, ganham o título de “desafios” em iniciativas que incentivam o desenvolvimento de respostas por parte das pequenas de tecnologia.
O tema tornou-se prioridade para grande parte das empresas brasileiras, que passaram a adotar, recentemente, a inovação aberta como parte de uma estratégia mais ampla de inovação que inclui modelos de investimentos em startups com fundos proprietários e também o corporate venture building, indica uma pesquisa da consultoria de inovação ACE Cortex em parceria com o Sling Hub. Apesar do ânimo, há uma falta de maturidade no assunto – o estudo indica que metade das companhias do país estão nesta empreitada há, no máximo, dois anos.
Como a escassez do VC impacta a inovação aberta
Ao ganhar popularidade no Brasil, a inovação aberta segue algumas premissas estabelecidas em outros países. Contudo, a mesma disposição ao copiar modelos bem-sucedidos mundo afora se aplica a outras tendências em curso – como é o caso da queda substancial no volume de investimentos de risco, o chamado Venture Capital. De acordo com a Associação Brasileira de Venture Capital e Private Equity (ABVCAP), o impacto disso no mercado brasileiro é mensurável: um recuo de 57% entre 2022 e 2023.
Nesse cenário, é possível afirmar que investimentos privados em startups por meio de fundos proprietários, o chamado Corporate Venture Capital (CVC), parte elementar de algumas estratégias de Open Innovation, também tenham arrefecido diante de uma maior cautela do mercado. Alguns dados comprovam a tese. As operações de CVC somaram R$ 2,2 bilhões no ano passado ante R$ 5,6 bilhões em 2022, uma queda de 60%. O número de operações também caiu cerca de 11%, passando de 106 para 94 no período, também de acordo com a ABVCAP.
A oscilação dos aportes nos últimos anos tem impacto não somente do ponto de vista financeiro, mas também estratégico, o que favorece a despriorização dos investimentos em inovação frente a outras áreas e projetos de uma corporação. Em outro mapeamento da ACE Cortex, executivos apontaram que a experiência do cliente deixou de ser prioridade quando se trata de resultados dos investimentos em inovação. Isso está relacionado ao fato de que é preciso equilibrar retornos financeiros e operacionais aos ganhos obtidos no longo prazo.
Uma nova abordagem para a inovação aberta
“De fato, houve uma redução no apetite por investimentos, sejam eles feitos por VCs tradicionais ou CVCs, porém um programa de Corporate Venture Capital não é a única estratégia que existe no guarda-chuva da inovação aberta”, afirma Luciano Doll, CEO da Inbix, plataforma de inovação corporativa. Ele sugere que empresas podem buscar outros caminhos para a adoção de inovação aberta.
A corporação não precisa, necessariamente, buscar e selecionar startups para investir. É possível realizar matchmaking [processo de conectar pessoas ou empresas com interesses ou necessidades complementares] com o mercado a fim de encontrar soluções para seus problemas, diz.
A mesma disposição para a inovação, porém, esbarra em um problema cultural. Segundo dados da Innovation Survey, da ACE Cortex, realizada em dezembro de 2023, a mentalidade dos líderes segue uma entrave para o avanço e maturidade dos programas – ainda incipientes – de inovação aberta no Brasil.
“A implantação de qualquer programa de iniciativa aberta em uma corporação deve ser precedida de ambiente favorável para tal. E este ambiente só é possível de se atingir com mudança de cultura e mentalidade dos gestores e líderes. A educação corporativa voltada para inovação tem que ser um alicerce presente na corporação”, defende Doll. “É preciso um ‘banho de loja’ nas lideranças”.
Para mudar esse cenário, é preciso desenvolver programas de capacitação contínua para líderes que possam exibir resultados reais do investimento em inovação aberta e CVC, além da orientação em relação ao resultado dos esforços versus o tempo necessário para isso.
Outro aspecto essencial é educar os líderes para enxergar que a inovação aberta não se trata apenas de resultados imediatos, mas sim de construir um pipeline de iniciativas que trazem retorno em diferentes horizontes de tempo. Algumas inovações geram impacto imediato, como novas tecnologias para redução de custos operacionais, enquanto outras – como a criação de novos mercados – podem levar anos para maturar, mas são essenciais para garantir a competitividade no longo prazo, afirma Mateus Quelhas, sócio e diretor de transformação de negócios da ACE Cortex.
Em tempos de capital enxuto e em que eficiência e rápidos retornos passam a ser prioridade para companhias no que diz respeito à associação com startups, a definição de metas claras é o que definirá o sucesso de programas de inovação aberta do futuro. “O que vejo nas corporações não é a falta de paciência em função do prazo, mas sim a falta de definição clara de indicadores a serem perseguidos. É fundamental criar alguns poucos e objetivos indicadores pelos quais a alta liderança pode acompanhar a evolução das suas iniciativas”, diz Doll.
Sendo assim, a abordagem criteriosa adotada por investidores cautelosos mundo afora também deve se propagar para as grandes corporações, agora preocupadas com a existência de indicadores reais que justifiquem o volume de recursos dedicados à inovação, e como eles cooperam para a competitividade da empresa no mercado. “Para o futuro da inovação aberta, veremos uma abordagem mais criteriosa, na qual o foco será garantir que esses investimentos suportem e ampliem a vantagem competitiva da empresa de forma clara e tangível”, diz Quelhas. Já para as startups, a participação bem-sucedida em programas de Open Innovation dependerá da apresentação de propostas de retorno concretas, sem promessas futuras.
Exemplo prático
Com 30 anos de mercado, o Grupo Gondaski, holding de empresas do varejo de veículos, veículos agrícolas e seguros, é um dos exemplos de companhias de grande porte que apostam na inovação aberta para manter a relevância.
O grupo passou a mirar a inovação como uma maneira de se atualizar em uma indústria tradicional. Um dos caminhos para isso está no investimento direto em startups por meio de um braço de corporate venture capital. “A inovação é, hoje, um dos nossos quatro pilares que sustentam a nossa visão até 2030”, explicou Alyson Gondaski, vice-presidente do Grupo Gondaski, em entrevista ao GazzConecta durante o Inbix Experience.
Para o CVC, a ambição atual do Grupo Gondaski é encontrar empresas e modelos de negócios com potencial de crescimento futuro, ainda que se encontrem em estágios iniciais durante o momento de investimento.
O relacionamento com startups, porém, vai além dos investimentos diretos, já que o grupo também lança mão de programas de inovação aberta para encontrar soluções que tragam mais dinamismo à operação. Em caso recente, a empresa foi capaz de atualizar seus estoques, priorizando peças de alta rotatividade entre os clientes e eliminando 15% dos itens “parados”. O projeto foi concluído após a colaboração com startups. “O mercado se transforma, assim como as vontades dos clientes. É preciso estar preparado para oferecer as melhores soluções para o mercado”, define Alyson.
Tendências para o futuro
Atualmente, os setores que mais investem em Open Innovation nas empresas são os de tecnologia, finanças, energia, saúde, serviços, educação e agricultura – e essa é uma tendência que deve se manter pelos próximos anos. Mas, ao passo em que há uma proeminência de certos nichos, é possível que empresas passem a fugir de certos modismos, priorizando investimentos em tecnologias que, de fato, tragam valor à operação. “Para os próximos anos, recomendamos que as empresas priorizem setores que não apenas têm demonstrado crescimento, mas que também alinhem a inovação às suas necessidades práticas”, pontua Quelhas.
Para o futuro, os especialistas destacam a colaboração como principal atributo dos programas de inovação aberta desenvolvidos por grandes empresas. Entre os novos modelos de inovação aberta a ganharem destaque no futuro próximo, especialistas destacam as collabs (ou colaborações), nova roupagem para as já conhecidas joint ventures, mas que vão além do desenvolvimento de produtos e supõe um envolvimento maior de ambos os parceiros; e também o venture client, modelo no qual empresas se tornam clientes das startups, permitindo acesso a tecnologias inovadoras e soluções personalizadas.
Em outra frente, a ascensão de novas tecnologias – a exemplo do que foi observado com o uso do ChatGPT – irá impulsionar o investimento de novas ferramentas de inteligência artificial, defende Quelhas. “Espera-se que haja um aumento significativo em investimentos voltados para o desenvolvimento de soluções inovadoras em IA, que podem redefinir a forma como os negócios operam e interagem com os clientes”, diz.
Fonte: gazzconecta