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Tecnologia

Elon Musk quer tornar real o controle de dispositivos pelo pensamento com seu novo projeto de “telepatia”

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O primeiro produto da Neuralink, empresa do
bilionário Elon Musk, se chamará “Telepatia” (“Telepathy”) — é um chip
implantado no cérebro que permitirá que uma pessoa paralisada “controle seu
celular ou computador, e através deles quase qualquer outro dispositivo, só
pelo pensamento”. A promessa é do próprio Musk, que sugeriu a seus seguidores
na rede social X, da qual ele também é dono, que imaginassem se o físico
teórico tetraplégico Stephen Hawking, falecido em 2018 de uma doença genética
neurodegenerativa, “pudesse se comunicar mais rápido que um velocista da
datilografia ou um leiloeiro. Esta é a meta”.

A promessa veio junto com a notícia de que a Neuralink já implantou o dispositivo eletrônico no cérebro de um paciente humano, na segunda-feira (29). O paciente recebera o no dia anterior e estava “se recuperando bem”, com “resultados iniciais [que] mostram uma detecção de sinais neuronais promissora”. A autorização para implantação foi dada pelo governo americano em maio do ano passado.

Como
funciona a tecnologia de interface cérebro-máquina

O Telepatia da Neuralink consiste em um chip
central, com bateria recarregável à distância, cercado por 1.024 filamentos
mais finos que fios de cabelo que “desabrocham” no ato de implantação, cobrindo
uma área maior do cérebro que a da abertura cirúrgica no crânio (que é fechada
após o procedimento). Esses filamentos são sensíveis às pequenas perturbações
elétricas pelas quais os neurônios se comunicam, conhecidas como potenciais de
ação. Em vez de uma corrente elétrica como a da fiação de uma casa, esse sinal
é feito de gradientes de íons de só e potássio, de carga elétrica positiva,
dentro e fora dos neurônios, as principais células do cérebro, que atuam como
fios elétricos em longas projeções que recebem o sinal (dendritos) e o
transmitem (axônio). Essas mudanças de carga elétrica pela movimentação das
cargas positivas são detectáveis pelos eletrodos nos filamentos, e são
interpretáveis por processadores de computador para que virem comandos como
arrastar um cursor em tela. O chip se comunica com outros aparelhos eletrônicos
com ondas eletromagnéticas, como se faz no caso das tecnologias de Wi-Fi e
Bluetooth. É mais próximo da segunda tecnologia, por usar baixa energia.

“Só pelo pensamento” pode ser um pouco de exagero
de Musk. A neurociência desvenda desde os anos 1870 que há no cérebro áreas
especializadas em movimentos específicos. Com o tempo, os neurocientistas
mapearam a correspondência entre área do cérebro e movimento (além de
sensações) a um “homúnculo cerebral”, um mapa do corpo no cérebro. Esse mapa
feito de neurônios no córtex (a camada mais externa do cérebro) tem relação com
movimentos, mas não necessariamente produz o que se considera pensamento. Que
esse córtex motor possa ser usado para mover cursores em computador é algo que
atesta a flexibilidade do nosso cérebro, desenvolvida durante as centenas de
milhares de anos de uso de ferramentas pelos nossos ancestrais.

A
concorrência está na dianteira, mas pode ter desvantagem

O anúncio da implantação em paciente humano vem
com algum atraso, e a Neuralink já está perdendo a corrida para ao menos uma
concorrente: a Synchron, empresa fundada em 2012 que tem aprovação do governo
americano para testes em humanos desde 2021. A concorrente está cada vez mais
perto de lançar produtos no mercado: anunciou na quinta-feira (31) que adquiriu
ações da fábrica alemã Acquandas, que tem a capacidade de montar uma peça
delicada do implante por um processo de formação de camadas de metal. O processo
patenteado pela empresa envolve a manipulação de coberturas muito finas de
metal através de técnicas que envolvem a luz ultravioleta, a deposição de
átomos por ímãs em vácuo e a corrosão seletiva com banhos químicos, permitindo
uma “liberdade de design sem paralelos”.

O primeiro produto a chegar no mercado poderá ser
o Synchron Switch, um chip que é inserido no cérebro através de vasos
sanguíneos e permite que o paciente opere dispositivos domésticos conectados à
internet e cursores em computadores. É essencialmente um estente (implante
usado em cirurgias cardiovasculares) “inteligente”. No momento, seis pacientes
nos EUA e quatro na Austrália estão fazendo testes. “Há milhões de pessoas com
paralisia que precisam dessa tecnologia, e estamos preparados para produzi-la
em grandes volumes”, disse Tom Oxley, diretor executivo da Synchron, à CNBC.
Somente em 2022, a empresa ganhou US$ 75 milhões (R$ 369 milhões) de
investidores como Bill Gates (fundador da Microsoft) e Jeff Bezos (fundador da
Amazon).

O modo de implantação por dentro de vasos
sanguíneos é uma vantagem da Synchron, pois é comparativamente menos invasivo.
A Neuralink precisa abrir o crânio dos pacientes para implantar o seu
dispositivo, trazendo assim mais riscos. Mas Musk está correto em dizer que os
sinais são mais fortes quando o contato com o cérebro é direto, neste caso
poderá superar o que a concorrente consegue fazer.

As duas empresas não são as únicas a atuar no
problema de restaurar movimento aos paralisados. Há
quatro meses, uma equipe
de pesquisadores da Universidade da Califórnia em San Francisco anunciou que
restaurou a fala a uma paciente que sofreu um acidente vascular cerebral há 18
anos. Um implante cerebral do tamanho de um cartão de crédito ajudou Ann, de 47
anos de idade, a utilizar a inteligência artificial para fazer um avatar
virtual transmitir suas palavras por áudio.

Controvérsias
bioéticas

A sugestão de Musk que as pessoas poderão ser
mais rápidas em se comunicar com o Telepatia que velocistas da digitação e
leiloeiros sugere aderência a certa linha de pensamento. Como nem mesmo a
maioria das pessoas que dispõem de saúde completa do sistema nervoso e muscular
esquelético consegue com a velocidade de um leiloeiro, a ideia de
melhoria do padrão normal aponta para o transumanismo, a linha de
pensamento de quem não quer apenas aliviar sofrimento, mas “melhorar” a
natureza humana pela autonomia individual e integração mais íntima do organismo
humano à tecnologia.

“O transumanismo é uma ideologia”, alertou a bioeticista espanhola Elena Postigo, no ano passado. “Um conjunto de ideias sem fundamento racional exaustivo, cuja finalidade é a obtenção de determinados fins concretos”. Ela não se opõe ao objetivo de ajudar pessoas afligidas por sofrimentos decorrentes da perda de movimentos, mas acredita que os transumanistas, entusiastas de modificações do ser humano em direção a um progresso tecnológico, “tomam a parte pelo todo” ao reduzir o ser humano a genes e neurônios, e são adeptos de “uma pseudorreligião, pois suas afirmações não se sustentam no plano racional: trata-se de pura fé na ciência”.

Elon Musk, no entanto, não é um transumanista
completamente deslumbrado por um futuro brilhante. Na verdade, ele tem feito
alertas a respeito de potenciais efeitos catastróficos do avanço da tecnologia
e da inteligência artificial, e vê na integração desses avanços ao organismo
humano uma forma de preservar o ser humano e evitar sua extinção por máquinas
hostis. Se não se pode contra elas, junta-se a elas, pensa o bilionário.

Preocupa, também, o preço pago em vidas de animais pela tecnologia de interface cérebro-máquina. Enquanto a Synchron teria sacrificado cerca de 80 ovelhas no desenvolvimento de seu estente inteligente, a Neuralink teria sacrificado até 1.500 animais, entre camundongos, ratos, ovelhas, porcos e macacos, até o final de 2022. O governo americano, contudo, disse no ano passado que não encontrou indícios de desnecessários aos animais.

Fonte: gazetadopovo

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