Já faz um tempo que a Marvel vem sofrendo críticas por basicamente estar se perdendo dentro do estilo formulaico com o qual desenvolve seus filmes. Na pouco ousada Fase 4, isso ficou muito gritante, pois como era basicamente uma fase de transição, perdeu-se aquele senso de “conexão para algo maior”, que mascarava (ou pelo nos fazia ignorar) as limitações e repetições da chamada “Fórmula Marvel”.
E na verdade, pudera, com 30 filmes lançados, já era hora de começarmos a sentir os efeitos da saturação do público com os produtos mais entalados da Marvel. Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania chega aos cinemas em um momento conturbado para a Marvel, bem quando o poderoso chefão do estúdio, Kevin Feige, agiliza uma contenção de danos após a morna (e criticada) recepção da quarta fase do MCU. Esse filme, aliás, marca o início da Fase 5, pois a anterior acabou sendo abruptamente encerrada por Feige em seu festival de anúncios na última San Diego Comic-Con. Como eu disse, contenção de danos.
É curioso, no entanto, que o início da fase que deve definir as bases para a chamada “Saga do Multiverso” seja justamente um longa do Homem-Formiga, o Vingador com os filmes mais esquecíveis do estúdio. Especialmente porque ele apresenta Kang, o Conquistador, que promete ser a maior ameaça dessa nova etapa do MCU – o novo Thanos, por assim dizer. E para ser sincero, Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania cumpre bem o papel de um filme do Homem-Formiga: ele é esquecível.
No entanto, dito isso, acredito que o maior problema de Quantumania é mesmo o de ter sido lançado em um momento onde aparentemente acabou a paciência para a zona de conforto na qual a Marvel se inseriu. Ele é um filme parecido com pelo menos outros 25 do estúdio, claro, mas não é nem de longe um produto ruim. Se tem uma coisa que a Marvel aprendeu a fazer no mercado há mais de uma década é entregar filmes com um mínimo de qualidade, e isso é encontrado aqui. Mas não é o suficiente, infelizmente.
Na trama, que não demora a ir direto ao que interessa, encontramos Scott Lang (Paul Rudd) lidando com seu novo status de Vingador salvador do mundo, enquanto tenta equilibrar seu relacionamento com Hope (Evangeline Lilly) e recuperar o tempo perdido com sua filha, Cassie (Kathryn Newton). Enquanto o pai esteve desaparecido, aliás, a garota acabou se aproximando bastante de Hank Pym (Michael Douglas) e Janet Van Dyne (Michelle Pfeiffer), estudando o Reino Quântico e tentando enviar sondas para lá – uma péssima ideia, pois é quando são sugados para a dimensão por Kang (Jonathan Majors), um homem perigoso que tem um passado com Janet durante o período em que ela esteve presa no Reino Quântico.
Aliás, aproveito para já dizer que Kang é, como já esperado, o grande destaque do filme. Não apenas o seu background e motivações são bem estruturados, como Jonathan Majors entrega uma performance incrível no vilão. Seu Kang, mais metódico e obcecado do que de fato cruel, oscila de momentos de controle da situação para o mais completo desespero e a pura raiva em uma fração de segundos, e o ator tem completo domínio de cada nuance do personagem. Mesmo não sendo um alienígena roxo com dois metros de altura, ele impõe medo. Um medo primordial. Humano.
O filme também cria boas conexões entre os personagens, especialmente na relação de Scott com Cassie, e na forma como os segredos de Janet impactam no relacionamento dela com Hope e Hank. Mas por falar em Hope, a Vespa infelizmente é o elo fraco do filme, e sequer justifica o seu nome no título. Lamentavelmente, o roteiro não deixa qualquer espaço para a personagem, que parece uma mera coadjuvante com meia dúzia de falas em um filme que supostamente deveria coestrelar.
Isso provavelmente acontece por dois motivos: o primeiro é porque o filme precisa desenvolver Cassie Lang, já que a Marvel supostamente tem planos para ela; e o segundo é porque o núcleo ao qual ela está inserida ao longo do filme, que é o de Hank e Janet, precisa dar muito mais destaque à Senhora Pym, afinal ela é o elo do espectador com Kang. Somado a isso, temos toda a apresentação do Reino Quântico e seus habitantes, o que torna o reduzido o tempo de tela de vários dos personagens, especialmente para manter no Homem-Formiga todo o foco do protagonismo.
O Reino Quântico, aliás, embora visualmente muito bonito, passa uma sensação de falta de identidade. É como se “sim” tivesse sido a resposta para todas as ideias na sala de roteiristas, e assim ele parece apenas uma grande colcha de retalhos que não possui exatamente um aspecto marcante ou característico. Essa falta de direcionamento artístico, que atira para todos lados, torna algo que poderia (e deveria!) ser algo único, em um ambiente genérico que parece ter arrancado um pedacinho de vários dos planetas de Star Wars e misturado num liquidificador.
Na verdade, o saldo geral de Quantumania é que ele é algo construído ao redor da única coisa que realmente importa para a configuração atual do MCU: a ameaça de Kang. Já faz um tempo que esse é o tipo de filme que mais incomoda os espectadores dentre as produções do estúdio: aqueles cujos elementos que deveriam pautar a narrativa servem apenas de decoração, fazendo o mínimo que um filme precisa fazer, da forma mais básica possível, apenas para passar a mensagem de “ei, olhem só o que vem por aí”. Por algum motivo, esse tipo de construção consegue irritar mais até do que os filmes que não levam a lugar nenhum, como Thor: Amor e Trovão.
Difícil dizer se isso é feito de forma menos competente nesse filme, ou se apenas se tornou muito mais perceptível após tantos filmes. As piadas fora de lugar, que transformam cenas com algum peso dramático em esquetes do Saturday Night Live também tão presentes novamente, embora nada tão drástico quanto no já citado filme do Deus do Trovão. Embora não seja um dos piores filmes da Marvel, Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania acende um alerta justamente no momento em que o estúdio sai de sua fase mais complicada. Os Vingadores vem aí, Kang já foi definido como uma grande ameaça, as Guerras Secretas se apresentam no horizonte… mas será que o MCU terá fôlego até chegarmos a tudo isso?
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Fonte: terra gameon