Levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que aponta que existem 58 favelas espalhadas em cinco municípios de Mato Grosso, a maioria delas (47) em Cuiabá, totalizando mais de 80 mil pessoas em mais de 28 mil domicílios, não traduz a realidade. Enquanto o levantamento exibe bairros bem estruturados, que possuem até mesmo condomínios de classe média alta como favelados, deixa de fora a realidade de vários aglomerados da capital, as favelas mais precárias e marginalizadas, como as localizadas na região do Contorno Leste, em Cuiabá, que não são incluídas no levantamento. Essa exclusão levanta sérias questões sobre a precisão do mapeamento oficial e a invisibilidade social das pessoas que habitam esses espaços.
Maria Evanilda Ferreira, 46, moradora do Vila Verde, um dos bairros do Contorno Leste, lamenta que sua comunidade, apesar de enfrentar sérias dificuldades com a falta de infraestrutura básica e a ausência de serviços essenciais, nem sequer seja reconhecida como uma favela. De acordo com ela, moradores dessas áreas sentem-se como esquecidos, enquanto as classificações oficiais parecem ignorar a realidade de quem realmente enfrenta os desafios da pobreza extrema e da exclusão social. Aqui nem favela somos considerados. Somos a escória, o resto do resto, os esquecidos, desabafa.
Conforme especialistas, essa sensação de abandono e descaso por parte do poder público é um reflexo do distanciamento entre as políticas públicas e as necessidades reais das populações mais vulneráveis, já que não é nem preciso um levantamento para entender que por lá a situação a qual os moradores estão submetidos, imbróglios judiciais, violência, descaso e a completa ausência do poder público, colocam a região como uma verdadeira favela.
O Flor do Leste, vizinho ao Vila Verde, e outros aglomerados da região, são exemplos claro da discrepância entre os dados oficiais e a realidade vivida pelos moradores. A falta de serviços essenciais como saneamento, água potável, asfaltamento e iluminação é uma constante. O Flor do Leste é composto, majoritariamente, por pessoas em situação de vulnerabilidade social, como idosos, mulheres e mães solteiras, que enfrentam grandes dificuldades para garantir uma vida digna.
Karolinne de Carvalho, 25, é mãe de três filhos, com idades de 1 ano e 8 meses, 6 e 10 anos, e vive com o benefício social do governo federal e fazendo bicos para sustentar a família. Não é fácil viver de forma precária, mas a gente não tem opção e tem que continuar na luta pelos nossos, afirma.
Apesar das dificuldades, o maior medo de Karolinne é perder o único lar que conseguiu garantir para seus filhos. Meu maior medo é um dia acordar com os tratores aqui derrubando tudo e eu não ter para onde ir com meus filhos, relata, refletindo a constante incerteza sobre o futuro.
Elizanete Vidor, 46, também mora na região do Contorno Leste com sua filha de 8 anos. Ela trabalha como repositora e, assim como Karolinne, encontrou no Flor do Leste a única possibilidade de dar um teto para sua filha. O que a gente ganha é muito pouco, é só eu e ela, não tenho com quem contar. Então, aqui é nosso lar, se sair daqui não sei como será, desabafa.
Além das questões relacionadas à moradia, Elizanete também destaca a falta de acesso a serviços básicos de saúde e transporte. Aqui estamos isolados, não temos nada, direito a nada, e se não nos virarmos, nos unirmos, ninguém faz por nós, afirma, ressaltando a marginalização que esses bairros sofrem.
Outro ponto importante levantado por Elizanete é o preconceito social enfrentado por quem vive nessas regiões. Para muitos, aqui só tem gente atoa, bandido. Mas a realidade é muito diferente do que pensam, afirma.
A população do Flor do Leste e do Vila Verde é constantemente estigmatizada, mas os moradores reforçam que, embora o bairro apresente sérias carências, as pessoas não são criminosas e têm o direito de viver dignamente. Esse estigma é agravado pela ausência de políticas públicas eficazes e pela falta de reconhecimento das necessidades desses bairros.
De acordo com os moradores, aos invés de entenderem a realidade da comunidade como resultado da desigualdade social e da falta de investimento público, muitos veem os moradores como uma ameaça ou um peso. Isso contribui ainda mais para a situação em que vivemos, nos tornando-as invisíveis ao poder público e à sociedade, um problema.
Se por um lado estão as reais favelas de Cuiabá, que foram deixadas de lado pelo IBGE, pelo outro há bairros como o Pedra 90, o Pedregal, Altos da Serra, locais que apesar de usufruírem de benefícios como asfalto, linhas de ônibus, escolas, creche e centro de saúde e comércios, entram na classificação do instituto. Segundo especialistas, esse contraste revela não apenas o abandono institucional, mas também a desigualdade que marca a organização das cidades e coloca cada vez mais barreiras no caminho de quem vive nas favelas.
Mesmo no caso de bairros em regiões periféricas, como o Santa Laura, que é, segundo o IBGE, a maior favela da Capital, com 8.203 pessoas, assim como o Parque das Águas Nascentes (7.135), Jardim Paraíso (6.446) e Jardim Vitória (5.505), que também são citados como favelas, a população pode contar com certa assistência, mesmo que limitada, enquanto que a realidade da favela é ainda mais extrema e a comparação injusta.
No Santa Laura, por exemplo, há uma grande carência ainda em relação ao asfalto e à saúde, mas quem mora lá, apesar de reconhecer que o bairro precisa ainda avançar muito para melhorar, discorda da classificação feita pelo IBGE ao comparar o bairro com outras regiões onde há maior ausência do poder público, como as já citadas. Aqui a gente não tem posto de saúde, mas temos no bairro ao lado. Lá o pessoal não tem nada perto, os moradores estão isolados, não têm saúde, não têm nada, afirma Fábio Júnior da Silva, 42.
Fonte: gazetadigital